Publicado por Diario do Centro do Mundo
Atualizado em 14 de agosto de 2023 às 18:14
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Foto: Arthur Soares
Com a ajuda do então ministro da Justiça Anderson Torres e do então delegado-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, o ex-presidente da República bolsonarizou a PRF, tentando transformá-la em sua guarda pretoriana.
Para além dos bloqueios nas rodovias do Nordeste para dificultar o voto dos eleitores de Lula no dia do segundo turno e da anuência com os protestos golpistas que travaram estradas de todo o país, há uma série de episódios mostrando como agentes da corporação trocaram a lei pelo comportamento miliciano.
“Estou assinando a demissão de três policiais rodoviários federais que, em 2022, causaram ilegalmente a morte do Sr. Genivaldo, em Sergipe, quando da execução de fiscalização de trânsito”, postou o ministro da Justiça, Flávio Dino, nesta segunda (14).
“Não queremos que policiais morram em confrontos ou ilegalmente matem pessoas. Estamos trabalhando com Estados, a sociedade civil e as corporações para apoiar os bons procedimentos e afastar aqueles que não cumprem a Lei, melhorando a segurança de todos”, afirmou.
Genivaldo de Jesus Santos, negro, 38 anos, desarmado, que dirigia uma motocicleta velha e vivia com uma doença mental, foi assassinado por policiais rodoviários federais que o trancaram em um porta-malas de uma viatura e acionaram uma bomba de gás para lhe fazer companhia, em Umbaúba (SE), em maio do ano passado. Com essa barbárie, o genocídio negro brasileiro fez um upgrade e chega ao patamar do cinismo despudorado.
Genivaldo foi morto dentro de viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Foto: Reprodução
Em nota oficial, a PRF chegou a afirmar que foram empregados “instrumentos de menor potencial ofensivo” para contê-lo.
Dois dias antes, a PRF, que fez um excelente trabalho em ações de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de seres humanos, havia se envolvido também em uma das maiores chacinas policiais da história do Rio de Janeiro, que deixou 23 mortes na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha. Não foi a primeira ação violenta em que a PRF participou, nem seria a última.
Dino também afirmou que determinou “a revisão da doutrina e dos manuais de procedimentos da Polícia Rodoviária Federal, para aprimorar tais instrumentos, eliminando eventuais falhas e lacunas”.
Após a morte de Genivaldo, a Uneafro Brasil e o Instituto de Referência Negra Peregum apresentaram notícia-crime ao Ministério Público do Paraná pedindo investigação contra professores e diretores da AlfaCon e o seu fundador, o ex-policial militar Evandro Bittencourt. O cursinho tem uma aula em que mostra como transformar uma viatura em uma câmara de gás.
Citando vídeos de aulas da empresa, que oferece cursos preparatórios para concursos públicos para carreiras de agentes de segurança, como policiais rodoviários federais, as organizações do movimento negro acusaram a empresa de incitação ao crime e racismo. Em um deles, um professor da AlfaCon conta aos alunos que pretendem se tornar policiais como produziu uma câmara semelhante à que matou Genivaldo. O vídeo, recuperado pela Ponte Jornalismo, seria de 2016.
“Nesse interim que a gente ficou lavrando procedimento e ele estava na parte de trás da viatura, ele ainda tentou quebrar o vidro com um chute. O que a polícia faz? Abre um pouquinho, pega o spray de pimenta e taca… Foda-se! É bom pra caralho! A pessoa fica mansinha… Daqui a pouco eu só escutei assim “ah eu vou morrer, eu vou morrer”. Ai, eu fiquei com pena, abri de novo e disse ‘torturaaaa’. E fechei de novo”, diz o instrutor.
A empresa, através de nota à coluna na época da denúncia, afirmou que “repudia qualquer tipo de prática discriminatória ou violência, seja física ou psicológica, contra civis”. E que “ciente da relevância do debate atual na sociedade, a empresa reforçará orientações e treinamentos direcionados aos times pedagógico e de recursos humanos”. Também disse que o professor que aparece nesse vídeo não faz mais parte do curso desde 2018.
Policiais não são monstros alterados por radiação para serem insensíveis ao ser humano. Não é da natureza das pessoas que decidem vestir farda (por opção ou falta dela) tornarem-se violentas. Elas aprendem a agir assim. No cotidiano da instituição a que pertencem (e sua natureza mal resolvida), na formação profissional que tiveram, na exploração diária como trabalhadores e na internalização de sua principal missão: manter o status quo.
Vale lembrar que o problema não se resolve apenas com aulas de direitos humanos e sim com uma revisão sobre o papel e os métodos da polícia em nossa sociedade. Setores da polícia estão impregnados com a ideia de que nada acontecerá com eles caso não cumpram as regras. Outra parte sabe que a mesma sociedade está pouco se lixando para eles e suas famílias, pagando salários ridículos e cobrando para que se sacrifiquem em nome do patrimônio alheio. E há aqueles que caíram no conto do vigário da extrema direita.
Há um longo caminho para a desbolsonarização da PRF. Mas os passos foram dados pelo Ministério da Justiça, através da demissão dos envolvidos, e também pela PF e pelo Supremo Tribunal Federal, ao investigarem o papel da instituição no golpismo de Jair.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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