quinta-feira, 17 de novembro de 2022

O Brasil voltou e “pagou geral”

 Fernando Brito




Durante quase 30 minutos do seu discurso na Conferência do Clima, Lula foi a antítese do que a nossa elite acha que dá certo (e nunca deu) em matéria de diplomacia.

O homem que ocupava o microfone era tudo, menos um pedinte.

Não condicionou nossa capacidade de preservar a Amazônia e os outros biomas brasileiros à ajuda internacional mas, ao contrário, assinalou que o mundo que precisa tanto ou mais do que precisamos nós da preservação da floresta, do cerrado, do que nos resta de matas e campos.

“Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida”.

E não pode haver Amazônia protegida se há um Brasil injusto e instável, onde a crise e a pobreza abram caminho para governos selvagens como o que tivemos, que opta pelos lucros dos aventureiros porque não pode alcançar padrões dignos para a vida humana, porque o mundo não limita, senão nos países ricos, a selvageria das relações do capital.

Os povos originários e aqueles que residem na região Amazônica devem ser os protagonistas da sua preservação. Os 28 milhões de brasileiros que moram na Amazônia têm que ser os primeiros parceiros, agentes e beneficiários de um modelo de desenvolvimento local sustentável, não de um modelo que ao destruir a floresta gera pouca e efêmera riqueza para poucos, e prejuízo ambiental para muitos.

Apontou para o que o Brasil tem para oferecer em agricultura e pecuária sem devastação, ao falar das áreas degradadas que, com investimento e tecnologia, podem dar ao país quase o mesmo dos 36 milhões de hectares ocupados hoje pela soja:

Temos 30 milhões de hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

Qual é a dificuldade de investir nesta recuperação, com acordos de compra antecipada da sua produção, como se faz com outras commodities, como o petróleo? Por que ambicionar a compra de nossas terras, quando se pode comprar o que elas produzem sem tirá-las das mãos dos brasileiros?

Estamos abertos à cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania.

Mas Lula não apenas enunciou princípios, apresentou propostas ou, antes, definiu os espaços onde elas podem ser apresentadas, discutidas e aceitas: a cooperação entre os países amazônicos, entre os que detêm o remanescente das florestas tropicais (aqui, a África e a Indonésia), propôs uma “Aliança Mundial pela Segurança Alimentar”, que dê ao combate à fome status igual ao que alcançaram as preocupações ambientais.

“A luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo.”

E, sobretudo, cobrou que o mundo tenha novas formas de decisão, mais equilibradas e eficientes, com mudanças na governança das Nações Unidas para que as decisões da comunidade internacional não sejam letra morta ou mero nhenhenhém.

Em 2009, os países presentes à COP 15 em Copenhague comprometeram-se em mobilizar 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem a mudança climática. Este compromisso não foi e não está sendo cumprido.

Foi, enfim, um discurso que se pode resumir em “o Brasil vai fazer a sua parte, mas também exigir que os países ricos façam a sua”, porque são eles que abafam o planeta com emissões mas acham que somos nós, apenas, os vilões da degradação do clima.


Tiijolaço

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