segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Por um Conselho Nacional da Polícia Federal

ENVIADO POR ION DE ANDRADE     DOM, 14/06/2015 - 09:26

Por Ion de Andrade


A Polícia Federal é uma instituição de importância maior num país continental como o Brasil atravessado por inúmeros desafios ainda civilizatórios. Basta nos lembrarmos de que em situações como as dos conflitos ancestrais e complexos, envolvendo populações indígenas e outros brasileiros, às vezes também pobres; é a velha PF quem pode atuar para reestabelecer a paz e a segurança. O mesmo ocorre quando populações rurais de zonas fronteiriças são ameaçadas pelo narcotráfico.

A PF é também a nossa melhor polícia nacional. Reúne um profissionalismo e uma qualidade técnica sem paralelo no país, o que inclui condições de aprisionamento normalmente muito mais dignas dos que são a regra no Brasil. O seu trabalho autônomo, assegurado nos últimos governos, deu-lhe também alcance e capilaridade nunca experimentados no passado, conquista que deve ser preservada.

Apesar disto, ideologicamente a Polícia Federal parece estar sujeita a uma realidade que não existe mais influenciada pela lógica da guerra fria e da geopolítica da época da ditadura, quando então cumpriu o papel de força a serviço do ordenamento autoritário. Isto significa que a instituição não galgou ainda ou de forma plena a maturidade republicana e se comporta de forma anacrônica, repetindo padrões que já não têm consonância com a contemporaneidade. Esta imagem pode decorrer apenas da ação isolada de alguns delegados sobre os quais a mídia lança os holofotes, maculando a imagem da instituição como um todo. Seja como for, a PF parece estar situada hoje, no plano da compreensão dos contextos políticos e geopolíticos, num degrau abaixo do que ocupam hoje as Forças Armadas, que estão focadas, não na políitica partidária, mas nas suas tarefas constitucionais.

O risco desse anacronismo é: em lugar de estar a serviço de ideais pró-ocidentais ou anti-comunistas, típicos da guerra fria e que podem, apesar de parciais e não republicanos, até ter sido vividos com autenticidade e sentido de grandeza por alguns, o de fazer da Polícia Federal apenas uma polícia de espírito pequeno e PSDBista.

Trata-se de uma constatação sociológica e não acusatória, pois continuo apostando de que essa instituição, irá, cedo ou tarde, superar esses anacronismos ideológicos e adentrar por uma etapa menos parcial e mais republicana.

Mas o problema existe, é real e compõe a rede de resistências institucionais e ético-morais que nos prendem ao atraso e ao subdesenvolvimento.

A cidadania, que se exprime pela blogosfera, com justa razão, vem questionando diversas atuações da PF que beneficiam as forças conservadoras, o que definitivamente não é o seu papel institucional. A PF paga com a sua imagem institucional a ação de delegados individuais e a sociedade não consegue enxergar se a instituição é ou não solidária com eles.

Pergunta-se por exemplo porque é que um helicóptero com meia tonelada de cocaína que tem dono conhecido, piloto preso em flagrante, (e depois solto) cocaína apreendida, etc não resultou em nada ? O que concluiu o inquérito policial?

Pergunta-se como é que um delegado da Polícia Federal pode abrir inquérito para investigar o Instituto Lula sem fazer o mesmo com o Instituto congênere ligado a FHC?

Pergunta-se porque o tesoureiro do PT foi preso de maneira humilhante e vexatória, quando tem endereço fixo e sempre se dispôs a colaborar?

Porque as investigações podem ser sigilosas para uns e escancaradas e humilhantes para outros? Não poderia haver um padrão digno para todos? Isto não seria melhor para a nação?

A Polícia Federal não pode ser vista como uma polícia a serviço do PSDB. E ninguém precisa ser petista para concordar com isto, basta ser republicano e querer um país com instituições compatíveis com a modernidade, com o desenvolvimento político e com a democracia. A parte boa do PSDB há até de concordar comigo, assim como, provavelmente, a maioria da própria Polícia Federal. Não é admissível que um delegado claramente ligado ao PSDB possa abrir um inquérito para investigar o presidente Lula com bases que deveriam levá-lo igualmente a abrir outro contra FHC. O conflito de interesses é claro e torna anti-ético o inquérito. Se na produção científica o conflito de interesses é coibido, o que esperar de uma instituição que lida com os direitos e a honra dos cidadãos?

Isto tampouco significa que os crimes praticados por quem quer que seja deixem de ser investigados, mas a predileção pela investigação da esquerda e do PT não tem mais eco no mundo atual, é apenas um automatismo que nos prende ao subdesenvolvimento institucional,ao passado e ao ...PSDB, seu principal beneficiário. O contrário, ou seja, o que marcou as polícias políticas do Socialismo Real que investigavam em predileção os “inimigos do regime” seria igualmente nefasto. A questão, portanto, não é de beneficiar ou prejudicar o PSDB ou o PT, mas a de construir uma polícia que possa estar para além disto.

A questão que temos que responder é: como podemos, de boa fé, ajudar a instituição a alcançar a contemporaneidade ideológica, que exige o respeito a princípios republicanos, e como ajudá-la a avançar na conclusão de um desenho institucional que consolide a grandeza de uma Polícia efetivamente Nacional, madura e politicamente isenta?`

A impressão que tenho é (feita a abstração dessa condição a ser superada de “polícia política”) que a instituição é séria, converge para isto, está preparada para esse salto e quero crer que muitos são os que apoiam internamente esses valores.

Todos os órgãos ligados à justiça ou ás áreas do Poder Executivo que fazem interface com o Judiciário e são autônomos têm Conselhos Nacionais que funcionam como corregedorias públicas. A existência do Conselho Nacional da Polícia Federal é, portanto, um contraponto necessário à consolidação e legitimidade plena de uma autonomia que não pode recuar, por tratar-se de um ganho institucional civilizatório. Essa autonomia não pode, entretanto, ser a justificativa para que cada delegado faça o que bem quer e entende e possa agir propositadamente para prejudicar por estar ligado a tal ou qual partido, religião ou o que seja. A autonomia vai, portanto de par com o controle social.

A ideia de criação do Conselho não é nova e já há propostas tramitando no Congresso Nacional de criação desse órgão. Pessoalmente antevejo um Conselho Nacional da Polícia Federal formado por órgãos como o STF, o CNJ, o CNMP, a OAB, o Ministério da Justiça, a FENADEPOL ou a ADPF, dentre outros que possam ter legitimidade para o assento.

Esse Conselho estaria encarregado de obter, quando provocado, respostas às justas questões citadas acima e a muitas outras e identificaria responsáveis individuais, isentando a imagem da instituição.

Porém seria maior que isto.

Ele é o órgão que deve colaborar com a própria Policia Federal para que, sob ideais republicanos, possa situar-se, para além dos partidos políticos, a serviço da Nação.

O que é preciso? O desejo honesto de que o nosso país possa transitar para níveis crescentes de civilidade.

Estamos desafiados a construir um país onde todos caibam e de que nos orgulhemos e a Polícia Federal tem que ser parte disto.


Jornal GGN

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