terça-feira, 31 de julho de 2012

Enquanto a TV por assinatura debate seu regulamento, nada se fala sobre a TV aberta. Por quê?

 Mutismo absoluto e revelador. É assim que a chamada ‘grande imprensa’ se comportou em relação à audiência pública realizada ontem (30.7) pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE), no Rio de Janeiro. Nem uma palavra! E olha que não é por falta de notícia. Seria porque nossa mídia é totalmente avessa a qualquer forma de regulação? Bem, mas vamos tratar do que está acontecendo, já que aqueles que têm a obrigação ética e legal de noticiar não o fazem.


O assunto é a regulamentação da TV por assinatura, mais precisamente as penalidades para as empresas que descumprirem a nova legislação que entra em vigor agora em setembro, tema da audiência pública. É um tema da maior importância pois 50 milhões de brasileiros já assistem TV por assinatura. E o governo trabalha com a previsão de chegar aos 100 milhões em 2020.

Por que a nova regulação é importante? Porque antes não havia exigência legal efetiva para que as TVs por assinatura exibissem conteúdos nacionais. Elas podiam importar tudo, o que é muito ruim para o fortalecimento da cultura brasileira e para o desenvolvimento de uma indústria nossa do audiovisual.
Na audiência, a superintendente executiva da ANCINE, Rosana Alcântara, disse que até o final de 2013 todos os canais brasileiros de séries, filmes, documentários e animação de TV por assinatura terão em sua grade de programação pelo menos 3h30 por semana de conteúdo nacional e de produção independente em horário nobre (das 18h às 24h nos canais abertos e fechados convencionais, e das 11h às 14h e das 17h às 21h nos canais para crianças e adolescentes).
Rosana Alcântara explicou que, embora as regras passem a valer a partir de setembro, as empresas devem demorar cerca de um ano para se adaptarem às mudanças da Lei da TV por assinatura (Lei 12.485), publicada no fim do ano passado. “A partir de 13 de setembro, o consumidor já poderá sentir alguma modificação, mas o processo é lento e, de fato, a partir do ano que vem teremos mais conteúdos brasileiros em canais que, até então, não tinham nada de conteúdo nacional”.

Penalidades

O que estava em discussão na audiência pública – e continua em consulta pública aberta até 3 de agosto – é a questão das penalidades a serem impostas para quem descumprir a nova legislação, previstas em uma minuta de Instrução Normativa (IN) da própria ANCINE.
Segundo a minuta em debate, as penalidades podem variar de advertência (infração leve), multas, inclusive diárias, que variam de R$ 500 a R$ 1 milhão, suspensão temporária do credenciamento e o cancelamento do credenciamento. A própria superintendente da ANCINE disse na audiência que a redação da Instrução Normativo com as penalidades têm despertado dúvidas por parte dos empresários da TV fechada. Por isso foi feita a audiência pública. Os representantes de escritórios de advocacia, associações de TVs por assinatura e de empresas envolvidas no setor que participaram aproveitaram para esclarecer muitas dessas dúvidas e fazer sugestões de mudanças.


A disputa em torno da Lei de TV a Cabo


Durante sua tramitação de cinco anos no Congresso Nacional, a Lei 12.485, aprovada e sancionada em setembro do ano passado, gerou polêmica ao impor novas obrigações para o setor da TV a cabo. Sobretudo por causa das cotas de conteúdo nacional. No início do ano, a operadora Sky lançou uma campanha contra a nova lei alegando que a obrigatoriedade de cotas prejudicava a liberdade de escolha dos consumidores e era uma forma de controlar o conteúdo por parte do governo. Uma espécie de censura.
Mas a campanha da Sky não colou. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) e a Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV (ABTI-TV), entre outras entidades e movimentos, contestaram a propaganda da operadora, defenderam, por meio de notas e artigos que a nova lei garante mais pluralismo e diversidade de conteúdo. O problema é que, sem a nova legislação, as produtoras independentes brasileiras não tinham onde exibir sua produção que, até por conta disso mesmo, é muito pequena.
Depois, a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), que congrega as empresas do setor, também passou a apoiar a nova legislação, pois a ANCINE, que divide com a ANATEL a responsabilidade pela fiscalização do setor, manteve um diálogo permanente com todos os setores interessados para construir um consenso em torno da regulamentação. Dessa forma, tanto a Sky quanto algumas programadoras e canais que estavam contra a nova legislação acabaram vendo que não havia como impedir sua implementação e recuaram.


A necessidade da regulação na mídia

Finalmente, não posso deixar de questionar a falta de lógica e sentido na postura da mídia que, mesmo escondendo ao máximo o debate e a divulgação das notícias,  aceita a regulação e uma agência no caso da TV por assinatura, mas não aceita na TV aberta. E ela é mais do que necessária: é uma condição para a democracia, como prova a experiência de países como os Estados Unidos, Portugal, passando pelo Canadá, França e Grã Bretanha.
Na Grã Bretanha, em particular, há uma regulação ampla, geral e rigorosa como comprova o caso Murdoch. Apesar disso, e mesmo assim, exatamente por conta do escândalo promovido pelas empresas de Murdoch, a legislação inglesa está em processo de revisão. E no Brasil? Quando debateremos e implementaremos, prá valer, uma regulação na mídia?

Congresso e feira da ABTA; artigos e contribuições de especialistas


A ABTA realiza anualmente uma Feira e Congresso. Este ano o evento está acontecendo entre hoje e quinta (31.7 a 2.8), no Transamérica Expo Center, em São Paulo, com um público esperado de 9,5 mil pessoas. Com a nova regulação do setor, governo, empresários e criadores/produtores têm manifestado uma grande expectativa de crescimento da área, o que promete um congresso movimentado este ano.
Vocês vão encontrar aqui no blog alguns textos sobre a questão. Temos colunistas fixos que sempre se manifestam sobre a comunicação, como Laurindo Leal Filho e Venício A. de Lima. Temos hoje, também, o artigo do diretor da ANCINE, Glauber Piva (Audiovisual e desenvolvimento no território dos direitos) que explica muito bem o que está acontecendo no setor de TV por assinatura do ponto de vista dos interesses dos cidadãos brasileiros. Vale a pena ler.

Blog do Zé Dirceu

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