quarta-feira, 2 de junho de 2010
Por que a imundice da mídia não rebaixa o Conclat
Mal havia começado a 2ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), um jovem jornalista tomou as dores da grande mídia e foi se queixar com os organizadores. “Não deixaram a Folha e o Estadão subirem no palco”, chiava. “O acesso está restrito a toda a imprensa. O palco está lotado, não comporta mais gente”, rebateu um sindicalista. As explicações não satisfizeram o reclamante, que voltou à sua ladainha: “Mas é a Folha e é o Estadão!”.
Por André Cintra
O problema foi resolvido da melhor forma. As centrais orientaram suas lideranças a não permanecerem por tanto tempo no palco, e todos os jornalistas presentes puderem circular livremente — incluindo assessores de imprensa das entidades e repórteres da mídia alternativa, como a equipe do próprio Vermelho. Além do quê, será que Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo precisam mesmo de tratamento privilegiado para fazer coberturas tão previsíveis, saturadas e perniciosas do movimento sindical?
Nesta quarta-feira (2), um dia depois da realização da Conclat, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, os jornalões paulistas estamparam manchetes gêmeas. “Centrais gastam R$ 800 mil do imposto sindical para pedir voto contra Serra”, maliciou o Estadão. “Centrais gastam R$ 800 mil em ato para criticar o PSDB”, conspurcou ainda mais a Folha.
Não se trata de má vontade. É manipulação pura e simples. A mais de quatro meses do 1º turno das eleições presidenciais, a grande mídia quer sustentar um despautério: que o movimento sindical teria torrado R$ 800 mil para tão-somente criticar um partido político ou manifestar repúdio a uma pré-candidatura.
Se acaso tais intenções fossem verdadeiras, não seria mais eficaz deixar o protesto para a fase de campanha eleitoral de 2010 — que começa oficialmente em 6 de julho? Se desmascarar o ex-governador José Serra (PSDB-SP) é tudo, por que as centrais, tendo acumulado esses R$ 800 mil, não os usaram numa campanha publicitária mais massiva, que atingisse um público exponencialmente maior do que os 30 mil sindicalistas que foram à Conclat?
O movimento se fortalece
O “x” do problema para a grande mídia — mas também para o empresariado e setores conservadores do meio acadêmico — é que os trabalhadores souberam capitalizar as feições democráticas do governo Lula para acumular forças. Depois da longa treva neoliberal que se abateu sobre os movimentos sociais, estudantil, comunitário e sindical durante o governo FHC, as entidades agora saem com mais firmeza às ruas, proclamam seus direitos, lutam por suas reivindicações históricas e obtêm vitórias.
É no sindicalismo que essa projeção teve mais proeminência — e, por isso, causa arrepio nas elites. Nos últimos anos, a confluência de dois fatores — a imensa sensibilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a unidade das centrais sindicais — resultou numa série de conquistas para os trabalhadores.
São frutos desse processo avanços como o fortalecimento do viés social de ministérios (especialmente do Trabalho) e dos bancos públicos, o incentivo a audiências e conferências nacionais, a política de valorização do salário mínimo e, claro, a legalização das centrais sindicais. Para usar a expressão mais cara a Lula, “nunca antes na história deste país” os trabalhadores tiveram tamanha relevância na hora de um presidente da República tomar decisões transformadoras.
Uma reação sem credibilidade
O Brasil do século 21, enfim, é convidativo às lutas e às conquistas sociais. Cônscias dessa realidade emergente, as elites — que têm a grande mídia como porta-voz — partem para uma campanha de desqualificação cada vez mais óbvia e vã. Convém não dar credibilidade alguma à cobertura das ações sindicais feitas por emissoras de rádio e TV, jornais, revistas e sites noticiosos. Sobram versões fraudulentas para tudo:
– Há mais sindicalistas ocupando cargos em instâncias e órgãos federais? Mero aparelhamento.
– O número de entidades sindicais cresceu nos últimos anos? É porque o sindicalismo virou um negócio dos mais lucrativos.
– As centrais fazem campanha de sindicalização? Querem só para aumentar a verba do imposto sindical.
– As greves no setor público dispararam? Crime — é preciso proibir essa barbaridade.
– O governo federal cede às pressões e concede reajustes reais elevados a setores do funcionalismo e aos aposentados? Irresponsabilidade fiscal ou forma de aliciar as massas.
– Lula compareceu às manifestações do 1º de Maio? Tudo para fazer propaganda antecipada para a presidenciável Dilma Rousseff (PT).
– A Conclat aprova uma “Agenda da Classe Trabalhadora”, com 249 reivindicações, debatidas ao longo de seis meses? É fachada para disfarçar críticas a José Serra.
Tenha dó, grande mídia! No momento em que diversas correntes do movimento conseguem emplacar a segunda edição da Conclat, 29 anos depois da primeira, levando ao Pacaembu 30 mil lideranças sindicais de mais de 4.500 entidades de todo o Brasil e de cinco das seis centrais sindicais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, nada mais esperável do que esta reação mais imoral. A agenda positiva do sindicalismo incomoda, e as vitórias do lado de cá nos embates entre grande mídia e movimento sindical — ou, vá lá, capital e trabalho — cristalizam as evidências de um novo tempo.
A boa notícia é que as reiteradas tentativas de criminalização dos sindicatos e de seus dirigentes passam em branco. Enquanto a grande mídia não se esfalfa de alardear a formação de um suposto “novo sindicalismo” cooptado pelo Estado, a Conclat prova que a unidade do sindicalismo é capaz de ir além das pautas pontuais — como reajuste do salário mínimo ou redução da jornada de trabalho. Pela primeira vez na história, cerca de 90% do movimento sindical se uniu para elaborar uma ampla plataforma comum aos presidenciáveis.
Só tem a perder quem se fiar nas matérias dos jornalões sobre a atuação do movimento sindical nos dias de hoje. No fundo, não importa se os repórteres a serviço da imundice se posicionem dentro ou fora dos palcos. Antes, já estão todos posicionados contra as lutas dos trabalhadores — mas ao lado de Serra e do capital.
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