segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A história se repetiu, como farsa



24 agosto 2015                                           Miguel do Rosário



Eis que, de repente, o crash mundial das bolsas faz a crise política brasileira ficar em segundo plano.

A coluna de Ricardo Melo, na Folha, soterra os três patéticos (Aécio, Gilmar e Cunha) sob sete palmos de argumentos furiosamente racionais.

A opinião de Melo, progressista solitário na grande imprensa, converge para o mesmo lugar para onde se dirigem todas as vozes do bom senso nacional, enfim unidas num só grito ao mesmo cansado e impaciente: não vai ter golpe!

Bom senso que passou a reunir sindicalistas, industriais, movimentos sociais, militares e banqueiros.

Claro que este é o único ponto em comum entre setores que, em todo o resto, defendem bandeiras opostas.

Mas ao menos o Brasil parece ter encontrado algo a que se agarrar em meio às turbulências. Um ponto de apoio, a partir do qual será possível superar, finalmente, a crise política e garantir um mínimo de estabilidade até o fim deste segundo mandato de Dilma Rousseff.

O ponto de apoio é o "não vai ter golpe".

Até mesmo a "black monday", a queda acentuada de quase todas as bolsas do mundo, nesta segunda-feira, pode ajudar o Brasil a dar um ponto final no famigerado terceiro turno.

Os prognósticos para a economia brasileira são cada vez piores, e tudo isso num momento em que a Lava Jato, em seu afã para "higienizar" o Brasil, continua promovendo destruição em massa de empregos no setor da construção civil, na área de energia e por aí vai.

O anúncio de que a Lava Jato "recuperaria" perto de 1 bilhão de reais soa como piada de mau gosto, uma tática de propaganda para pintar o diabo com tintas de bom moço, visto que a mesma Lava Jato, ao deixar várias grandes empresas à beira da falência e atrasar o cronograma de obras estratégicas, já causou prejuízos incalculáveis ao país. A Odebrecht pode perder obras no mundo inteiro. O Brasil pode jogar fora o esforço de décadas de penetração gradual em países africanos.

O procurador da Lava Jato iniciou, por sua vez, uma cuidadosa operação midiática para defender a operação. Já esteve em inúmeros programas de TV e deu entrevistas a diversos jornais. Eles preparam mais uma bateria de ataques, mas para isso precisavam recuperar a imagem da operação, um pouco chamuscada pelos arbítrios de sempre, em especial a prisão do almirante Othon Pinheiro.

A Lava Jato ainda tem cartuchos importantes para queimar, a partir das delações premiadas de Nestor Cerveró, Renato Baiano e Marcelo Odebrecht.

As ações da Petrobrás voltaram a cair, só que dessa vez será ridículo culpar a corrupção. Até porque elas caíram bem menos do que outras companhias.

Em NY, as ações da Petrobrás estão registrando perdas de 2% até agora. Aqui no Brasil, a Petrobrás apresenta queda de 4%, até o momento. Na Bolsa de Londres, que fecha mais cedo, a Shell caiu hoje mais de 6%.

Vivemos tempos estranhos, em que temos a sensação de que todo mundo está errado, à esquerda e à direita.

Banqueiros, empreiteiros, PSDB, PT, PSOL, governo, Judiciário, congresso, ministério público, oposição, mídia, mercado financeiro, China, oriente médio, parece que estamos rodeados de malucos, covardes, irresponsáveis, golpistas, corruptos, incompetentes, imperialistas, fundamentalistas.

O indivíduo se sente desamparado diante de um mundo às avessas!

O noticiário diz que o Estado Islâmico começou a espalhar Aids na Síria, deliberadamente. Isso após uma fatwa incentivando a mutilação genital de milhões de mulheres em áreas muçulmanas.

O pior é que não sabemos mais o que é verdade, o que é mentira, visto que existe uma guerra de informação sofisticada, que já vimos funcionar antes, para justificar a guerra ao Iraque, à Líbia, a própria Síria.

Esse ultra fundamentalismo islâmico surgido nos último anos, ironicamente (se for possível ironia diante de fatos dessa natureza), foi criado justamente a partir de guerras baseadas em falsos motivos.

Até as belas manifestações da Primavera Árabe nos parecem agora tristemente equivocadas. Milhões de pessoas se reuniram na principal praça do Cairo para derrubar presidentes, e o resultado foi a ascensão de uma ditadura ainda pior que a anterior.

O Syriza, a nova esquerda grega que trouxe tanta esperança ao mundo, parece ter esgotado suas forças em poucos meses de governo.

O jornal O Dia publicou hoje reportagem sobre encontro ocorrido no Clube Militar do Rio de Janeiro, que merece menção, por duas razões. Primeiro, pela postura garantista democrática dos oficiais, negando peremptoriamente qualquer intenção do exército de promover uma intervenção militar para derrubar o governo. Entre os que falaram no evento, são todos contra o governo, contra o PT, contra Dilma, mas isso não é novidade em tal lugar. O destaque é esse garantismo democrático. Outro destaque é menos positivo: a postura golpista, psicótica e até mesmo assassina das pessoas que compareceram ao encontro. O atento repórter Leandro Resende captou frases assustadoras, como a de um civil que, após abraçar o general Heleno, sussurrou-lhe ao ouvido que “todos deveriam ter sido fuzilados em 1964”.

A reportagem prova que o cartazete de uma senhora paulista, na manifestação do dia 16 de agosto, falando coisa parecida, não retrata uma opinião isolada. De fato, nos últimos tempos, houve um assustador avanço fascista no Brasil.

Hoje é o dia mais fatal de agosto, 24, aniversário de 61 anos do suicídio de Getúlio Vargas, após uma agressiva campanha midiática, acompanhada de movimentações golpistas muito parecidas com a que vemos hoje.

No lugar da República do Galeão, a República do Paraná.

No lugar de Carlos Lacerda, a TV Globo.

Nossa Getúlio de saias, contudo, resistiu.

Ferida, mas viva.

Manca, mas ainda podendo se mover.

A história confirmou Marx e se repetiu. 1954 foi uma tragédia. 2015, uma farsa.


O Cafezinho

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