terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Para jurista, Operação Lava Jato é positiva, mas ‘corre risco’ de ser invalidada

Pedro Serrano diz que ação da Polícia Federal para apurar supostas irregularidades na Petrobras pode ser prejudicada se ficar comprovado que violou direitos individuais previstos na Constituição

por Eduardo Maretti, da RBA publicado 14/02/2015 12:40, última modificação 14/02/2015 12:42
 
Banco de Imagens/Folhapress
 
'Não se cogita juridicamente de um impeachment da presidente Dilma', diz Pedro Serrano
 
São Paulo – A operação Lava Jato corre o risco de acabar invalidada, se, posteriormente, ficar caracterizado que as investigações foram sustentadas sobre violações de direitos e abusos. A opinião é do jurista Pedro Serrano, professor de mestrado e doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para ele, não é só a Lava Jato que utiliza a banalização das prisões cautelares e preventivas. “Quarenta por cento dos aprisionados hoje no Brasil estão presos sem terem tido o direito de se defender.”

A operação – que se tornou pública em março de 2014 – revelou suposto esquema de corrupção envolvendo a Petrobras e empreiteiras.

Segundo Serrano, a operação é positiva para o país, como consequência de uma política do governo federal de criar um sistema impessoal de combate à corrupção, estabelecida a partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Mas às vezes um ou outro dos agentes alçados a um papel de mídia acaba influenciado por isso, acaba prejudicando a operação e ofendendo direitos das pessoas.”

Pedro Serrano também refuta a tese de impeachment defendida pelo colega Ives Gandra Martins há dez dias, ainda comentada em corredores do Congresso e em páginas de jornal. “O professor Ives é um dos juristas que eu mais admiro no campo do direito tributário brasileiro, mas tenho que divergir densamente do parecer dele.”

Na avaliação de Serrano, a “tese da culpa”, utilizada por Ives Gandra, faz parte do “campo do Direito Civil para resolver questões de indenização”. Essa figura jurídica, diz, não pode ser aplicada na área penal ou no campo do crime político.

Pedro Serrano falou à RBA por telefone.

Em que medida a Operação Lava Jato pode ou não trazer benefício ao país, considerando que parece haver uma investigação seletiva do caso?

Não tenho uma visão essencialmente crítica à operação. Acho que ela é consequência de toda uma política do governo federal, que vem desde o presidente Lula, de criar um sistema impessoal de combate à corrupção. Você tem uma Polícia Federal, um Ministério Público e um Judiciário independentes que funcionam como máquinas impessoais de apuração de corrupção. A Lava Jato em si é muito positiva, faz parte de uma política pública criada para isso. Mas ela corre risco, porque às vezes um ou outro dos agentes alçados a um papel de mídia acaba influenciado por isso, e acaba prejudicando a operação e ofendendo direitos das pessoas. Têm ocorrido algumas inconstitucionalidades marcantes que me preocupam, como a prisão preventiva abusiva. No país, não só na Lava Jato, você tem a banalização das prisões cautelares e preventivas. Quarenta por cento dos aprisionados hoje no Brasil estão presos sem terem tido o direito de se defender. É como disse o ministro Marco Aurélio: estão prendendo primeiro para se investigar depois. Isso é muito grave. O que me preocupa na ação de toda a máquina judiciária no Brasil é a ofensa a certos direitos humanos fundamentais, como a presunção de inocência, a regra de que o sujeito só deve ser preso depois de decisão transitada em julgado.

A Lava Jato não pode acabar como a Satiagraha, por exemplo, invalidada por problemas de investigação?

Creio que ela corre esse risco, sim, por causa desse tipo de abuso que tem sido cometido e várias inconstitucionalidades e ilegalidades. Corre-se o risco de termos provas e apurações anuladas. Ou uma coisa que é pior: a utilização da mídia para coagir o Judiciário a esquecer os direitos fundamentais da Constituição.

Mas isso já não está acontecendo?

Creio que em certa medida. Mas ainda não está caracterizado isso. Ainda esta semana (terça, 10) saiu decisão da turma do Supremo mantendo o Habeas Corpus do (ex-diretor de Serviços da Petrobras) Renato Duque. Mas eu vejo esse perigo, de no futuro haver dois caminhos ruins: ou ter a operação anulada, por conta das ilegalidades que estão sendo praticadas, ou ter o Judiciário subjugado pela mídia e passando por cima dos direitos fundamentais e direitos humanos da Constituição, uma conduta até pior. É melhor anular a operação para defender direitos fundamentais do que atos abusivos ilegais serem tidos como lícitos para satisfazer a mídia. Não se deve nunca passar por cima dos direitos fundamentais das pessoas.

Como o senhor vê a tese de impeachment de Dilma Rousseff?

Não se cogita de um impeachment da presidente Dilma, do ponto de vista constitucional. Dilma mal iniciou o mandato dela, não há nenhum indício sequer da participação ou do conhecimento dela da prática de qualquer ato de improbidade na Petrobras. Não tem cabimento jurídico, ao meu ver, se cogitar de pedi-lo.

O professor Ives Gandra é um dos juristas que eu mais admiro no campo do direito tributário brasileiro, mas tenho que divergir densamente do parecer dele. Acho que é um parecer que não tem a consistência habitual dos pontos de vistas jurídicos do professor Ives.

Ele não aponta fatos...

Ele cogita o impedimento por culpas civis genéricas, como escolha de gestores. Por exemplo, você escolhe um administrador de empresa estatal, se ele se corromper você é culpado. Logo, pode ser impedido pelo Legislativo. Isso não tem sentido.

Como diferenciar da tese do domínio do fato?
Seria a culpa. Domínio do fato é um outro conceito, que não cabe cogitar aqui agora. Mas (a tese da culpa) existe no campo do Direito Civil para resolver questões de indenização. Esse tipo de culpa não pode implicar na aplicação de sanções severas no campo penal ou no campo do crime político, como está sendo estabelecido.

No crime político tem de haver o dolo, ou no mínimo o que se chama de culpa comissiva, se provar que a presidente sabia que estava se praticando ato de corrupção e ela coonestou com isso não tomando medida nenhuma. Seria um crime, portanto, de prevaricação. Nada disso está comprovado. Agora, querer usar da culpa civil comum, trazer matérias e conceitos próprios do direito civil para o âmbito penal, do qual o crime político se aproxima, vamos dizer assim, acho totalmente contrário à Constituição. O julgamento do impeachment é político não porque ele seja feito fora do direito, do processo legal, dos direitos fundamentais, mas porque ele é feito pelo órgão político da estrutura do Estado, que é o Legislativo.

A palavra “político” não pode ser usada como excludente do jurídico, mas como um tipo de julgamento que se dá dentro do Direito, submisso à Constituição, ao processo legal, inclusive submisso às questões de culpabilidade impostas pela Constituição. Ela é clara no artigo 85. “São crimes de responsabilidade os atos do presidente”. Pode se aplicar o impedimento por “atos”, diz a Constituição. A legislação que regula o impeachment em nenhum momento fala da modalidade culposa. Então realmente não há a meu ver fundamento constitucional, legal ou jurídico. Até porque seria algo estranho à estabilidade mínima que a democracia tem que ter. Imagine quantos dirigentes de estatais o presidente nomeia. O que ele pode fazer é adotar medidas de cautela, e isso foram adotadas. A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) provavelmente investigou todos os nomeados antes e verificou se tinham uma prática anterior de corrupção. Creio que não. O presidente não pode ser responsabilizado pelo que o seu nomeado fizer posteriormente.

O curioso é que o parecer de Ives Gandra foi pedido por José de Oliveira Costa, que é advogado de Fernando Henrique Cardoso...

Não quero e não vou afirmar que o professor Ives deu esse ponto de vista por conta de um elemento ideológico, que teria influenciado sua conclusão jurídica. Ele não é homem de fazer isso. Tenho uma divergência técnico-jurídica com ele. Acho que ele se equivocou no plano técnico-jurídico. Para mim cometeu um equívoco grave nesse plano. Não sou só eu quem acha isso. Uma boa parte da comunidade jurídica tem se manifestado nesse sentido. A culpa civil comum não pode gerar impedimento do presidente da República.

Para quem lê as manchetes e comparações, como diferenciar o caso Collor da tentativa contra Dilma?
A Fernando Collor foram pagas despesas dele, que recebeu um carro, a Elba, a reforma da Casa da Dinda, de esquema de corrupção, ou seja, foi beneficiário do esquema de corrupção e isso foi demonstrado claramente. Ele obteve benefícios na pessoa física de dinheiro produto de corrupção. Quanto a Dilma, não chega nem perto disso, não se cogita. A investigação da PF demonstra que a presidente não teve participação nenhuma nisso. São situações jurídicas absolutamente diversas. Tinha indício sólido de que o presidente Collor sabia do esquema e, mais do que isso, sustentava esse esquema porque dele recebia benefício.
 
 
 
Rede Brasil Atual

Nenhum comentário:

Postar um comentário