No sábado 9, o mundo ganhou um novo país: o Sudão do Sul. A nação, maior que a Bahia, nasce carregando o título do Estado mais pobre do mundo, onde três dos estimados nove milhões de habitantes precisam de ajuda humanitária para se alimentar e 90% vivem com até 50 centavos de dólar por dia (cerca de 0,80 centavos de reais).
“Esse é um perfil tradicional da África Subsaariana, de países como o Timor Leste (Ásia) e a Eritreia, locais sem nenhuma infraestrutura e fortemente afetados pela herança colonial européia”, explica o mestre em geografia pela Universidade de São Paulo (USP), Edilson Adão Cândido da Silva.
A separação do Sudão, fortemente refletida em um referendo popular realizado em janeiro de 2011, que registrou a aprovação de 99% da população sulista à independência, foi possível devido a um acordo de paz assinado em 2005, entre as duas partes do então país.
O Sudão do Sul, já aceito como o 193º membro das Nações Unidas e reconhecido por cerca de 30 países – entre eles Alemanha e Suíça -, enfrentou duas guerras civis contra a região norte, majoritariamente árabe e muçulmana. No sul, a população cristã e animista sentia-se excluída pelo governo, que tentava impor a lei islâmica a todo o país, gerando conflitos por mais duas décadas e vitimando cerca de dois milhões de pessoas.
O fim dos laços com o Sudão foi celebrado como a solução para os conflitos entre as partes, mas a tensão agora persiste na demarcação das fronteiras de uma região rica em petróleo. O interesse pela área levou o presidente do Sudão, Omar al-Bashir – que tem a prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra em Darfur -, a afirmar que não descarta o uso da força para controlar esses territórios.
No entanto, as negociações para a separação dos países incluíram um acordo para analisar a melhor maneira de dividir os royalties da venda do petróleo, uma vez que o Sudão detém a maioria dos oleodutos que escoam o material para o mar Vermelho e o Sudão do Sul possui 85% das reservas, com produção diária de 375 mil barris.
Etnias e população
O Sudão do Sul está divido em dez estados e três províncias, sendo a capital Juba, onde vivem um milhão de pessoas. O governo é dominado pela etnia Dinka, o maior grupo do país, mas alguns dos principais exércitos rebeldes estão sob o comandado de membros da Nuer, um rival histórico.
Enquanto a independência do norte parece ter solucionado o conflito entre muçulmanos e cristãos, no país os confrontos étnicos e de grupos rebeldes passam a atrair maior atenção do governo. O Estado gasta cerca de 700 milhões de dólares em segurança, um orçamento maior que os de educação, saúde, eletricidade e indústria somados.
“Esses conflitos étnicos são semelhantes aos que ocorrem em Darfur, ao oeste do Sudão. O ódio tribal no novo país não está desligado dos conflitos do continente, como a Somália, por exemplo. Porém, lá a guerra é entre clãs do mesmo grupo étnico”, afirma Silva.
Para evitar maiores instabilidades no novo país, o Conselho de Segurança ONU aprovou, na sexta-feira 8, um dia antes da independência oficial, uma missão de paz com cerca de sete mil homens no Sudão do Sul, pelo período inicial de um ano. As tropas devem ajudar a “consolidar a paz e a segurança” e estabelecer condições para um governo democrático.
Uma noção de Estado que, para Edilson Adão Cândido da Silva, representa a projeção e a expectativa Ocidental. “A realidade cultural, nacional e étnica na África não é essa”, destaca, completando que o Sudão pré-independência é um exemplo dos efeitos da intervenção européia no continente. “Naquele território há mais de 500 grupos étnicos com centenas de línguas e dialetos distintos, que agora vão ter que se conformar em um único estado. É uma estabilidade muito frágil”.
Além disso, dos problemas étnicos, as condições sociais do Sudão do Sul são caóticas. No país, as chances de uma jovem de 15 anos morrer no parto são maiores do que as de terminar o ensino primário. Aliás, a cada mil crianças nascidas na região, 100 morrem. Um nível exponencialmente mais elevado que os de países desenvolvidos como a Islândia, Suécia e Chipre, nos quais o índice de mortalidade infantil não chega a três para cada mil nascimentos.
No entanto, mesmo com o alto nível de mortes na infância, metade da população do Sudão do Sul é composta por crianças, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), um dos braços da ONU. Contudo, o geógrafo explica que o predomínio da população jovem acontece porque as taxas de natalidade e mortalidade são muito elevadas. “No caso do Sudão do Sul, esse é um agravante, pois essa é uma população não produtiva que encontra perspectivas de desenvolvimento vazias”.
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