sexta-feira, 27 de maio de 2016

O preço do poder que nos governa, por Sérgio Saraiva


QUI, 26/05/2016 - 17:34

A manutenção da mínima igualdade entre os homens sempre custou um rio de sangue.


por Sérgio Saraiva

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Artigo primeiro de nossa Constituição de 1988. Expressa o conceito que dá suporte a organização sociopolítica do ocidente pelo menos desde 1789.

Decorre de outro conceito ainda maior: o de que todo ser humano nasce igual em direitos. Da declaração dos direitos do homem.

E nada expressa mais esse conceito do que o voto. Diante da urna eleitoral todos os homens são iguais.

Não o são desde que nascem, porque não são iguais o homem que nasce em uma maternidade com toda a assistência necessária prestada à sua mãe e o filho de uma mãe que pare em um banheiro público. Não serão iguais ao morrer, um aos quatorze anos baleado pela polícia e outro após os noventa cercado dos cuidados finais; mesmo seus restos mortais terão destinos diferentes. Escusado está exemplificar as diferenças durante a vida desses dois homens.

Exceto diante da urna eleitoral. Ali, cada um valerá um voto e estará igualmente decidindo o futuro de sua nação e o de seu ser cidadão nessa mesma nação.

Não nos iludamos, toda eleição é uma batalha metafórica de vida ou morte dentro da nossa eterna luta de classes.

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Não nos iludamos tratar-se de um axioma. Ou a democracia ser uma condição natural. È antes e sempre uma conquista provisoriamente mantida. Chegar a ela custou a cabeça de reis mais de uma vez, desde o século 17. E muito sangue cidadão.

“Existem apenas dois partidos na França: o povo e seus inimigos. Temos que exterminar esses vilões miseráveis que estão eternamente conspirando contra os direitos do homem… Um rio de sangue que separe a França de seus inimigos” – Robespierre, morto em 1794.

Quantos rios de sangue cortaram o território da democracia, desde então?

No Brasil vivemos essa ilusão e outras. As ilusões do homem cordial, da democracia racial, da convivência harmônica entre a casa grande e a senzala. A ilusão do déspota esclarecido.

A democracia que vivemos Brasil até outubro de 2014 teve custos. Custou muito povo nas ruas e vários cadáveres multilados e sem a devida sepultura. Teve que esperar, no entanto, pela decrepitude de um modelo de força que vigorava na América Latina para então se impor. A democracia, naquele momento, pareceu ser a tal condição natural. Não o era. Vemos hoje.

Vemos hoje ser reescrito artigo 1º da nossa constituição:

“Todo o poder emana do poder, que o exerce por si próprio e nos seus próprios termos”.

Esta sim uma condição natural.

Não nos iludamos, estão aí o poder econômico, o poder de manipulação da informação e o poder de coerção armada a se unir e tomar nos dentes os tais freios e contrapesos dos poderes democráticos constitucionais.

54 milhões de votos cidadãos nada valem. O poder vale por si.

Hoje, após as revelações dos grampos de Romero Jucá não há como negar a conspiração desses poderes para solapar o poder democrático.

O impeachment da presidente democraticamente eleita, uma farsa. Uma conspirata.

As operações da Polícia Federal, do Ministério Público e do tribunal de exceção de Curitiba, tendo o combate à corrupção como mote, visaram colocar sob controle de um grupo os poderes constitucionais Executivo e Legislativo. O Judiciário, último bastião constitucional, acoelhado pelos que dentre os seus conspiradores têm a ousadia dos canalhas.

O golpe consumado, na substituição do poder eleito pelo poder rejeitado nas urnas. Um títere na figura presidencial.

“Todo o poder emana do poder, que o exerce por si próprio e nos seus próprios termos”.

“Corruptos” presos, só os que não interessam ao poder. Corruptos úteis não serão molestados, enquanto se mostrarem úteis. Viverão, no entanto, sob a espada de Dâmocles, para que continuem úteis e utilizáveis.

A riqueza produzida por um povo, o butim dos vencedores. A miséria aos miseráveis. Outra condição natural.

A soberania nacional hipotecada a um poder estrangeiro maior que jamais se pejou de defender seus interesses defendendo tiranos colaboracionistas.

A hipocrisia nas folhas dos jornais e nas telas cotidianas como o novo ópio do povo.

E um povo que crê em ilusões crendo na maior delas, que por alguma condição natural que jamais existiu em parte alguma do mundo ou em qualquer tempo, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Não no iludamos, hoje, no Brasil, “todo o poder emana do poder, que o exerce por si próprio e nos seus próprios termos”.

E assim será enquanto o poder democrático não se confrontar a ele.

E haverá custos.

Que as cabeças rachadas dos nossos estudantes secundarista em luta e de seus professores, não nos permitam ilusões.

A manutenção da mínima igualdade entre os homens sempre custou um rio de sangue.

O preço está posto pelo poder que hoje nos governa.



PS1: as eleições municipais de 2016 serão, mais que um termômetro, uma chave que fechará na razão direta da viabilização do PT. Às favas os pruridos da consciência.

PS2: PS2: “Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons!” – La Marseillaise cantada por Mano Brow já está disponível na Oficina de Concertos Gerais e Poesia.


Jornal GGN

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