Jornalista Tereza Cruvinel avaliou que durante a coletiva de Lula em Brasília, a mídia conservadora "fez uma clara inflexão de abordagem" em relação ao petista. "A maioria das perguntas buscou respostas dele em um eventual governo, de regulação da mídia aos preços de combustíveis, ao meio ambiente e à política econômica"
8 de outubro de 2021
Ex-presidente Lula (Foto: Ricardo Stuckert)
Por Tereza Cruvinel
Na entrevista coletiva que concedeu ontem em Brasilia, onde passou a semana em articulações político-eleitorais, a mídia fez uma clara inflexão de abordagem e desta vez o tratou como candidato com perspectiva real de poder. A maioria das perguntas buscou respostas dele para o que faria em um eventual governo, a respeito de temas diversos, de regulação da mídia à política de preços de combustíveis, ao meio ambiente e à política econômica.
Houve o momento, nos tempos recentes, em que entrevistas de Lula não atraíam os grandes veículos de comunicação e eram por eles ignorada. Isso logo depois que ele saiu da prisão mas ainda era um proscrito político, fase em que falou fundamentalmente para os veícuos independentes progressistas, inclusive para 0 247. Após a restauração de seus direitos políticos pela STF, com a anulação de sentenças de Sergio Moro, a primeira entrevista coletiva teve alto quórum mas as perguntas ainda se prendiam muito ao tema corrupção e à situação judicial dele. Na de ontem, o tom mudou.
Embora os grandes jornais tenham dado tratamento trivial à entrevista, todos enviaram repórteres, assim como televisões, veículos regionais e independentes, reunindo um alto número de perguntadores. As matérias de O Globo, Folha e Estadão colocaram ênfase na resposta sobre a questao da regulação da mídia, em que Lula de fato se reposicionou, dizendo que caberá ao Congresso, em algum momento, enfrentar este debate. Não prometeu tomar a iniciativa mas disse que não aceita a ideia de que "o único controle seja o "controle remoto".
Mas isso foi um ponto lateral na entrevista, embora central para a própria mídia. De resto, as demais perguntas foram endereçadas agora a um candidato que se afirmou como alternativa real a Bolsonaro, com perspectiva real de vir a comandar o governo a partir de janeiro de 2003. O que se queria saber, principalmente, é o que ele faria sobre isso ou aquilo. E, secundariamente, quais são suas estratégias eleitorais.
Eu mesma lhe perguntei o que fará para obter uma nova pactuação com as elites econômicas, que embora reconhecendo que ele foi um bom governante o qualificam de indesejável, como fez o co- presidente da Conselho de Administração da Natura, Pedro Passos. Faria algo como a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, para quebrar tais resistências? E perguntei ainda se poderá deslocar Fernando Haddad para a disputa do Senado para apoiar Boulos e garantir o apoio do PSOL.
Destaco a autoconfiança com que respondeu à primeira questão:
- Eu tenho um legado. Aos empresários, basta recordarem como estava a economia em meu governo. O dono da Natura pode recordar o que era a empresa dele antes e depois do meu governo. O legado que deixei nesse país vale por 500 cartas ao povo brasileiro.
E isso posto, não tergiversou sobre o tipo de Estado que defende, divergindo com franqueza dos defensores neoliberais do Estado mínimo.
- Quero um Estado forte, porque só um Estado forte é capaz de acabar com a miséria nesse país”. Só um Estado forte poderá fazer casa popular subsidiada para o povo que está desempregado e ganha pouco. Quero um Estado capaz de melhorar o SUS, que era tripudiado antes da pandemia, e agora é endeusado por quem tripudiava. O SUS é uma coisa extraordinária. Não quero um Estado empresarial mas um Estado com força para ser o indutor do desenvolvimento. Um Estado que cuide das pessoas sem preocupar com o gasto de cuidar das pessoas. É esse Estado socialmente justo que quero para esse país.
Quando outros jornalistas vieram com o argumento de isso leva ao gasto, ele pediu que não se falassem de responsabilidade fiscal, recordando dandos das contas públicas em seus governos.
- Nós pegamos esse país com U$ 30 milhões de dívida ao FMI, 12% de inflação, 12 milhões de desempregados e o Malan, que era um bom homem, tinha de ir todo final ano até Washington buscar dinheiro para fechar o caixa no Brasil. Começamos a governar, todos os economistas diziam que o país iria quebrar. Nós consertamos a economia: trouxemos a inflação para 4,5%, geramos 20 milhões de empregos, tivemos superávit primário durante todo o governo, pagamos a dívida ao FMI, emprestamos U$ 10 bilhões ao FMI e ainda deixamos U$ 370 bilhões em reservas, que é o que está salvando o Brasil.
Foi um Lula com tudo na ponta da língua, inclusive os indices de aumento de preços de vários produtos da mesa dos brasileiros, que se apresentou ontem: um candidato que, embora dizendo só decidirá em janeiro, exibe a paixão, disposição e o preparo para a tarefa por ele chamada de "reconstrução do Brasil".
E falando do muito que já foi destruido por Bolsonaro - que chamou de maluco beleza e disse não servir nem para ser síndico de prédio - Lula reconheceu que o desafio de agora será maior e mais difícil que o enfrentado por ele ao ser eleito em 2002. Mas ele esta com ganas.
A íntegra da entrevista está abaixo para ser conferida.
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