sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Mino Carta: a demolição do Estado de Direito


Por Fernando Brito  -  27/11/2015





Todos os dias, ao assumir posições políticas, os homens e mulheres honestos se perguntam se não deliram ou, pior, sucumbem o pensamento às paixões partidárias (no sentido amplo, porque isso ocorre mesmo, e talvez mais, aos que não tenham militância partidária).

A honestidade não significa apenas viver com austeridade e sobreviver com ética. É também, uma atitude mental de não aspirar ser, sempre, o dono não apenas de bens materiais mas da verdade, este bem intangível mas essencial à vida digna.

Enxergar as coisas além da casca superficial que todos os dias nos servem, escrever na contra-mão do moralismo falso, submeter-se aos xingamentos bárbaros de quem nos chama de “chapa-branca” remunerados (resta saber em quê) ou dos fanáticos que não querem que vejamos nossos próprios erros, tudo isso é difícil, às vezes difícil demais para ser resolvido nos poucos minutos ou horas em que somos chamados, nesta velocidade cibernética, a tomar posições e emitir os conceitos mais graves.

Peço, por isso, desculpas aos leitores por essa lenga-lenga, para dizer que a manhã trouxe-me tranquilidade, por ter escrito, com insignificante menor talento, na mesma linha de pensamento democrático que traça hoje, na CartaCapital, um dos poucos ícones sobreviventes da imprensa, Mino Carta.

A liberdade tem seus instintos, além de seus pensamentos. Talvez sejam eles que, afinal, a façam sobreviver à infinda ameaça dos que a querem assassinar. E que alinhem sem uma ordem ou comando, aqueles que a amam e defendem.


Mino Carta, em CartaCapital

Faz duas semanas, em carta publicada na seção competente, um leitor elogiou CartaCapital ao defini-la como revista de esquerda. Que significa ser de esquerda? Bom ou mau? As opiniões, como se sabe, divergem, e em um país maniqueísta como o Brasil divergem absolutamente, embora o significado exato da palavra tenha perdido a clareza de antanho.

Há mesmo quem diga que o tempo das ideologias acabou de vez como se fosse possível admitir a inexistência de ideias capazes de mover as ações humanas. De todo modo, em terra nativa, basta pouco para ser classificado de esquerda, ou mesmo comunista. Vários requisitos exigem-se para chegar a tanto, mas dois são determinantes.

Primeiro, denunciar com todas as letras a insuportável desigualdade reinante no País, recordista em má distribuição de renda. Segundo requisito. Não se acovardar diante da prepotência oligárquica, tão desbragadamente exercida por meio da mídia nativa, paladina de uma liberdade de imprensa que não passa de liberdade de propalar impunemente o que interessa aos patrões, moradores cativos da casa-grande e, portanto, de inventar, omitir e mentir. Esta é também uma forma de corrupção.

No enredo político em pleno desenvolvimento no cenário nacional, o papel da covardia é capital, é a partícula primeva que explode no big-bang. Espero ser entendido ao acentuar que a encenação é digna de um colossal hollywoodiano, e talvez fosse oportuno entregar a direção a Cecil B. DeMille. Cinéfilos vetustos como o acima assinado sabem o que estou a dizer. Vamos, porém, ao ponto, sem exagerar em esperanças quanto a essa compreensão.

A par da credulidade de muitos leitores, ouvintes e telespectadores e da benfazeja indiferença da senzala, preocupada com temas práticos e cotidianos, sobra, com extraordinário vigor, a covardia de quem haveria de resistir. A começar pelo Supremo Tribunal Federal. Lembrei-me do meu professor de Direito Penal na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em uma das cúspides do chamado Triângulo de uma São Paulo adoravelmente provinciana. Noé Azevedo, cavalheiro de cabelos brancos, supunha-o parecido com Caronte, o barqueiro do Styx na versão dantesca, “branco por antigo pelo”. Ensinava a supremacia do Direito Natural: os fatos merecedores de julgamento, hão de sê-lo no mesmo local em que se dão.

Aí está o pecado original, imperdoável, da Lava Jato. Escudado pela polícia curitibana,Sergio Moro manda às favas o Direito Natural. Os ministros do STF não foram alunos do professor Noé, está claro, e talvez nem saibam dele. Poderiam, contudo, ter consciência das suas responsabilidades. No entanto, diante do desmando e de muito outros cometidos na república jurídico-policial de Curitiba, se acovardam.

Divididos nos sentimentos e nos humores, os senhores ministros de uma justiça desvendada, curvam-se aos pés da arrogância midiática. Apavoram-se com a reação, impressa, radiofônica e televisada, a qualquer tentativa de recolocar a situação nos trilhos da lei, sem deixar de apreciar referências gaudiosas às suas pessoas, uma foto aqui, uma nota favorável , ou mesmo uma entrevista, acolá. A citação empolga e compensa o medo.

O mesmo gênero de temor atinge o próprio governo, acuado e até hoje incapaz de inaugurar o segundo mandato de Dilma Rousseff, tão bem representado na sua inércia aturdida por um ministro da Justiça inexoravelmente inepto. Aceita-se a afirmação da prioridade do combate à corrupção, enquanto demole-se o Estado de Direito.

E as bancadas petistas do Congresso e os parlamentares da dita base aliada? Acovardados, alguns à sombra da espada de Dâmocles, outros por que simplesmente tementes à mídia em lugar de Deus, possivelmente alheado como de hábito das misérias humanas. Se algum dia o Brasil foi um Estado de Direito a despeito da presença inesgotável da casa-grande e da senzala, deixa de sê-lo agora debaixo dos golpes das manchetes.

Observa um velho amigo ao me visitar no meio da tarde melancólica: tínhamos um salvador da pátria, chamava-se Joaquim Barbosa, de um tempo para cá tomou-lhe o lugar Sergio Moro. Nada mais simbólico do que a homenagem que lhe fez a Aner, contada nesta edição por Nirlando Beirão na página 30. O herói de camisa preta, adequada a mostrar antes a vaidade do que a identificação ideológica, conforme o editor de CartaCapital. Permito-me observar que o preto também é próprio do coveiro.



TIJOLAÇO

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