quarta-feira, 21 de março de 2012

A busca do linchamento

Pedro Estevam Serrano

Pedro Estevam Serrano é advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP,mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP.

Mídia e mensalão

A cidadania brasileira carece de cautela na formulação de juízos a respeito do chamado caso do mensalão a partir de fatos noticiados pela mídia comercial. O que se observa é um comportamento não saudável em termos dos valores democráticos que devem nortear a atividade midiática. Notícias editorializadas, fatos distorcidos por exagerada proporção ou pelo uso de adjetivos de opinião intuitiva como se fossem substantivos fáticos.

Processos contra os 40 réus do chamado mensalão. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

O uso, por exemplo, de expressões como “esquema” para definir atos comerciais correntes espanta a quem tem juízo critico e mínimo conhecimento do mundo negocial e jurídico, pelo evidente pré-julgamento que induz, procurando conformar uma opinião geral por manipulações um tanto grosseiras.

Até que a integral documentação do processo seja efetivamente conhecida pela comunidade especializada é difícil formular uma posição pela inocência ou não dos réus. Apenas a verificação detalhada e rigorosa do que consta dos autos pode auxiliar a formação de um juízo cidadão critico que acompanhe a decisão do processo pelo STF, apontando nela eventuais acertos ou desatinos

Condenar os réus “a priori” é tão equivocado quanto inocentá-los. Ocorre que os órgãos midiáticos, que deveriam manter um mínimo de distancia crítica para preservar seu papel social mais relevante, tem demonstrado querer produzir um determinado julgamento – de condenação – ao invés de apenas relatá-lo e criticá-lo.

O Partido dos Trabalhadores quitou, após alguns anos pagando as respectivas prestações, um dos principais empréstimos relacionados ao caso, o do Banco Rural.

Tal fato foi noticiado por réus do caso, então dirigentes do partido, com o evidente intuito de demonstrar que tratou-se o contrato de avença negocial comum e não de forma de maquiagem de um “esquema” de quadrilha e corrupção como alega o Procurador Geral da Republica em sua denúncia.

Se tal contrato é forma de maquiar esquema de corrupção de deputados é alegação que incumbe a quem acusa provar. O que se tem visto no âmbito midiático são alegações sem qualquer prova no tocante ao tema.

O que surpreende é que a notícia do pagamento é dada em muitos veículos com evidente juízo subliminar, como se tal pagamento tivesse evidente intuito fraudatório. Adotam-se as alegações de acusação como fatos incontestes no correr das notícias. Anuncia-se a noticia do pagamento do contrato como “quitação do esquema do mensalão” como se a existência de tal esquema fosse fato incontroverso nos autos e mesmo na realidade do que a própria mídia apurou até o presente.

Há poucas semanas vimos a ampla polêmica travada em torno da questão da eventual prescrição de alguns crimes imputados.

A hipótese foi de plano aventada já como produto da conduta dos réus e seus advogados. Reproduziu-se algo muito forte no imaginário popular com relação a casos desta espécie: advogados regiamente pagos procuram delongar o processo pela pratica de atos de defesa de forma a levar os crimes à prescrição.

Se é verdade que em alguns casos a conduta da defesa pode auxiliar a prescrição de crimes imputados, por outro há que se observar que no mais das vezes a ocorrência da prescrição se dá por outros fatores mais complexos e não conhecidos da opinião publica.

Ao noticiar a hipótese os órgãos midiáticos se esqueceram de rememorar que, por exemplo, o ex-ministro José Dirceu, apontado como chefe da suposta “quadrilha”, tem constantemente insistido que deseja ser julgado logo, de pronto.

O mais relevante é que se esqueceram de aventar o fato de que a decisão adotada anteriormente pelo STF de julgar 40 réus em um único processo dificulta e torna absurdamente morosa a apuração, por maiores que sejam os esforços da Corte em sentido contrário.

Além do fato de que tal decisão, distinta totalmente de determinações da própria corte em processos análogos, dificulta imensamente a individualização das condutas, não favorece o isenção técnica do juízo e forma o tablado para o espetáculo em detrimento de valores fundamentais de nossa Constituição. Quarenta réus julgados num único processo agregam em espetáculo, mas desfavorecem a Justiça da decisão e a eficiência da apuração.

Por último, deve-se destacar a atuação despudorada de alguns veículos em querer às abertas interferir na participação de juízes no julgamento, procurando levá-los ao impedimento de sua participação. O desconforto que tal posição busca causar é evidente: ou o julgador, “a priori” e sem ter em conta o processo, julga pela condenação dos réus ou se considera impedido de participar – caso contrário será, certamente, acusado de formular um juízo pautado em seus interesses particularistas e não na adequada aplicação da ordem jurídica a luz do que consta no processo.

O que vai se evidenciando é que qualquer fato relativo ao processo do mensalão vem sendo tratado pela maioria dos veículos de forma a manipular a opinião pública, sem qualquer preocupação com o que consta dos autos e com a realização de um juízo imparcial e justo.

Carta Capital

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