quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Além de partes interessadas, quem assinou o manifesto contra a Lava Jato?

QUA, 20/01/2016 - 18:42


Mais da metade dos juristas e advogados que assinaram a carta aberta não defendem réus da Operação, que, por sua vez, representam uma minoria de 39 nomes do Direito


Jornal GGN - A repercussão do manifesto de mais de 100 advogados contra a Operação Lava Jato, publicada na última sexta-feira (15) em toda a grande imprensa, teve impacto nesta semana com os jornais atrelando os nomes do Direito à parcialidade, por se tratarem das defesas dos próprios réus das investigações. 

A ação endossada pelos veículos teve o apoio da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que publicaram notas oficiais contra a carta aberta dos advogados. Além das entidades, que apresentam histórico de defesa do modus operandi do juiz da 13ª Vara de Curitiba, Sergio Moro, [Ler: bit.ly/1Wny2Kl | bit.ly/1JV686I| bit.ly/1PlVAtD | bit.ly/1RPtkGt] os diários buscaram o posicionamento de outros alinhados com as práticas do grupo de procuradores e delegados da Polícia Federal.

O GGN selecionou quais advogados do manifesto são realmente defesas nos processos e inquéritos da Lava Jato, e quais não são. Foi identificado que mais da metade dos juristas e advogados que assinaram a carta aberta não tem envolvimento com nomes da Operação. De um total de 103 signatários, 39 são os que representam réus do processo, e 64 não defendem investigados no esquema de corrupção da Petrobras. Há, contudo, advogados que já tiveram nomes das empresas investigadas como clientes, em processos anteriores à Lava Jato.

Ao contrário do que divulgaram os jornais e entidades, essa maioria não defende hoje uma parte, mas integra um grupo de nomes do Direito que catalizam um extenso trabalho de denúncia, artigos e posicionamentos sobre as práticas do que consideram atentados contra o direito de defesa nas decisões de Sergio Moro, juiz da Vara Federal de Curitiba.


Nessa segunda parte não revelada pelos meios de comunicação, a maioria são juristas, mestres e doutores com significativos trabalhos acadêmicos, além de nomes de peso como Celso Antônio Bandeira de Mello, Fernando Santana, João Geraldo Piquet Carneiro, Lenio Luiz Streck, Pedro Estevam Serrano, Rafael Valim e Sergio Ferraz.

A lista de advogados e juristas que não defendem envolvidos na Lava Jato, com alguns artigos selecionados dos autores sobre o tema:

1) Alexandre Aroeira Salles
2) André de Luizi Correia
3) André Karam Trindade - Doutor em Direito, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da IMED e advogado. Artigo "Lava jato" é sintoma de que nem as palavras têm mais valor no Direito
4) André Machado Maya
5) Antonio Pedro Melchior
6) Antonio Tovo - Doutor em Direito Penal (USP) e mestre em Ciências Criminais (PUC-RS). ArtigoCruzada contra corrupção não pode prejudicar direito de ampla defesa
7) Ary Bergher
8) Augusto Jobim do Amaral 
9) Aury Lopes Jr. - Doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual Penal da PUC-RS. Artigo Com delação premiada e pena negociada, Direito Penal também é lavado a jato
10) Bartira Macedo de Miranda Santos - Professora de Penal e Processo Penal na Universidade Federal de Goiás. Artigo Sérgio Moro vs Lenio Streck: quem ganhou o debate no IBCCRIM?
11) Bruno Aurélio - Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura
12) Celso Antônio Bandeira de Mello - Entrevista Prisões da Lava Jato são usadas para coagir, diz jurista
13) Cezar Roberto Bitencourt - Advogado criminalista, professor do programa de pós-graduação da PUC-RS, doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha, procurador de Justiça aposentado. Artigo Delação premiada na "lava jato" está eivada de inconstitucionalidades
14) Cleber Lopes de Oliveira
15) Daniela Portugal
17) Denis Sampaio
18) Djefferson Amadeus
19) Felipe Martins Pinto - Professor de Direito Processual Penal da UFMG e representante do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG)
20) Fernando da Costa Tourinho Neto - Ex-presidente da Ajufe 
21) Fernando Santana - foi presidente da Comissão de Direitos de Garantia do Direito de Defesa e atual conselheiro federal da OAB - Entrevistas "Aumentar prazo para prescrição permite que Estado continue funcionando mal" e "Processo penal não é política"
22) Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto - professor da USP
23) Francisco Ramalho Ortigão Farias - Especialista em direito penal e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
24) Gabriela Zancaner - Professora de Direito Constitucional da PUC/SP
25) Guilherme Henrique Magaldi Netto
26) Gustavo Alberine Pereira 
27) Gustavo Badaró - Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela USP. Artigos Quem está preso pode delatar? e Porque eu não comemoro a prisão do José Dirceu
28) Ilídio Moura 
29) Jader Marques
30) João Geraldo Piquet Carneiro - Foi ministro da Desburocratização (1983-1985), foi presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, é presidente do Instituto Helio Beltrão.
31) João Porto Silvério Júnior - Doutor em Direito Processual pela PUC/Minas e Università di Roma Tre. Mestre em Direito (Ciências Penais) pela UFG.
32) Kleber Luiz Zanchim - Presidente da Comissão de Estudos de Saneamento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Doutor pela Faculdade de Direito da USP.
33) Lenio Luiz Streck - Jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. ArtigosComo (não) se ensinava processo penal antes da "lava jato" e Embate entre Lenio Streck e Moro aborda resistência sobre delações
34) Leonardo Avelar Guimarães
35) Leonardo Canabrava Turra
36) Leonardo Vilela
37) Letícia Lins e Silva
38) Liliane de Carvalho Gabriel
39) Luiz Carlos Bettiol
40) Luiz Guilherme Arcaro Conci - Professor de Direito Constitucional da PUC-SP. EntrevistaOperação Lava Jato reflete fortalecimento da PF, dizem juristas
41) Marcelo Turbay Freiria
42) Marcos Eberhardt - Advogado, conselheiro da OAB e professor da PUC-RS. Artigo Revelar bilhete de preso para advogado viola sigilo
43) Marcos Paulo Veríssimo - Professor do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, foi conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)
44) Mariana Madera
45) Marina Cerqueira - Professora de Direito Penal da UNIJORGE
46) Maurício Dieter - Professor da Faculdade de Direito da USP
47) Maurício Portugal Ribeiro - Mestre em Direito pela Harvard Law School, autor de vários livros e artigos sobre concessões e PPPs
48) Maurício Zockun - Professor de Direito Administrativo da PUC-SP
49) Miguel Tedesco Wedy - Professor da Unisinos, advogado criminalista, doutor pela Universidade de Coimbra. Artigo Erros e acertos da Lava-Jato
50) Nestor Eduardo Araruna Santiago - Advogado criminalista, doutor em Direito, professor do Curso de Pós-Graduação em Direito da Unifor e professor da Faculdade de Direito da UFC.Artigos Direito Penal, Processo Penal e Constituição e Confronto das Ideias
51) Pedro Estevam Serrano - professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Artigo O juiz acusador e a audiência de custódia e Entrevista Lava Jato cria processo stalinista, diz advogado
52) Pedro Ivo Velloso
53) Pedro Machado de Almeida Castro - Mestre em Direito Processual Penal pela USP. Professor Voluntário de Direito Penal da UnB
54) Rafael Nunes da Silveira
55) Rafael Valim - Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura.Entrevista Lava Jato: impasse no abismo
57) Roberto Garcia
58) Rogerio Maia Garcia - Mestre em Ciências Criminais e especialista em Direito Penal
59) Salah H. Khaled Jr. - Professor de Direito da PUC/RS
60) Sergio Ferraz - Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Em 2006, escreveu relatório da OAB sobre a possibilidade de impeachment contra o ex-presidente Lula
61) Thiago M. Minagé - Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Autor da Obra: Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição. Artigo Princípios óbvios não são aplicados à prisão preventiva
62) Tito Amaral de Andrade
63) Victoria de Sulocki - Professora da PUC-Rio, Presidente da Comissão de Direito Penal
64) Weida Zancaner - Mestre em Direito Administrativo

A seguir, quem são os advogados de réus da Lava Jato que assinaram o manifesto:

1) Alexandre Lopes - Defesa Renato Duque 
2) Alexandre Wunderlich - Cinco réus da empreiteira Odebrecht
3) Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay) - Defende a ex-governadora Roseana Sarney (PMDB-MA), o ex-ministro e senador Edison Lobão (PMDB-MA) e os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Romero Jucá (PMDB-RR) 
4) Antonio Claudio Mariz de Oliveira - Defendeu o vice-presidente da Camargo Correa Eduardo Hermelino Leite.
5) Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo - Defesa vice-presidente da Engevix Gerson de Mello Almada
6) Antonio Vieira - Um dos advogados de Marcelo Odebrecht
7) Augusto de Arruda Botelho - Um dos advogados da Odebrecht
10) Dora Cavalcanti - Defesa da Odebrecht
11) Eduardo Carnelós - Advogado de Rosely Santos, ex-esposa do prefeito cassado de Campinas, Hélio de Oliveira Santos (PDT)
12) Eduardo de Moraes - Defesa de Jorge Zelada
13) Eduardo Sanz - Defesa João Procópio e de Schahin
14) Edward de Carvalho - Um dos advogados da OAS
16) Guilherme San Juan - Defesa de Flávio Lúcio Magalhães, diretor da Andrade Gutierrez, e deRubens Taufic Schahin
17) Guilherme Ziliani Carnelós - Advogado de Rogério Araújo, da Odebrecht
18) Hortênsia M. V. Medina - Advogada de Edison Lobão
19) Jacinto Nelson de Miranda Coutinho - Defende executivos da OAS
20) José Carlos Porciúncula - Um dos advogados de Marcelo Odebrecht
23) Luiz Henrique Merlin - Defesa de João Procópio
24) Luiz Tarcisio T. Ferreira - Advogado da empreiteira UTC
25) Maira Salomi - Integra banca de advocacia do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos,representa Edinho Silva
26) Marco Aurélio Nunes da Silveira - Defendeu Othon Zanoide de Moraes Filho e Ildefonso Colares Filho, da Queiroz Galvão
28) Nélio Machado - Defensor do operador Fernando Soares e de Paulo Roberto Costa
29) Nilson Naves - Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, defesa do senador Valdir Raupp (PMDB-RO)
30) Paulo Emílio Catta Preta - Advogado de Jaqueline Roriz
32) Renato de Moraes - Advogado de Renato Duque
33) Roberta Cristina Ribeiro de Castro Queiroz - Uma das advogadas de Edison Lobão
34) Roberto Podval - Advogado de José Dirceu
35) Roberto Telhada - Advogado da OAS
37) Thiago Tibinka Neuwert - Defesa de João Procópio
38) Tiago Lins e Silva - Sócio de Técio Lins e Silva 
39) Ticiano Figueiredo - Defende o réu Carlos Habib Chater

***



Abaixo, a carta aberta:

No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática. O desrespeito à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e o desrespeito às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira. O que se tem visto nos últimos tempos é uma espécie de inquisição (ou neoinquisição), em que já se sabe, antes mesmo de começarem os processos, qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que se seguem entre a denúncia e a sentença apenas para cumprir ‘indesejáveis’ formalidades.


Nesta última semana, a reportagem de capa de uma das revistas semanais brasileiras não deixa dúvida quanto à gravidade do que aqui se passa. Numa atitude inconstitucional, ignominiosa e tipicamente sensacionalista, fotografias de alguns dos réus (extraídas indevidamente de seus prontuários na Unidade Prisional em que aguardam julgamento) foram estampadas de forma vil e espetaculosa, com o claro intento de promover-lhes o enxovalhamento e instigar a execração pública. Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia de uso irresponsável e inconsequente da mídia, não para informar, como deveria ser, mas para prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem desfavorável dos acusados em prejuízo da presunção da inocência e da imparcialidade que haveria de imperar em seus julgamentos – o que tem marcado, desde o começo das investigações, o comportamento perverso e desvirtuado estabelecido entre os órgãos de persecução e alguns setores da imprensa.

Ainda que parcela significativa da população não se dê conta disso, esta estratégia de massacre midiático passou a fazer parte de um verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados (mesmo antes deles serem julgados) e pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada.

Está é uma prática absurda e que não pode ser tolerada numa sociedade que se pretenda democrática, sendo preciso reagir e denunciar tudo isso, dando vazão ao sentimento de indignação que toma conta de quem tem testemunhado esse conjunto de acontecimentos. A operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte. Uma especiosa Justiça que se orienta pela tônica de que os fins justificam os meios, o que representa um retrocesso histórico de vários séculos, com a supressão de garantias e direitos duramente conquistados, sem os quais o que sobra é um simulacro de processo; enfim, uma tentativa de justiçamento, como não se via nem mesmo na época da ditadura.

Magistrados das altas Cortes do país estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e habeas corpus ou porque decidiram ou votaram (de acordo com seus convencimentos e consciências) pelo restabelecimento da liberdade de acusados no âmbito da Operação Lava Jato, a ponto de se ter suscitado, em desagravo, a manifestação de apoio e solidariedade de entidades associativas de juízes contra esses abusos, preocupadas em garantir a higidez da jurisdição. Isto é gravíssimo e, além de representar uma tentativa de supressão da independência judicial, revela que aos acusados não está sendo assegurado o direito a um justo processo.

É de todo inaceitável, numa Justiça que se pretenda democrática, que a prisão provisória seja indisfarçavelmente utilizada para forçar a celebração de acordos de delação premiada, como, aliás, já defenderam publicamente alguns Procuradores que atuam no caso. Num dia os réus estão encarcerados por força de decisões que afirmam a imprescindibilidade de suas prisões, dado que suas liberdades representariam gravíssimo risco à ordem pública; no dia seguinte, fazem acordo de delação premiada e são postos em liberdade, como se num passe de mágica toda essa imprescindibilidade da prisão desaparecesse. No mínimo, a prática evidencia o quão artificiais e puramente retóricos são os fundamentos utilizados nos decretos de prisão. É grave o atentado à Constituição e ao Estado de Direito e é inadmissível que Poder Judiciário não se oponha a esse artifício.

É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação. Não há processo justo quando o juiz da causa já externa seu convencimento acerca da culpabilidade dos réus em decretos de prisão expedidos antes ainda do início das ações penais. Ademais, a sobreposição de decretos de prisão (para embaraçar o exame de legalidade pelas Cortes Superiores e, consequentemente, para dificultar a soltura dos réus) e mesmo a resistência ou insurgência de um magistrado quanto ao cumprimento de decisões de outras instâncias, igualmente revelam uma atuação judicial arbitrária e absolutista, de todo incompatível com o papel que se espera ver desempenhado por um juiz, na vigência de um Estado de Direito.

Por tudo isso, os advogados, professores, juristas e integrantes da comunidade jurídica que subscrevem esta carta vêm manifestar publicamente indignação e repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias que está contaminando o sistema de justiça do país. Não podemos nos calar diante do que vem acontecendo neste caso. É fundamental que nos insurjamos contra estes abusos. O Estado de Direito está sob ameaça e a atuação do Poder Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial – direito inalienável de todo e qualquer cidadão e base fundamental da democracia. Urge uma postura rigorosa de respeito e observância às leis e à Constituição brasileira.


Jornal GGN

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