É possível afirmar que o atual pânico financeiro só irá se acalmar quando o cisne negro máximo - o Covid-19 – for contido
12 de março de 2020
(Foto: Massimo Pinca/Reuters)
Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
Estaria o planeta sob o feitiço de um par de cisnes negros - um colapso na Wall Street, provocado por uma suposta guerra do petróleo entre a Rússia e a Casa de Saud, somado ao Covid-19 se alastrando fora de qualquer controle - levando a um total "pandemônio em todas as linhas de ativos", nas palavras de Nomura?
Ou, como sugere o analista alemão Peter Spengler, tudo o que o clímax evitado no Estreito de Hormuz deixou de provocar até o momento "poderia agora vir por meio das forças do mercado"?
Comecemos pelo que realmente aconteceu depois de cinco horas de discussões relativamente polidas na última sexta-feira em Viena. O que se transformou em um colapso de fato da OPEP+ foi uma reviravolta no enredo capaz de virar totalmente o jogo.
A OPEC+ inclui a Rússia, o Cazaquistão e o Azerbaijão. Essencialmente, depois de suportar durante anos a política de fixação de preços da OPEP – resultado das implacáveis pressões dos Estados Unidos sobre a Arábia Saudita - ao mesmo tempo em que pacientemente reconstruía suas reservas cambiais, Moscou viu a janela de oportunidade perfeita para atacar, mirando o setor norte-americano de xisto.
As ações de alguns desses produtores norte-americanos despencaram em até 50% na "Segunda-Feira Negra". Eles simplesmente não conseguem sobreviver com o barril de petróleo a 30 dólares - e é para lá que as coisas estão caminhando. Afinal, essas empresas estão encalacradas de dívidas.
Um barril de petróleo a 30 dólares tem que ser visto como um presente precioso e um estímulo para uma economia global tumultuada - principalmente do ponto de vista dos importadores e consumidores de petróleo. Foi isso que a Rússia tornou possível.
E esse estímulo talvez dure algum tempo. O Fundo Nacional de Riqueza da Rússia deixou bem claro que possui reservas suficientes (mais de 150 bilhões de dólares) para cobrir um déficit orçamentário por um período de seis a dez anos - mesmo com o barril a 25 dólares. A Goldman Sachs já previu uma cotação Brent de 20 dólares o barril de petróleo cru.
Como ressaltam os operadores do Golfo Pérsico, o ponto-chave disso que é percebido nos Estados Unidos como uma "guerra do petróleo" entre Moscou e Riad é, em grande parte, a questão dos derivativos. Essencialmente, os bancos não conseguirão remunerar os especuladores que possuem derivativos segurados contra uma queda abrupta no preço do petróleo. Um outro fator de tensão é o pânico que se disseminou entre os operadores quanto à possibilidade de o Covid-19 vir a se espalhar em países visivelmente despreparados para lidar com a epidemia.
Assistam o jogo russo
Moscou deve ter apostado de antemão que as ações russas negociadas em Londres - tais como Gazprom, Rosneft, Novatek e Gazprom Neft – entrariam em colapso. Segundo Leonid Fedun, co-proprietário da Lukoil, a Rússia talvez perca até 150 milhões de dólares por dia a partir de agora. A questão é por quanto tempo essa situação seria aceitável.
Mesmo assim, desde o início, a posição da Rosneft era de que, para a Rússia, o acordo com a OPEP+ "não tinha a menor importância" e apenas abria caminho para o óleo de xisto dos Estados Unidos.
O consenso em meio aos gigantes do setor energético russo era que a atual situação do mercado - "demanda de petróleo maciçamente negativa", "choque de oferta"positivo e nenhum produtor swing – levaria inevitavelmente a um colapso do preço do petróleo. Eles assistiam impotentes enquanto os Estados Unidos começavam a vender petróleo a um preço inferior ao da OPEP.
A jogada de Moscou contra o setor de fraturamento hidráulico dos Estados Unidos foi uma retaliação contra a interferência do governo Trump no Nord Stream 2. A brusca e inevitável desvalorização dos rublos já era prevista.
No entanto, o que ocorreu depois de Viena tem, essencialmente, muito pouco a ver com uma guerra comercial entre a Rússia e a Arábia Saudita. O Ministério da Energia russo mostra-se fleumático: vamos em frente, nada de novo por aqui. Riad, o que é significativo, vem emitindo sinais de que o acordo OPEP+ talvez seja desengavetado em um futuro próximo. Um cenário praticável seria o de que essa espécie de terapia de choque continuará até 2022, e então a Rússia e a OPEP voltarão à mesa de negociações para formular um novo acordo.
Não há números definitivos, mas o mercado de petróleo responde por menos de 10% do PIB russo (16% em 2012). As exportações de petróleo do Irã, em 2019, tiveram uma estonteante queda de 70%, e mesmo assim Teerã foi capaz de se adaptar. Mas o petróleo responde por mais de 50% do PIB da Arábia Saudita. Riad precisa de um preço de barril de no mínimo 85 dólares para fechar suas contas. O orçamento de 2020, com o petróleo cru cotado em 62-63 dólares o barril, ainda tem um déficit de 50 bilhões de dólares.
A Aramco saudita diz que estará oferecendo no mínimo 300.000 barris de petróleo por dia além de sua "capacidade sustentada máxima" a partir de 1º de abril. A empresa afirma que será capaz de produzir estarrecedores 12,3 bilhões de barris por dia.
Os operadores do Golfo Pérsico dizem abertamente que isso é impossível. E é mesmo. Mas a Casa de Saud, em desespero, irá recorrer a suas reservas estratégicas para despejar tanto petróleo cru quanto possível, assim que possível – para manter a guerra de preços a todo vapor. A ironia é que as vítimas da guerra pelo preço mais alto são um setor econômico pertencente a seu protetor, os Estados Unidos.
A Arábia ocupada pelos sauditas é um caos. O Rei Salman está em coma. Cada grão de areia do deserto de Nefud sabe que Mohammad bin Salman, conhecido como MBS, o cupincha de whatsapp de Jared da Arábia Kushner, é o governante de fato há cinco anos, mas o timing desse novo expurgo em Riad não deixa margem a dúvidas. Os Príncipes Mohammed bin Nayef, o sobrinho do rei, e Ahmed bin Abdulaziz, seu irmão mais novo, estão sendo mantidos prisioneiros.
A CIA está enfurecida: Nayef era e continua sendo o principal aliado de Langley. Quando uma invencionice qualquer do governo saudita denunciou os "americanos" como parceiros em um possível golpe contra MBS, era da CIA que eles estavam falando. É apenas uma questão de tempo até que o Deep State dos Estados Unidos, em conjunção com elementos descontentes da Guarda Nacional, venham a pedir a cabeça de MBS - mesmo que ele esteja articulando uma tomada total do poder antes da reunião do G-20 em Riad, em novembro próximo.
O Falcão Negro abatido?
Então, o que acontece a seguir? Em meio a um tsunami de cenários, de Nova York a todos os lugares da Ásia, os mais otimistas dizem que a China está prestes a vencer a "guerra popular" contra o Covid-19 – e os números mais recentes confirmam essa opinião. Nesse caso, a demanda global por petróleo pode crescer em pelo menos 480.000 barris por dia. Bem, é muito mais complicado que isso.
O jogo agora aponta para uma confluência do pânico na Wall Street; da histeria de massa com relação ao Covid-19; de uma miríade de tremores secundários do terremoto causado pelo comércio global de Trump; do circo eleitoral dos Estados Unidos e da total instabilidade política da Europa. Essas crises entrelaçadas apontam para a Tempestade Perfeita. No entanto, o ângulo do mercado é fácil de explicar: esse pode ser o começo do fim da inflação artificial de Wall Street pelo Fed, que desde 2008 bombeia dezenas de trilhões de dólares por meio de estímulos quantitativos e recompras. Pode-se chamar a isso de o desmascaramento do blefe dos banqueiros centrais.
Seria possível afirmar que o atual pânico financeiro só irá se acalmar quando o cisne negro máximo - o Covid-19 – for contido. Para usar o famoso adágio de Hollywood, "Ninguém sabe de nada", qualquer coisa pode acontecer. Em meio a um nevoeiro pesado, e dando um desconto para a dose costumeira de desinformação, um analista da Rabobank, entre outros, propôs quatro cenários plausíveis para o Covid-19. Ele agora acha que a coisa está ficando "feia", e que o quarto cenário - o "impensável"- não é mais tão improvável assim.
Isso implicaria uma crise econômica global de - sim, é isso mesmo - magnitude impensável.
Em grande medida isso dependerá de o quão rapidamente a China - o inescapável elo crucial na cadeia de fornecimento global "bem na hora" - conseguirá voltar a um novo normal, compensando intermináveis semanas de paralisações em série.
Desprezada, discriminada, demonizada 24/7 pelo "líder do sistema", a China resolveu dar uma de Nietzsche – partindo para provar que tudo o que não mata fortalece, em se tratando da "guerra popular" contra o Covid-19. Na frente norte-americana, há parcas esperanças de que o reluzente Falcão "dinheiro de helicóptero" Negro venha a ser definitivamente abatido. O Cisne Negro máximo terá a última palavra.
Brasil 247
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