domingo, 30 de abril de 2017

Como agir diante dos simulacros políticos?, por Fran Alavina

DOM, 30/04/2017 - 10:30


Foto: Heloísa Ballarini/SECOM-PMSP

Do Outras Palavras


Alarde em torno da candidatura de Dória empresta-lhe suposta seriedade. Para enfrentar este fenômeno, não se pode recorrer aos métodos tradicionais da polêmica política

Por Fran Alavina

Este artigo sobre João Dória como fenômeno político é precedido por outros, nos quais tentamos estabelecer uma teia de compreensão deste inusitado fenômeno político-midiático. Desde o primeiro – “Eleições em tempo de neobarroco: um simulacro em São Paulo” – apontávamos o caráter farsesco do então candidato a prefeito, bem antes que se fantasiasse de gari. Sua primeira fantasia foi estabelecida pela publicidade eleitoral quando o apresentou como trabalhador. Mais recentemente – em “Dória: a política sob a forma do ridículo” – apontávamos a gênese de um governo que se baseia na imagem, ou seja, na política como gestão de imagens, de qualquer tipo: das absurdas às ridículas. Governar torna-se então uma manipulação de visibilidades midiáticas e virtuais.

Agora, porém, esta política dos simulacros chega a um novo patamar. Talvez, este simulacro político tenha alcançado o começo do êxito que quisera desde o princípio. Trata-se das recentes polêmicas sobre a pretensa candidatura de Dória à presidência da República. Que um simulacro tenha ganhado o centro das atenções e dos debates políticos, isto é por si só um mau sinal. Significa que a mentira institucionalizada alcançou o posto que sempre almejou: aquele da seriedade. Quando uma farsa se torna o centro do debate, estamos em um terreno escorregadio, no qual nossas posições podem ser facilmente movidas contra nós.

Ademais, quando uma farsa tem posição central, ela reveste-se do seu contrário: passa a ocupar o lugar do real. Ou seja, seu desmascaramento lhe empresta o índice de veracidade que ela não teria se não ocupasse o centro das discussões, ainda que de modo negativo. Tal ocorre agora: a polêmica em torno da candidatura de Dória empresta-lhe a seriedade que ele não teria se continuasse a operar como um simples simulacro político dos paulistanos. O resultado é que como uma farsa nunca pode ser verdadeira fica-se a discutir, com ar de certeza, apenas imagens de coisas sem um fundo certo de verdade: simulacro de simulacros. O que agora se discute não é uma candidatura já existente, mas uma possível. Isto é, não algo real, mas virtual.

Na torrente política dos simulacros, arraste-se para longe do alcance dos olhos as divisas limites entre o real e o simulado, entre a coisa e sua imagem, entre o feito e o fingindo. Isto demonstra que a estratégia imagética e a gestão da visibilidade adotada por Dória não é algo superficial, como poderia se supor de uma farsa qualquer. Sua profundidade está na própria forma de sensibilidade no presente: que se move por uma abolição da diferença entre o verdadeiro e o falso, o real e o virtual. Por isso, enquanto, por exemplo, inventa-se um caçador de notícias falsas para combater a tal pós-verdade, incentiva-se um tipo de comportamento que prima pela imagem fingida da felicidade, por uma ostentação de uma vida cada vez menos autêntica. Paradoxos de um tempo de sentido histórico que diz querer a verdade, mas se deleita com o fingimento.

Nesse sentido, uma oposição tradicional ao simulacro, daquele tipo que se contenta em apontar e denunciar a não verdade, irá surtir pouco, ou nenhum efeito. Esta oposição tradicional e suas armadilhas exemplificam-se no caso do recente artigo do Professor André Singer: “Candidatura de Dória é uma aventura desesperada”.

Enquanto denunciava a farsa e o absurdo de uma possível candidatura, enfrentava-se o simulacro como se uma realidade fosse. A artilharia concreta de Singer por mirar uma farsa e se mover no campo do inimigo, ou seja, no amplo espaço da mídia hegemônica e sua fábrica de simulacros, deu o ar de seriedade e de realidade para uma eventual candidatura de um simulacro. Realizou, pois, o cumprimento da potência latente de todo simulacro: ocupar o lugar do real e ser tratado como se fosse uma coisa concreta, dotada de veracidade. No momento em que o trouxe à baila, tornou a farsa real.

A resposta de Dória, ainda que provando realmente o que havia sido apontado por Singer, fez deste também um simulacro: o reduziu à imagem de um oponente político menor e fora do poder institucionalizado que brada contra um homem de sucesso. Portanto, reduzindo-o ao jogo opositivo das imagens do despeitado e do exitoso. Possuindo uma imagem de maior alcance que a de Singer, Dória o rebateu com sua arma própria: simulacros, pois, sabe que não se trata mais de operar opondo imagens contra dados reais, mas de imagens contra imagens. Trata-se daquele tipo de disputa em que um dos oponentes ainda que possua a boa estratégia não vence completamente, posto encontra-se no terreno do inimigo, nunca o retirando de seu próprio círculo.

Como agir ante um simulacro, mais particularmente: como agir ante os novos simulacros políticos? Não há uma resposta pronta, pois como dissemos: estamos em terreno escorregadio. Contudo, o primeiro passo será ter claro as dubiedades e as armadilhas de enfrentarmos os novos simulacros políticos valendo-nos das formas tradicionais. Subestimar este novo tipo de simulacro será, além de míope, abrir espaços para novos simulacros, mesmo quando já se combate os já estabelecidos. O caso do apresentador global que deu entrevista no mesmo veículo no qual Dória e Singer se “enfrentaram”, dizendo querer que sua geração “ocupe o lugar político que lhe cabe”, é a prova inconteste do insucesso desta miopia.


Fran Alavina
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da USP. Mestre em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP.



Jornal GGN

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