Publicado por Carlos Fernandes
- 17 de dezembro de 2018
Michel Temer e Jair Bolsonaro (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
O escândalo envolvendo os repasses milionários de assessores da família Bolsonaro no qual presidente eleito, ministros nomeados e parte impoluta da imprensa querem dar ares de banalidade, fora tudo, nos fazem pensar sobre como os fatos no Brasil são tratados a depender dos interesses envolvidos.
Nessa intrigante moralidade seletiva em que parte considerável da população rasteja na curiosa premissa de que no estoico “combate à corrupção” até a própria corrupção é permitida, nos deparamos com as forças que fazem mover os pratos da desequilibrada balança da justiça.
Vejamos o caso da ex-presidente Dilma Rousseff.
Sem uma única mísera acusação de corrupção, cassaram a vontade popular de mais de 54 milhões de votos em função daquilo que vieram a chamar de “crime de responsabilidade”.
Sem uma única evidência de enriquecimento ilícito ou algo que o valha, o calvário que infligiram a uma política honesta esteve, todo o tempo, travestido com o mesmo velho e esgarçado cobertor de santidades que costuma embalar os atos brios de gente como João de Deus e Damares Alves.
Motivados por um sentimento de “Basta!”, milhões tomaram as ruas “cansados de tanta corrupção” por um processo que resultou na ascensão de um sujeito como Michel Temer à presidência.
A lógica mandaria afirmar que ao fim e ao cabo ninguém ignora o que se passou no país a partir daí. Mas como no Brasil toda lógica é sempre turva, cassada Dilma, restabelecida nossa paradoxal normalidade disruptiva.
Numa impressionante disparidade de pesos e medidas, não teve ineditismo criminal do governo Temer que fosse capaz de reavivar a “revolta dos honestos”.
Entre encontros furtivos nos subterrâneos dos palácios do poder e maratonas flagrantes de malas de dinheiro, a vida segue normal para quem pode contar com a meticulosa condescendência dos indignados de ocasião.
Ironia, essa outra forma da tragédia, é o fato de no apagar das luzes de seu “governo”, vir do próprio Temer o reconhecimento da honestidade da mulher que ajudou a martirizar.
Na entrevista que concedeu ao Poder em Foco, eis as suas palavras:
“Eu tenho a impressão de que ela é uma senhora correta, honesta. Eu não tenho essa impressão de que ela seja alguém que chegou ao governo para se apropriar das coisas públicas. Nunca tive essa impressão e confesso que continuo não tendo”.
Revelador mesmo, porém, é o fato de não sentir qualquer sentimento de culpa ou remorso por ter contribuído ativamente na condenação inquisitória de uma inocente.
Temer, tanto quanto a família Bolsonaro, representa fielmente a hipocrisia latente que ora impera no país.
É evidente que muitos outros fatores precisam ser pesados, mas o fato de nessas eleições Aécio Neves ter sido eleito e Dilma não, mostra um pouco do senso de justiça e legalidade a que estamos sendo submetidos.
Bolsonaro ter chegado ao poder é o sintoma maior dessa doença que permite a uma parcela significativa do povo brasileiro se orgulhar de manter preso, sem provas, um homem como Lula.
São desses erros históricos que chegamos ao grave momento em que seremos obrigados a presenciar a passagem da faixa presidencial de um denunciado a outro denunciado.
Tudo, claro, graças ao “combate à corrupção”.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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