terça-feira, 29 de abril de 2014

LULA, JOAQUIM E CHACRINHA

Paulo Moreira Leite
 
 
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".


Joaquim Barbosa reclama de Lula mas já definiu STF como "maioria de circunstância" com "argumentos pífios"



 A irritação do STF com as declarações de Lula sobre a AP 470 é compreensível. Ninguém gosta de ser criticado, muito menos por um político – o mais popular do país -- que falou palavras claras e duras sobre o julgamento. 


Palavras que devem ser compreendidas como uma opinião política, direito fundamental assegurado pela Constituição.


Imaginar que uma decisão do STF não pode ser criticada e deve ser sacralizada contraria o comportamento do próprio tribunal, a começar pelo presidente do STF. 


Não custa lembrar. 


No fim de fevereiro, quando o STF  absolveu os réus pelo crime de formação de quadrilha, Joaquim Barbosa julgou-se no direito de fazer  um pronunciamento, em pleno tribunal, onde empregou termos muito mais graves – alguns podem até ser considerados ofensivos – para se referir a decisão do plenário. 


 Ele definiu os juízes que tomaram a decisão como “maioria de circunstância”. 


 Falta de respeito? 


Joaquim classificou os próprios embargos que permitiram a revisão -- aprovados com apoio do decano Celso de Mello -- como um “recurso à margem da lei.”


Disse que os ministros empregaram "argumentos pífios". 


 Acusou os colegas de serem tomados por uma  “sanha reformadora”. Sabe o que é sanha? “Rancor, desejo de vingança”, diz o Houaiss. 


 Joaquim não dava uma entrevista nem respondia a pergunta de jornalistas. Definiu sua fala como um “alerta a nação.” 


 Usou termos rudes para se referir a um trabalho tão legítimo  como o dele. 


 A menos que queria instituir um regime político no qual a judicializaçao inclui o direito de censura a uns e a liberdade a outros, a única reação coerente é aceitar que juízes, políticos, jornalistas, trabalhadores e 200 milhões de brasileiros  possam dar sua opinião.


 O resto é puxa-saquismo e submissão, incompatíveis com a democracia.  


 É por isso que Eduardo Campos e Aécio Neves cometeram um erro feio quando saíram em publico para criticar Lula, mesmo de forma velada. Nem vamos falar que é uma postura inteiresseira, de quem quer ajuda de Joaquim para ganhar Ibope junto a determinados eleitores e fazer pinta de amigo da ordem. Não vamos ser deselegantes.


Nem vamos dizer que é uma forma de gentileza por parte de quem teve aliados -- como o ex-ministro tucano Pirmenta da Veiga -- que receberam dinheiro de Marcos Valério e ficaram de fora da AP 470. Pimenta, como se sabe, embolsou 300 000 reais -- e isso a Polícia Federal apontou logo no começo da investigação. O que aconteceu? Nada lhe aconteceu durante anos. Mais tarde, entrou no mensalão mineiro, tardiamente, de fininho...candidato certo a prescrição por idade. E claro, com direito a duplo grau de jurisdição, se for necessário. 


Não é disso que estou falando. Vamos a substância.


Para quem afirma que as decisões do Supremo não podem ser discutidas, devem ser 100% cumpridas, eu pergunto: se pensam mesmo assim, quando é que eles vão pedir ao Supremo que cumpra a decisão que garantiu a José Dirceu o direito ao regime semi aberto? Tá demorando, vamos combinar.


A coragem para criticar Lula não é mesma para cobrar Joaquim? 


Olha só: Dirceu nunca recebeu uma sentença que, transitada em julgado, o impedisse de sair do presídio para trabalhar. Nunca. Ou seja: nunca recebeu regime fechado como pena.  No entanto, está lá, trancafiado na Papuda, desde 15 de novembro de 2013. 


Já deu para perceber quem está “discutindo” a decisão do Supremo. Quem está "questionando", não apenas com palavras, mas atos. Imagine quem está descumprindo, Eduardo Campos.


Lula? Eu?


Ou o próprio presidente, inconformado com a derrota do rancor da maioria de circunstancia que aplicou um recurso a margem da lei.


Há outro aspecto. Um tribunal que não gosta de ver suas sentenças debatidas deveria ter outro comportamento. Deveria ser mais discreto, mais circunspecto e reservado. Repito que as decisões do STF e de qualquer outra corte podem e devem ser debatidas. Sem isso, a Justiça não avança. Se a população americana jamais discutisse decisões sobre o aborto ele jamais teria sido legalizado, certo?


O problema é outro, também. Nosso Supremo decidiu ser pop. 


Nosso STF faz questão de televisionar os julgamentos ao vivo. Os juízes foram vistos, na AP 470, fazendo até piadinhas e comentários irônicos sobre os petistas. Pudemos assistir, várias vezes, o mesmo Joaquim Barbosa tendo modos grosseiros e furiosos contra seus colegas.  E assim por diante.


Não adianta negar. 


Não saíram máscaras de carnaval de Joaquim? Não teve gente que se achou no direito de chamar Ricardo Lewandovski de Livrandovwski? Ele não foi tratado com grosseria quando foi votar?


E então? 


Estamos no mundo pop, gente. Pode ser vulgar, grosseiro, interesseiro, comercial. 


Se queria ser tratado com a reverência de uma Suprema Corte americana, por exemplo, o STF deveria comportar-se de outra maneira, estabelecer outros códigos.


Jamais poderia tentar proibir o cidadão comum de comentar, criticar ou elogiar suas decisões. Isso, repito até cansar, Voltaire, é direito democrático.


Imagine: em 1964 o STF disse que a presidência estava vaga, dando base legal ao golpe. Não era correto dar opinião?


Imagine se todo mundo, agora, tivesse de concordar com a absolvição total de Fernando Collor e achar que não há nada de errado com a condenação completa do PT de Lula? 


O STF em sua fase atual poderia aprender uma nova versão da lição do velho Abelardo Chacrinha, o patrono da moderna comunicação brasileira. 


Chacrinha dizia que quem não comunica se estrumbica. Faltou entender a segunda lição; quem comunica também se estrumbica – quando passa a mensagem errada. 



Isto É

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