quinta-feira, 30 de maio de 2019

Luiz Gastão: a blindagem de um ‘homem de bem’, responsável pelas mortes no presídio de Manaus

Quem é Luiz Gastão Bittencourt, proprietário da Umanizzare, especializada em administrar presídios e que conta com a permissão dos órgãos públicos de controle para a repetição de mais uma chacina
Publicado por Luis Nassif, no GGN 29/05/2019 -Destaques da home, Cidadania
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SENAC-DF
Bem relacionado. O ministro Sergio Moro, ao lado de Luiz Gastão, empresário do setor de administração privada de presídios, como os de Manaus


Jornal GGN – No dia 1º de janeiro de 2017, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), de Manaus, registrou uma rebelião com 56 mortes. Neste domingo (26), outra rebelião, com 55 mortes. Em um caso e outro, a administradora do presídio é a Umanizzare, que integra um dos esquemas mais barras pesadas da administração pública, que se especializou em administração de presídios.

Fosse um país sério, não apenas a Umanizzare, mas os órgãos de controle, que permitiram a repetição da chacina, estariam respondendo a tribunais penais.

O dono é Luiz Gastão Bittencourt, presidente da Federação do Comércio do Ceará, interventor no Sesc-Senac do Rio de Janeiro, administrando R$ 1 bilhão por ano, apesar das inúmeras suspeitas que recaem sobre ele.

Nas disputas com o ex-presidente da Fecomércio, Orlando Diniz, Luiz Gastão foi amparado pela Lava Jato Rio, que ordenou a prisão de Diniz, atendendo a uma denúncia da Confederação Nacional do Comércio (CNC) dias antes de ser suspensa a intervenção.

A operação garantiu a continuidade da intervenção.
Vamos conferir quem é Luiz Gastão

Ele faz parte de um grupo influente na CNC, que se montou à sombra de jogadas políticas com privatização de presídios, um grupo de empresas com um modo de operação comum a todas, e que acabou sendo conhecido como “a máfia dos presídios”.

A privatização dos presídios foi uma experiência que teve início nos anos 80, sob os ventos liberalizantes dos períodos Margareth Thatcher e Ronald Reagan. O modelo falhou por várias razões, a principal delas foi a superlotação dos presídios e a má vontade com a ressocialização dos detentos, porque o pagamento dependia da quantidade de presos encarcerados. Em agosto de 2016, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou o abandono da experiência de privatização de presídios.

No caso brasileiro, em vários pontos do país, a privatização dos presídios acabou gerando o aparecimento de grupos polêmicos, estreitamente ligados a financiamento de campanhas de políticos estaduais e a estratégias de sonegação de tributos e de responsabilidades trabalhistas. A jogada consiste em abrir várias empresas, deixar acumular passivos fiscais e trabalhistas e, em determinado momento, deixar a empresa quebrar e transferir os negócios para novos CNPJs.

Alguns desses grupos se uniram, usando a influência política dos respectivos estados e também do sistema Confederação Nacional do Comércio (CNC).

A empresa símbolo desse período de tragédia foi a Umanizzare, responsável pela administração do Compej, em Manaus.

No mesmo período, igualmente em Manaus, o Instituto Antônio Trindade, também sob sua administração, sofreu fuga em massa de presos; e na Unidade de Puraquequara, logo depois foram decapitados quatro detentos do PCC . No total, 184 internos fugiram das três penitenciárias administradas pela Uamnizzare.

A Umanizzare nasceu de duas empresas quebradas, a de Luiz Gastão, e a de Lélio Carneiro, presidente da Fecomércio de Goiás, ambos membros atuantes da CNC.

A empresa de Luiz Gastão era a Auxílio Agenciamento de Recursos e Serviços Ltda. Em 2013 ela foi impedida de entrar em licitações por problemas trabalhistas. A de Lélio Carneiro era a Coral, que foi à falência em 2015, deixando um passivo de mais de R$ 200 milhões.

Em 2011, ambos já estavam planejando a maneira de se livrar dos passivos trabalhistas, comerciais e fiscais. Juntaram-se na Umanizzare, registrada na Junta Comercial de Aparecida de Goiás, justamente a cidade de Lélio.

Luiz Gastão impede que sites que informam sobre participações acionárias revelem suas participações. Sabe-se que ele participa diretamente de sete CNPJs. Seu principal sócio, César Marques de Carvalho, tem pelo menos dez empresas em seu nome.

A Auxílio Agenciamento de Recursos e Serviços Ltda, de Luiz Gastão, entrou em 2011 no presídio Compaj, de Manaus. Em 2013, a empresa foi impedida de participar da licitação por problemas trabalhistas. Foi substituída então pela Umanizzare. O contrato inicial era de 1˚ de junho de 2014 a 1˚ de dezembro de 2016. Depois, foi prorrogado para dezembro de 2017.

Segundo o jornal O Globo, em 2014 Luiz Gastão doou R$ 1,2 milhão para a campanha do governador José Melo (Pros), através da empresa Serval Serviços e Limpeza. A Auxílio entrou com mais R$ 300 mil.

Já o Grupo Coral, de Lélio Carneiro, era um conglomerado de 11 empresas, com sede em Goiás. Em 2011, com dívidas de R$ 76 milhões, o grupo requereu recuperação judicial. Em 2015 teve sua falência decretada, com passivo total de R$ 220 milhões. A massa falida, por outro lado, se manteve com uma dívida estimada em R$ 140 milhões, apenas com os credores privados.

Constituída a Umanizzare, inicialmente o grupo Coral evitou aparecer. Os indícios da associação entre ambos surgiram de duas pistas. Uma, da nomeação de Lélio Vieira Carneiro Filho como representante da Umanizzare em uma das chapas que, em dezembro de 2014, disputou a presidência do Sinesps (Sindicato Nacional das Empresas Especializadas em Prestação de Serviços em Presídios e Unidades Socioeducativas).

O Popular, de Goiás, localizou entre os diretores da Umanizzare, a diretora geral Marilene Araújo, que ocupava o mesmo cargo no Grupo Coral; o gerente regional Divino Tonny Rezende e o gerente nacional de operações Rodrigo Groffrey.

Foi uma ascensão fulminante, regada por doações fartas para campanhas eleitorais de políticos da região, de Goiás, Tocantins e Amazonas. Em menos de seis anos, a Umanizzare conseguiu a concessão de oito presídios no Amazonas e no Tocantins.

Consumada a tragédia de 2017, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) ordenou uma inspeção cujas conclusões foram avassaladoras. Criado para analisar a crise carcerária do Norte do Brasil, o Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF) o relatório analisou cinco episódios:
a rebelião ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim(Compaj), no dia 1º de janeiro;
as mortes na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP);
a rebelião com quatro mortes na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa;a fuga de 14 detentos no carnaval e
o fato de cinco deles terem sido encontrados mortos com sinais de execução;
a revista realizada na segunda-feira (6) no Compaj, onde durante um embate entre os presos e a polícia, 47 presos ficaram feridos e diversas armas foram encontradas.

Segundo o relatório, “objeto de atenção do grupo de trabalho é o modelo de gestão prisional do Estado, que vem sendo questionado pelo Ministério Público de Contas e pelo Ministério Público Federal que tem sido sucessivamente renovado. Isso significa que, em 2015, foram gastos R$199,9 milhões destinados à Umanizzare, em 2016, foram R$ 326,3 milhões para gerir cinco das 12 unidades do sistema prisional do estado, que tem cerca de 10 mil presos. A companhia se tornou a principal recebedora de recursos do estado do Amazonas”.

A conclusão foi que o preso do Amazonas é um dos mais caros do país, custando em média R$ 4,9 mil por mês, contra R$ 2 mil por mês em São Paulo.

A OAB do Amazonas ingressou com uma ação popular contra a Umanizzare, visando impedir a renovação do contrato, apontando uma série de irregularidades:

O preço médio por preso foi fixado em R$ 4.325,62 e reajustado na vigência do contrato para R$ 4.709,78. Esse valor é 96% superior aos R$ 2.400 de custo médio do preso brasileiro, segundo o Ministérios da Justiça. E 24% superior ao parâmetro de R$ 3.800 em prisões federais de segurança máxima.

Em 2015 a Operação Varredura encontrou várias irregularidades, confirmadas no relatório do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura e no relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Constatou-se que a empresa mantinha apenas 153 funcionários no revezamento do presídio, ao invés dos 250 previstos em contrato.

Vencido o contrato em 1º de dezembro de 2016, foi renovado por mais 12 meses, com alteração no valor global.

O contrato com a Umanizzare foi renovado sem licitação logo após a rebelião. O Ministério Público do Amazonas taxou o contrato de “ralo de corrupção”.

O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do Amazonas (Sinspeam) explicou o modo de operação das empresa.

Sempre que a empresa administradora dos presídios se envolve com um problema, como rebelião, fuga ou morte no sistema carcerário, é substituída, mas a substituição, de fato, ocorre só na razão social. Funcionários e os serviços prestados continuam os mesmos. “Depois da Conap, foi criada a Auxílio, depois da Auxílio, veio a RH Multi Serviços, e, agora, a Umanizzare, mas a direção das empresas é sempre a mesma”, afirmou. A segunda empresa citada é Auxílio Agenciamento de Recursos Humanos e Serviços Ltda. e a terceira, a RH Multi Serviços Administrativos Ltda.

A Auxílio e a RH Multi Serviços têm o mesmo endereço, em Fortaleza, à Rua Rodrigues Júnior, 287, no Centro. A Conap tem endereço em Fortaleza, mas em outro bairro: Avenida Antônio Sales, 2830 A, bairro Dionísio Torres. A Umanizzare tem sede no município de Aparecida de Goiânia (GO), à Segunda Avenida, sem número. A empresa ocupa duas salas no Condomínio Empresarial.

O Sinspeam informou que as quatro empresas terceirizadas já foram multadas pala Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, mas a dívida nunca foi paga. “Tem mais de uma dezena de multas, por mortes e chacinas, rebeliões, fugas, entrada de material proibido, e nunca nenhuma dessas multas foi paga”, afirmou.

Em 2013, o Amazonas registrou a maior fuga em massa dos presídios brasileiros, com 176 detentos deixando a cadeia. O Instituto Penal Antônio Trindade, onde ocorreu a fuga, era administrada pela Auxílio Agenciamento de Recursos Humanos e Serviços Ltda.
Outros estados atendidos por Luiz Gastão

A primeira incursão de Luiz Gastão Bittencourt foi em presídios do Ceará, através da empresa Conap (Companhia Nacional de Administração Prisional). Conseguiu cogerir as penitenciárias Regional do Cariri, Industrial Regional de Sobral e o Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira.

Em 2005, o Ministério Público Federal (MPF) e a OAB-CE (Ordem dos Advogados do Brasil seccional do Ceará) denunciaram o alto custo das terceirizações. No ano seguinte, a Justiça do Trabalho determinou a suspensão dos contratos com a Conap. Em 2007, a Justiça Federal proferiu decisão liminar a favor do MPF e da OAB.

Em 2008, finalmente, a administração dos presídios voltou para o setor público. Invocaram-se três argumentos: “Não oferecem o mesmo nível de serviços correcionais, programas e recursos, não apresentam redução significativa de custos e não mantêm o mesmo nível de segurança e proteção.”

Na Fecomercio do Ceará, Luiz Gastão foi acusado de beneficiar a empresa SEB Teixeira ME, de eventos, com pagamentos de R$ 1,6 milhão. Das 149 notas fiscais emitidas pela empresa contra o Sesc-CE, 147 sequer foram registradas no sistema de gestão de material da entidade. Mais: 87% das notas fiscais emitidas pela empresa foram para serviços no Sesc, mostrando a total dependência financeira em relação ao Sesc.

A associação com Lélio Carneiro visava também aproveitar suas ligações com o governador Marconi Perillo. Na campanha de 2014, a Umanizzare doou R$ 3 milhões para a eleição de Marconi Perillo. Eleito, Perillo anunciou a intenção de terceirizar os serviços prisionais. Após a tragédia do Compaj, abandonou o discurso.

No início de 2017, a Polícia Federal notificou o governo de Tocantins para que encerrasse os contratos com a Umanizzare com imediata entrega de armas e munições. A PF constatou que a empresa estava operando ilegalmente, e não poderia fazer a conduções de presos da cela para os banhos de sol, a revista de visitantes e a entrada e saída de pessoas das unidades.

Por seu lado, o MPF de Tocantins instaurou inquérito civil para apurar denúncias de tortura nos presídios inclusive munidos de fotos documentando os crimes.

Segundo O Globo, o grupo da família Bittencourt é alvo de investigações da Polícia
A intervenção no Sesc-Senac

A blindagem de Bittencourt é garantida por bastante publicidade, especialmente depois que assumiu a intervenção no sistema Sesc-Senac do Rio de Janeiro.

Em 2012, uma tropa comandada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio) tomou de assalto o Sistema Sesc do Rio de Janeiro, amparado em decisão judicial.

Antes que a intimação fosse recebida pelo presidente da Fecomércio e do Sesc do Ceará, Orlando Diniz, o interventor Luiz Gastão Bittencourt invadiu o local, ordenou que as catracas fossem abertas e abrissem o caminho para um grupo, sem registro e sem identificação.

Saiu 24 meses depois, quando se encerrou o período de intervenção.

Durante a intervenção, os gastos com prestadores de serviço autônomos saltaram de R$ 3,2 milhões para R$ 7,7 milhões. As compras passaram de R$ 44,8 milhões para R$ 349 milhões. As concorrências sem registro de preço ascenderam a R$ 155,9 milhões e os pregões sem registro de preços a R$ 56,3 milhões.

O número máximo de funcionários contratados saltou de 1.616 para 3.000, gerando um aumento permanente de 23% no custo da folha.

No dia 18 de dezembro de 2017, ao apagar das luzes do Judiciário, a tropa voltou, sob o mesmo comando de Luiz Gastão Bittencourt.

Junto com ele, vieram Maron Emile-Abib, com mais de 50 anos de Sesc, e Bruno Breithaupt, presidente da Fecomercio de Santa Catarina.

Seguiu-se uma luta jurídica renhida, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Quando Bittencourt estava prestes a perder a intervenção, sobreveio a Lava Jato. Atendendo a uma representação da própria CNC, foi decretada a prisão de Orlando Diniz, garantindo a continuidade da intervenção. O apoio da Lava Jato Rio foi essencial para sua manutenção no cargo.

Seguiu-se uma pesada campanha publicitária nas edições online de O Globo. Por coincidência, o principal veículo a levantar as suspeitas sobre Gastão, o G1, deu-lhe uma trégua logo em seguida.

O balanço da intervenção suscitou elogios fartos em vários “especiais publicitários”, pagos obviamente com recursos do sistema Sesc-Senac:

“O presidente licenciado do Sistema Fecomércio-CE e atual vice-presidente Administrativo da CNC, Luiz Gastão Bittencourt da Silva, ao assumir a administração regional do Sesc e Senac do Rio de Janeiro, em 2018, por meio de intervenção amparada por decisão judicial, levou para lá as experiências de sucesso implantadas no Sistema Fecomércio Ceará”.

Mesmo com todas as acusações, Luiz Gastão continuou administrando a intervenção e os presídios, sem receio de represálias.

Afinal, quem tem bons amigos não morre pagão.



Rede Brasil Atual




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