quinta-feira, 2 de julho de 2020

Cooperação clandestina da Lava Jato com os EUA é um escândalo que ministro de Bolsonaro ajuda a acobertar


Publicado por Joaquim de Carvalho
- 1 de julho de 2020

Dallagnol e Moro


O mais recente capítulo da Vaza Jato confirma a relação promíscua que envolveu os procuradores da Lava Jato e autoridades do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), do qual faz parte o FBI.

Era um fato de que se suspeitava, e levado ao conhecimento do juiz Sergio Moro, quando ele respondia pela 13a. Vara Federal Criminal de Curitiba.

Mas foi tratado tanto por Moro quanto pela 8a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4a. Região como fantasia dos advogados do ex-presidente Lula.

Moro chegou a escrever, em um despacho, que os fatos levados ao seu conhecimento não passavam de “teoria da conspiração”.

Uma mensagem vazada hoje pela Agência Pública, num trabalho conjunto com o The Intercept, indica que não era teoria da conspiração.

A colaboração da Lava Jato com autoridades americanas se deu à margem da lei.

Em uma das mensagens, Deltan Dallagnol foi advertido por um procurador de que, se insistisse na cooperação informal com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, estaria cometendo uma ilegalidade, que poderia levar à nulidade dos processos da Lava Jato.

Dallagnol queria ajuda do então secretário de cooperação internacional da Procuradoria Geral da República, Vladimir Aras, para pedir a extradição de um suspeito brasileiro que se encontrava nos Estados Unidos


A resposta de Dallagnol é um misto de arrogância, certeza da impunidade e deslumbramento.

“Obrigado, Vlad, por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar pela função de autoridade central, rs. E registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer, rs”, escreveu por meio do Telegram.

Dallagnol preferiu recorrer às amizades que tinha no FBI a formalizar o pedido através do governo brasileiro, como prevê o acordo bilateral que tem força de lei no Brasil.

Essa intimidade tinha sido realçada por um autoridade da DOJ em evento público gravado, o que levou o advogado Cristiano Zanin Martins a informar o então juiz Sergio Moro de que se poderia estar diante de ilegalidade.

Disse Kenneth Blanco, an época vice-procurador geral adjunto do Departamento de Justiça Norte-Americano (DOJ):

“No centro da enorme cooperação entre nossos dois países está uma forte relação construída com base na “confiança”. Tal confiança, como alguns dizem aqui “confiança”, permite que promotores e agentes tenham comunicação direta quanto às provas”.

Ele foi além e disse que, juntos, o DOJ e Lava Jato trabalharam juntos para construção de casos no Brasil.

“Trabalhando juntamente com o Brasil e o Departamento, não apenas auxiliou um ao outro na coleta de provas e na construção do caso, mas fez questão de creditar as multas e punições pagas”, detalhou.

Por construção de caso, pode-se entender, por exemplo, a denúncia contra Lula apresentada por Deltan Dallagnol por meio do power poient, em setembro de 2016.

Aliás, o uso de power point nos Estados Unidos já tinha sido usado no caso Washington x Edward Michael Glasmann, e reprovado pela Suprema Corte, por considerar que houve a violação da presunção de inocência do acusado e impedir que ele tivesse direito a um processo justo.

Kenneth Blanco chegou a afirmar que Lava Jato e DOJ construíram uma relação que não dependia mais de “procedimentos oficiais”.

“Tal confiança, como alguns aqui dizem “confiança”, permite que promotores e agentes tenham comunicação direta quanto às provas. Dado o relacionamento íntimo entre o Departamento de Justiça e os promotores brasileiros, não dependemos apenas de procedimentos oficiais como tratados de assistência jurídica mútua, que geralmente levam tempo e recursos consideráveis para serem escritos, traduzidos, transmitidos oficialmente e respondidos”, disse.

O vice-procurador geral adjunto do DOJ citou caso Lula, no contexto em que exalava a colaboração informal entre autoridades norte-americanas e brasileiras. Ele estava, nitidamente, comemorando a condenação do ex-presidente do Brasil.

“De fato, na semana passada os promotores no Brasil ganharam um processo contra o ex-presidente Lula da Silva, que foi acusado de receber propina da empresa de engenharia OAS em troca de ajuda para ganhar contratos com a petrolífera estatal, Petrobras. É um caso que nesse momento colocou o Brasil a frente da luta contra a corrupção, tanto interna como no exterior”, afirmou.

A cooperação feita fora dos “procedimentos oficiais” viola o Decreto nº 3.810/2001, que estabelece normas para a cooperação entre Brasil e Estados Unidos em casos penais.

O artigo IV, por exemplo, é claro:

“A solicitação de assistência deverá ser feita por escrito, a menos que a Autoridade Central do Estado Requerido acate solicitação sob outra forma, em situações de urgência. Nesse caso, se a solicitação não tiver sido feita por escrito, deverá ser a mesma confirmada, por escrito, no prazo de trinta dias, a menos que a Autoridade Central do Estado Requerido concorde que seja feita de outra forma. A solicitação será redigida no idioma do Estado Requerido, caso não haja disposição em contrário.”

Outra autoridade norte-americana, Trevor Mc Fadden, então subsecretário geral de justiça adjunto Interino do DOJ, também elogiou os procuradores e policiais brasileiros por manterem com ele e seus colegas um relacionamento extra-oficial.

“Evidentemente, a assistência formal nos termos de tratados bilaterais ou multilaterais não é nossa única ferramenta”, contou.

Com a colaboração da Lava Jato, o DOJ conseguiria firmar dois acordos milionários que interessavam ao governo dos EUA e representaram uma paulada na maior empresa da construção do Brasil, a Odebrecht, e também na Petrobras

Os interesses das autoridades norte-americanas eram também tratados como prioridade pelo então juiz Moro. Em um caso, aceitou que uma testemunha não respondesse a uma pergunta da defesa de um réu por ter feito acordo de confidencialidade com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

O advogado de um réu perguntou a Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, ex-diretor da empresa Toyo Setal e acusado de pagar propina, se ele tinha firmado acordo de delação no exterior.

Mendonça Neto respondeu:

“Eu não sei se eu posso responder essa pergunta”.

E não respondeu, com endosso de Moro.

Em outra audiência, intimado por iniciativa da defesa de Lula, mais uma vez deixou de responder a perguntas, por acordo de confidencialidade com o DOJ.

Na época, o advogado de Lula fez questão de deixar registrado:

“Eu só faço o registro, Excelência, em que pese compreender e respeitar o trabalho dos colegas que atuam na defesa do depoente, que tendo em vista a posição do juízo inicial, embora a despeito da contradita de tomar o depoimento como testemunha, mais uma vez a defesa entende que não é possível que haja negativa de esclarecimento em relação a certos pontos que a defesa entende por relevante.”

O silêncio do delator autorizado por Moro seria um exemplo da construção de caso citada pelo Kenneth Blanco?

A defesa de Lula pediu a Sergio Moro que determinasse aos procuradores da Lava Jato que informassem sobre encontros, troca de informações, provas e estratégias com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Moro indeferiu o pedido da defesa de Lula e salientou que contatos entre autoridades brasileiras e estrangeiras poderiam ser, em outro momento, formalizados, e foi irônico quanto à pleito dos advogados.

“A fantasia de que a Operação Lavajato ou de que as investigações contra o acusado Luiz Inácio Lula da Silva teriam sido influenciadas ou dirigidas por autoridades estrangeiras talvez possa ser utilizada, com grande irresponsabilidade, em palanques eleitorais, já que infelizmente há quem se iluda com teorias da conspiração”, afirmou.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, com base em um provimento da OAB que regulamenta a investigação defensiva, tem buscado desde março deste ano informações sobre a formalização dessa cooperação.

As portas em que bateu, formalizando pedido de informações, não se abriram, como o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça.

Em março deste ano, DRCI, então chefiado pelo delegada da Polícia Federal Erika Marena — a quem se atribuiu o batismo da operação como Lava Jato —, se negou a responder se foram formalizados ou não pedidos de cooperação com autoridades norte-americanas.

Zanin recorreu, e em abril deste ano a Secretaria Nacional de Justiça, ainda na gestão Moro, também indeferiu.

Outro recurso foi apresentado ao titular do Ministério da Justiça. Como Moro saiu, o cargo hoje é ocupado por André de Mendonça, que negou o pleito, também alegando sigilo.

Indiretamente, portanto, o ministro de Bolsonaro está colaborando para que os porões da Lava Jato não sejam conhecidos.

Só resta à defesa de Lula recorrer ao Judiciário, para ter acesso a documentos que interessam ao ex-presidente.

Ou confirmar que não já documento algum no Ministério da Justiça e que a colaboração mútua entre Lava Jato e DOJ ocorreu na clandestinidade.



Diário do Centro do Mundo   -   DCM

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