SEG, 28/01/2019 - 15:17
ATUALIZADO EM 28/01/2019 - 18:49
No desastre de Brumadinho, o inacreditável presidente da República, Jair Bolsonaro, o que bate continência até para assessor de governo norte-americano, esqueceu totalmente do papel das Forças Armadas brasileiras nos trabalhos. Preferiu tornar-se garoto-propaganda da tecnologia israelense. Aliás, a afoiteza com que seu filho Flávio e o governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, anunciaram a ida a Israel para comprar equipamentos de segurança, mal terminadas as eleições, pode ser um indicativo dessa paixão incontida.
O Brasil tem uma ampla experiência em defesa civil, aprimorada nas inundações de Santa Catarina e de São Paulo, e na tragédia de Teresópolis. E tem tecnologia militar. As Forças Armadas brasileiras estavam disponíveis. Mas ficaram sem função porque Bolsonaro transferiu para o governador mineiro Romeu Zema acionar ou não sua ajuda. E Zema é um completo jejuno como administrador público. Todas as loas foram prestadas às Forças Armadas de Israel.
Aprendi a admirar a tecnologia militar ainda nos anos 80, quando teve início o programa da Marinha de enriquecimento de urânio.
O governo Ernesto Geisel tinha embarcado na conversa do Acordo Nuclear com a Alemanha. Por ele, caberia ao Brasil financiar inteiramente um processo experimental de enriquecimento de urânio, o jett nozzle. O sistema ainda não tinha comprovação de viabilidade comercial e jamais viria a ter.
Quando se percebeu sua inviabilidade, houve uma forte disputa entre diversos setores, pela paternidade do seu sucessor. Os físicos da USP, liderados por José Goldenberg, faziam ataques ferozes ao Acordo Nuclear, através da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). E ofereciam a alternativa da água pesada, adotada pela Argentina. A Aeronáutica defendia o enriquecimento através de um sistema de laser.
Coube à Marinha apresentar a alternativa vitoriosa, o do enriquecimento através das ultra centrífugas.
Na época, regime militar ainda, começou a ser montada uma cadeia de fornecedores de tecnologia militar, desde aços finos até armamentos, períodos em que se sobressaiu a incrível Avibras e as fábricas de blindados.
Durante décadas, contando sempre com recursos orçamentários escassos, a Marinha logrou desenvolver uma tecnologia avançadíssima e penetrou no universo fechado dos fornecedores de urânio enriquecido. Talvez tenha sido o maior feito tecnológico brasileiro.
Mas a tecnologia militar não parou aí.
Ainda no início dos anos 80, o grande Bernardo Kucinsky escreveu uma série de reportagens para o The Guardian, sobre a possível venda de plutônio brasileiro ao Iraque. O Paulo Andreolli, jovem repórter do Estadão, foi atrás das dicas e publicou reportagens sobre o tema, descrevendo aviões saindo de São José dos Campos para o Iraque.
Na época, o Estadão já atravessava uma de suas crises cíclicas e estava com redação bastante depauperada. Pouco antes, havia sido motivo de galhofa geral com o episódio da “porca assassina”. Um ilustre diretor da sucursal de Brasilia estava no gabinete do Ministro da Justiça, Ibrahim Abi Ackel, quando um projétil arrebentou a vidraça. O caso foi tratado como atentado terrorista.
Logo depois, a sessão de necrológio do jornal, editada pelo inesquecível Toninho Boa Morte, publicou uma enorme elegia à morte de um cavalo, do Jockey, enaltecendo seus nobres sentimentos.
Os concorrentes, especialmente a Folha e a Veja, não perdoaram.
Quando saiu a reportagem do plutônio, a reação foi igual: Veja e Folha caíram matando. E o Estadão ficou na defensiva.
Na época, eu era pauteiro e chefe de reportagem da Economia do Jornal da Tarde. Por coincidência, um pouco antes a revista Nova me pediu uma reportagem especial sobre o acordo atômico. Sem Google, escarafunchei o Departamento de Pesquisa do jornal, levantei xerox de umas duzentas reportagens e ganhei um conhecimento razoável – jornalisticamente falando – da terminologia técnica do tema. Eram nítidos os erros técnicos cometidos pelos dois veículos, particularmente do jovem e agressivo repórter da Folha de nome José Nêumane Pinto, nas críticas ao Estadão.
Falei para o Ruizito Mesquita conversar com seu tio, Júlio. Disse-lhe que, com uma reportagem só, mataria as críticas. Me deram uma página de jornal. Antes de sair, o artigo foi revisto pelo próprio Goldenberg. Nas conversas com ele percebi as disputas não explícitas sobre o acordo nucelar, das quais a SBPC era um biombo. O artigo acabou com a controvérsia, explicitando os erros técnicos grosseiros contidos nas críticas ao Estadão.
Rex Nazareth, tecnólogo militar
Dei essa imensa volta para chegar a Rex Nazareth. Das duas centenas de reportagens que li, as únicas substanciosas, mesmo, eram entrevistas com Rex Nazareth, físico da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), dadas a um suplemento da Folha. O restante era um amontoado de críticas genéricas ao Acordo Nuclear, das quais não se extraía uma informação técnica relevante.
Em 2003, me deu curiosidade de conhece-lo. Ele estava, então, na direção do Instituto Militar de Engenharia. Fui até a Praia Vermelha conhece-lo e ao IME e, lá, me espantei com as pesquisas que comandava, de tecnologia aplicada.
Duas delas me chamaram a atenção. Uma, a construção de protótipos de drones, muito antes da febre de drones explodir. A outra, sensores que, colocados nas águas ou em terra, conseguiam identificar qualquer movimento não natural, como a de um túnel sendo escavado ou, no caso dos rios, até embarcações a remo se aproximando. Seria a tecnologia adequada para os trabalhos em Brumadinho.
O grande Rex, já idoso, me perguntava de que maneira poderia fazer aquelas descobertas chegarem ao Ministério da Justiça. Seriam ferramentas ideais para prevenir fugas de presídios, tráficos de droga nas fronteiras. Nunca soube de seu uso pelo poder público.
Nos anos seguintes, dentro do Projeto Brasil e do Brasilianas, montei vários seminários para discutir tecnologia militar, muitos deles abrilhantados pela competência e raciocínio cartesiano do Almirante Alan Arthou, um dos responsáveis pelo programa nuclear da Marinha.
As Forças Armadas dispõem de três centros relevantes de tecnologia, um para cada arma. Tinham parcerias relevantes com as universidades, com o ITA, no caso da Marinha, com o IPT, através do IPEN (Instituto de Pesquisas Nucleares), no caso do Exército.
Esse trabalho me conferiu algumas comendas militares, todas de associações de engenheiros das três forças.
Por tudo isso, não entendi esse incrível espetáculo de subserviência, de um presidente do baixo clero militar, que se encantou com Israel por razões fundamentalistas, levantou a bola da tecnologia israelense e, em nenhum momento, mencionou a estrutura que as Forças Armadas brasileiras poderiam oferecer para o caso de Brumadinho. E estando cercado por militares da reserva.
A engenharia militar participou dos maiores feitos econômicos e tecnológicos nacionais. Foi essencial na implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), na criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), na montagem da infraestrutura nacional em transportes, comunicações, indústria de base, nas grandes estatais (Embratel, Telebrás, Petrobras). Participou da implantação do padrão Pal-M para a TV a cores no Brasil; além dos produtos tipicamente militares, como radares, blindados, armamentos.
É inacreditável que o espírito anti nacional, de subserviência que marca o grupo de Bolsonaro, tenha feito menosprezar até a tecnologia militar, do seu mais influente avalista.
Inúteis
Agora, vem a informação de que o equipamento de Israel tem uma tecnologia para identificar o calor que emana dos corpos. Ou seja, é boa para caçar terroristas vivos do Hamas, não para localizar cadáveres embaixo da lama.
É um mico atrás do outro.
Leia
A epopeia do Ipen, de 11/08/2002
O pai do programa nuclar brasileiro, em 09/04/2003
Aqui, os vídeos do Seminário Brasilianas de Tecnologia Militar
GGN
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