sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O entrevero


POR FERNANDO BRITO · 03/08/2018


Dentre as gauchadas com que, volta e meia, Leonel Brizola, se saía para descrever a cena política, havia uma que bem serve para descrever o que se passa, neste momento: “é no entrevero que morre gente”.

Entrevero não é um confronto de guerra “regular”, mas aquele em que tropas se misturam, se confundem, se embaralham.

Pois é assim que estamos, porque a ação da mídia, num crescendo que vem desde 2010, substituiu o enfrentamento entre o que deveriam ser as forças e os choques de um processo político – os partidos políticos e as eleições – por uma “guerra santa”, onde os adversários não são enfrentados por seus programas, ideias ou propostas, mas essencialmente, por algo que é brandido como “questão moral”, pregada em púlpitos televisivos e sujeita ao diktat da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, o poder Judiciário.

E guerras “santas”, muito mais do que outras, costumam descambar para desfechos que fariam tremer a Convenção de Genebra: massacres e aniquilamento dos adversários, em lugar de vitórias que, do militar, passam ao controle político.

Há dois anos, ao menos, está claro que a estratégia das forças que representam a dominação colonial do Brasil é a completa destruição de Lula – sim, o mesmo Lula que trataram como “palatável” nos dois primeiros anos de seu governo e que, a seguir, não tiveram forças para vencer nos marcos da democracia formal, pelo sucesso econômico crescente até 2010.

E Lula, malgrado limitações e defeitos humanos como todos temos, tem se mostrado indestrutível como símbolo das aspirações de nosso povo.

Não é que eu e muitos “queiramos” assim. É que é assim que boa parte do nosso povo sente e quer.

Nós, cujas mentes se formaram dentro da dicotomia “pecado-virtude” não conseguimos, muitas vezes, compreender ou aceitar esta formação da consciência coletiva e sua projeção num líder como um fenômeno de identidade de um povo. Achamos que os líderes devem ser como os antigos “desfiles de misses”, que devem ser olhados como quem neles procura “defeitos” ou as “duas polegadas a mais” da Martha Rocha. (para os que não “queimam óleo 40, como eu”, a Miss Brasil que não virou Miss Universo com esta explicação, claro que inventada).

A realidade, porém, é muito mais importante e mais loquaz que nossos argumentos e senões. Ela salta aos olhos e as visões mais sensíveis a compreendem, em geral com mais dificuldade que o olhar dos mais simples, dos mais pobres, dos que se guiam por um insciente e poderoso instinto de sobrevivência.

Os homens das mil razões e do primado intelectual talvez o desprezem, dele fazendo pouco diante das suas nobilíssimas argumentações.

As minhas não pouco ou nada perto de outras, que dispensam palavras, como faz na sua charge de hoje o Renato Aroeira.

Somos peões – e o próprio Lula é – neste tabuleiro, contra a corte, cerrada numa fileira, a caminho do entrevero.


Tijolaço

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