terça-feira, 19 de abril de 2016

“Branco sai, preto fica”: o que uma batida policial tem a ver com a votação do impeachment. Por Donato

Postado em 18 Apr 2016


Eles



Dilma sai, Cunha fica. Dilma sai, Michel Temer fica.

Ficam Paulo Maluf, Fernando Collor, Renan Calheiros, Bolsonaro, Feliciano, Paulinho da Força, Major Olimpio, Romero Jucá, Baleia Rossi.

Fica Tia Eron (guarde esse nome. Mulher e negra, ela levanta essas duas bandeiras pelo lado errado. Reveja o pronunciamento dela na hora do voto ontem. Ainda por cima é unha e carne com Eduardo Cunha).

Ficam 367 picaretas no congresso. Deputados que sempre participaram de tudo, que sempre souberam como o jogo é jogado, que passaram os últimos dias aguardando e avaliando ofertas.

Ficará Alfredo do Nascimento, ex-ministro dos Transportes, que já tinha sido enxotado por Dilma na faxina realizada em seu primeiro mandato.

O presidente da Câmara, senadores e centenas de deputados com nomes presentes não só na coluna do ‘sim’ mas também nas listas da Odebrecht, da Andrade Gutierrez, de Furnas, do Serasa, ficarão. E Dilma, cujo nome não está em nenhuma, irá sair.

Dilma sai, pelo bem dos filhos, dos netos, da esposa, da BR-246, da boquinha daqueles que fizeram questão de lembrar ao país inteiro quem de fato estavam defendendo. Nunca o povo era lembrado. Os deputados que fizeram isso votaram ‘não’.

Ficará a deputada Raquel Muniz, que durante seu voto homenageou sua terra e seu marido: “É pelo norte de Minas, é por Montes Claros, é por Minas Gerais, é pelo Brasil, para dizer que o Brasil tem jeito e que o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com sua gestão”, e gritou um sonoro ‘sim’ (poucas horas depois, na manhã de hoje seu marido foi preso. Ele é suspeito de inviabilizar a existência e o funcionamento de hospitais públicos e filantrópicos que atendem pelo SUS).

Dilma vai sair porque aqueles que votaram ‘sim’ desejam “mudar para ficar igual”. Ficam os adoradores da Rota e as homenagens aos torturadores dos tempos da ditadura.

A noite de ontem (17 de abril), quando a tramitação do impeachment avançou mais um passo ao ser aprovada no plenário da Câmara, me fez lembrar do “Branco sai, preto fica”. A frase saída da boca de um policial em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, já se tornou um clássico, além de um excelente documentário.

Em uma noite de 1986, a polícia foi chamada para ‘conter’ uma festa. Tão logo chegou, a polícia ordenou que apenas os negros ficassem. Brancos estavam liberados (o massacre resultou em vários feridos. Dois deles fazem parte da narração do documentário. Um ficou tetraplégico, o outro perdeu uma perna).

A seleção praticada naquela noite acerca de quem deveria sair e quem deveria ficar não obedeceu a nenhum critério justo, isento, técnico com base em provas. Foi uma conjunção de preconceito com defesa do establishment .

Dilma sairá e avançarão pautas como revogação do estatuto do desarmamento, proibição do aborto, redução da maioridade penal, leis que restringem manifestações de movimentos sociais, privatização da educação. Dilma sairá porque fez pouco nesses campos também e perdeu base aliada, rachou a militância, governou para sabe-se lá quem. Mas, até prova em contrário, é honesta e deveria concluir seu mandato.

E em respeito aos que votaram nela, aos que não votaram nem concordam com sua gestão mas que têm ido às ruas pela defesa da democracia, caso sobreviva ao golpe, Dilma deveria girar o volante totalmente para a esquerda no dia seguinte.

Afinal de contas, a camada da população que se demonstrou tão “escandalizada com a corrupção” e com tanto vigor para ocupar as ruas pedindo sua cabeça, não esboça o mínimo empenho contra a máfia que rouba merenda de escolas públicas. Por que será? Simples, é porque se convocados a resolver alguma questão, eles também agem como o policial de Ceilândia.

Sobre o Autor
Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.


Diário do Centro do Mundo   -   DCM

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