Aprovado por 65 votos a 13, o novo marco legal do saneamento permite abrir caminho para o domínio de empresas privadas no setor. A obrigação de realizar licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas
24 de junho de 2020
(Foto: Waldemir Barreto)
247 com Agência Senado - Por 65 votos a 13, o Senado aprovou o PL 4.162/2019, que estabelece um novo marco legal para o saneamento básico. O texto segue para a sanção presidencial.
Mais cedo, por 61 votos a 12, o plenário havia rejeitado uma questão de ordem da bancada do PT para adiamento da votação do PL 4.162/2019, que atualiza o marco legal do saneamento básico.
O PL 4.162/2019 extingue o modelo atual de contrato entre os municípios e as empresas estaduais de água e esgoto. Pelas regras em vigor, as companhias precisam obedecer critérios de prestação e tarifação, mas podem atuar sem concorrência. O novo marco transforma os contratos em vigor em concessões com a empresa privada que vier a assumir a estatal. O texto também torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas.
Pelo projeto, os contratos que já estão em vigor serão mantidos e, até março de 2022, poderão ser prorrogados por 30 anos. No entanto, esses contratos deverão comprovar viabilidade econômico-financeira, ou seja, as empresas devem demonstrar que conseguem se manter por conta própria — via cobrança de tarifas e de contratação de dívida.
Os contratos também deverão se comprometer com metas de universalização a serem cumpridas até o fim de 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. Essas porcentagens são calculadas sobre a população da área atendida.
A nova lei permite abrir caminho para o domínio de empresas privadas no setor. A obrigação de realizar licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas.
Atualmente os municípios e o Distrito Federal podem realizar a prestação do serviço de três formas: a direta, quando os próprios entes públicos podem executar as atividades; a indireta, usando contratos de concessão realizados por licitação; e por gestão associada a consórcios públicos, por meio de um contrato de programa.
Mas o PL 4165 retira a autonomia dos municípios e do Distrito Federal para escolher o modelo de prestação utilizado nos serviços, e acaba com a possibilidade de gestão associada do estado com os municípios, via contrato de programa.
Além disso, o texto aprovado estabelece prioridade no recebimento de auxílio federal para os municípios que efetuarem concessão ou privatização dos seus serviços, em um claro estímulo à privatização do setor.
Entre os principais problemas das empresas privadas assumirem estas funções estão a fragilidade em atingir metas de universalização do serviço, problemas com transparência e a dificuldade de monitoramento da prestação do serviço pelo setor público.
O PL 4162 veio da Câmara dos Deputados e recebeu, no Senado, 85 emendas de 22 senadores. Mas nenhuma dessas emendas foi acatada por seu relator, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Universalização era garantida na lei de 2007
O atual marco legal do saneamento básico traz diversos princípios fundamentais como universalidade, integralidade, controle social e utilização de tecnologias apropriadas. A lei de 2007 estabelece funções de gestão para os serviços públicos, como planejamento municipal, estadual e nacional e a regulação dos serviços, que devem ser usados com normas e padrões.
Com a nova lei, que irá a sanção presidencial, umas das mudanças mais significativas é a retirada da autonomia dos estados e municípios do processo de contratação das empresas que distribuirão água para as populações e cuidarão dos resíduos sólidos. Passa a ser obrigatória a abertura de licitação, o que implementa a competição do acesso aos contratos e a inserção massiva de empresas privadas, em detrimento das empresas estatais nos estados, que atendem 70% da população.
“O PT acredita que é o investimento público, associado ao investimento privado, que pode fazer a mudança, a transformação para garantir saneamento para toda a população”, disse o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, ao declarar o voto da bancada. “E o novo projeto não assegura e não preserva o patrimônio das empresas estatais de saneamento”, complementou o líder, ao votar contra a proposta.
“Querem acabar com as empresas públicas de tratamento de água e esgoto no Brasil. Privatizar não é solução! Água é um direito da população, não é mercadoria”, enfatizou o senador Jean Paul Prates.
Experiências internacionais negativas
Segundo estudo do Instituto Transnacional da Holanda (TNI), entre 2000 e 2017, 1600 municípios de 58 países tiveram que reestatizar serviços públicos. Foram ao menos 835 remunicipalizações e 49 nacionalizações, sendo que mais de 80% ocorreram de 2009 em diante. Na maioria dos casos, a reestatização foi uma resposta às falsas promessas dos operadores privados; à colocação do interesse do lucro por sobre o interesse das comunidades; ao não cumprimento dos contratos, das metas de investimentos e expansão e universalização, principalmente das áreas periféricas e mais carentes; aos aumentos abusivos de tarifas.
O estudo detalha experiências de diversas cidades que recorreram a privatizações de seus sistemas de água e saneamento nas últimas décadas, mas decidiram voltar atrás – uma longa lista que inclui lugares como Atlanta, Berlim, Paris, Budapeste, Buenos Aires e La Paz.
Brasil 247
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