quinta-feira, 15 de junho de 2017

“Yes, nós temos favelas”. Por Hayle Gadelha



POR FERNANDO BRITO · 15/06/2017




Não era à toa que nada funcionava na prevenção a incêndios no Grenfell Tower, onde morreram cerca de 12 pessoas – uma tragédia que Londres jamais esquecerá, mas que precisa urgente de um mea culpa.

Afinal, por que os extintores de incêndio na sala da caldeira, nas áreas dos elevadores e da sala de eletricidade, no térreo, estavam fora da validade há mais de 12 meses? Por que nada foi feito com relação à única saída de emergência para o prédio, que bloqueava a passagem das pessoas?

Os mortos não podem responder.

Mas os sobreviventes sabem muito bem que viveram – e sobrevivem até hoje – sob o teto do descaso, do preconceito. Sabem que são tratados como apenas um bando de pobres cercados por milionários.

Há dois anos, excelente reportagem de Vivian Oswald, em O Globo, (“Prédios de Londres criam entradas só para pobres“) nos dava pistas das origens desta tragédia.

“Há pelo menos 50 anos a população mais pobre da capital britânica está sendo deslocada para áreas mais afastadas ou isoladas para dar lugar a endinheirados que vão ocupando, depois de um banho de loja, bairros até então simples. “Gentrificação”, termo que descreve justamente este fenômeno, nasceu na Inglaterra em 1964. A “segregação” resiste até mesmo a políticas governamentais ousadas que obrigam a construção de unidades destinadas a famílias de baixa renda em novos empreendimentos.(…)Em um dos grandes conjuntos recém-construídos, praticamente em cima da estação de metrô Aldgate East, a entrada principal é luxuosa e mais se assemelha ao lobby de um hotel. Dois funcionários guardam a recepção. O imenso lustre sobre o balcão é a prova de que não se economizou em materiais nobres. Mas os moradores que ocuparão a cota dos imóveis destinados à baixa renda — em geral 30% do total — usam uma entrada diferente.

Vivian cita relatório divulgado pela Oxfam que mostra que “as cinco famílias britânicas mais ricas têm mais dinheiro do que os 12,6 milhões mais pobres da população. Em uma sociedade de classes muito bem marcadas, os sinais que diferenciam os indivíduos vão do código postal ao sotaque”.

A ideia dessas construções tipo Glenfell Tower era – ao contrário do que sobreviveu – integrar classes sociais diferentes, distantes. Como nos lembra a arquiteta Ana Paula Pacheco, “graças a uma política do Partido Trabalhista, vitorioso no pós-guerra, houve um superinvestimento para combater o déficit habitacional, construindo-se como nunca nas décadas de 50, 60 e até 70s. Na arquitetura é um momento importantíssimo. Havia uma preocupação enorme por parte dos arquitetos em propor soluções de qualidade, geralmente muito alinhadas com as políticas de esquerda”.

Na Londres de hoje, com divisão de classes tão marcante, o idealismo pós-guerra buscando integração entre classes, envolvendo-as em um espaço único e igualitário, não poderia durar para sempre como se vivêssemos imersos em mar de rosas. A arquitetura idealizada para integrar acabou concretizando-se como marcas progressivas das diferenças de classes. E pior: ao contrário de nós, subdesenvolvidos, não contam nem com o samba, para alegrar suas favelas…



Tijolaço

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