QUA, 20/04/2016 - 16:07
ATUALIZADO EM 21/04/2016 - 19:08
O fator CPMF
Desde o ano passado, a CPMF (Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira) é essencial para recompor não apenas as contas públicas, mas para a própria recuperação da economia.
Na verdade, o golpe começou quando o Congresso recusou a aprovação da CPMF para o governo Dilma Rousseff. Esse boicote custou uma enormidade ao país e à economia e foi decisivo para o esgarçamento político final do governo.
Para entender a razão da CPMF ser essencial é necessário, antes, um mergulho nas raízes da crise.
No período 2008-2012, a economia foi alimentada pelo seguinte circuito:
Demanda externa, com o boom do mercado de commodities, estimulando a cadeia produtiva do agronegócio e do pré-sal.
Demanda interna, com um conjunto de programas sociais, de ferramentas de crédito e de financiamento, garantidos pelo superávit fiscal.
Essa dinâmica, mais um quadro fiscal equilibrado (porque receitas fiscais puxadas pelo crescimento do PIB), permitiu um aumento da demanda pública, especialmente na área de infraestrutura, e da demanda privada – embora grande parte do aumento de consumo tenha sido apropriado pela produção externa, devido a uma política cambial equivocada.
Esse quadro foi desestabilizado pela queda da demanda externa, com o fim do boom das commodities. E pelo esgotamento do crescimento do mercado de consumo.
Esquematicamente
Consumo Externo derruba a demanda privada,
que derruba a demanda total,
que derruba o PIB,
que derruba a receita fiscal,
que derruba a demanda pública
que derruba ainda mais a demanda total,
que derruba o PIB,
que derruba a receita fiscal.
Ou em detalhes:
Fator 1 – queda nos preços das commodities, derrubando a demanda interna. Menos demanda, menos atividade, menos receita fiscal.
Fator 2 – crise da Petrobras, fruto da queda das commodities, da Lava Jato e da demora do governo Dilma em proceder às mudanças, afetando a cadeia do petróleo e gás.
Fator 3 – Série de medidas de desoneração tributária, inicialmente para setores afetados pela competição externa, depois estendidas a uma miríade de setores, ampliando a crise fiscal.
Fator 4 – Em cima de uma economia combalida, o plano Joaquim Levy produzindo um arrocho fiscal pró-cíclico (isto é, acentuando a tendência de queda da economia) e um choque de preços administrados aumentando a inflação e provocando uma política monetária agressiva.
O plano Joaquim Levy
Do lado fiscal, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) acaba de divulgar um estudo sobre o gasto público de 2002 a 2015 em cima dos valores efetivamente liberados pelo SIAFI – expurgados dos restos a pagar e outros expedientes adotados todos os anos e que acaba maquiando os resultados efetivos.
O trabalho é um bom indicativo do tranco fiscal de 2015:
Os investimentos caíram 0,35 ponto percentual (p.p.) do PIB ou 37% em termos reais.
O custeio da educação caiu 0,10 p.p. do PIB ou 34% em termos reais.
A despesa caiu 3,9% em valores reais em 2015, contra um crescimento da ordem de 4% ao ano em média, entre 2002 e 2014.
O choque tarifário, por sua vez, elevou a inflação, abrindo caminho para o Banco Central montar uma política monetária extraordinariamente agressiva, trancando o crédito e elevando a taxa básica para 14,5% ao ano.
O setor privado foi estrangulado de todas as maneiras, com a redução da demanda e com o trancamento do crédito, impedindo-o de retornar para o nível anterior de produção.
O que os economistas de mercado chamam jocosamente de “a nova matriz econômica” – os erros do período Guido Mantega – ajudou a acentuar a crise fiscal.
Mas o que arrebentou de vez a economia foi a velhíssima matriz econômica de mercado, o pacote Joaquim Levy fazendo tudo o que o mercado pediu, inclusive atropelando regras básicas prudenciais – em caso de recessão, não adotar medidas fiscais que a acentuem. Os cortes acentuaram a queda do nível de atividade, que produziu uma queda de receita fiscal maior do que os cortes programados.
Aí entra o álibi MMM: Mercado --> Maílson--> Mirian -, a correia de transmissão de slogans que sai do mercado financeiro e, sem reflexão alguma, passa pelo padrão Maílson e chega ao mercado de opinião: falhou porque o governo impediu que Levy avançasse mais.
O novo quadro
A política fiscal entrou na armadilha de que cortes de despesas acentuam a queda do nível de atividade, que derruba a receita fiscal em valores superiores aos da despesa cortada. A única maneira de romper esse círculo negativo seria com a CPMF.
Ressalve-se que o Congresso não concedeu a Levy a pedra de Roseta da crise: a CPMF.
De um lado, devido ao fato do pacote Levy ter provocado um desalento geral que enfraqueceu ainda mais o governo Dilma. O enfraquecimento estimulou o golpismo da oposição e dos antigos aliados, que seguraram a aprovação da CPMF como forma de sufocar o governo – ainda que à custa do enorme preço pago pelo país como um todo.
Por que a CPMF é essencial?
Confira no nosso fluxograma.
Esquematicamente –
A CPMF melhora a receita fiscal
que melhora a demanda pública
que melhora a demanda privada
que melhora o consumo interno (auxiliado pelo câmbio competitivo)
que melhora a demanda global
que melhora o PIB
que melhora a receita fiscal.
A CPMF permite uma recomposição da receita fiscal, compensando as perdas com a recessão. Com mais caixa, o governo volta a estimular a demanda pública, retomando as obras de infraestrutura e colocando em dia seus pagamentos.
Por sua vez, a demanda pública estimula a demanda privada, através das compras públicas.
A demanda privada permite alguma recuperação do mercado de consumo, invertendo as relações de causalidade: em vez do consumo interno estimular a demanda, a melhoria da demanda pública e externa estimula o consumo interno através da recuperação do emprego.
Some-se uma política cambial (por enquanto) competitiva que tem permitido aumento de exportações e substituição de importações.
A melhoria da demanda geral estimula o PIB, melhorando as receitas fiscais.
Estancando a queda da atividade econômica, espera-se que o fundo do poço seja alcançado e a economia volte a crescer.
Aí se entra na busílis do problema.
Parte relevante do golpe foi alicerçado na recusa a qualquer aumento de impostos. Aliás, toda a carreira política do presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) Paulo Skaf foi montada na divisão dos impostos entre os nocivos e os virtuosos – no caso, aqueles carreados para o sistema S.
Temer já entrará cavalgando um governo ilegítimo, apoiado por um Congresso que transformou seu momento de maior poder – o dia da votação do impeachment – no de maior desmoralização.
Receituário liberal
Além disso, Temer entra em um pacto com o grande capital. E a receita, pelas palavras de seu represente mais ilustre, Armínio Fraga, é a seguinte:
Metas de superávit primário.
Limites para a relação dívida/PIB.
Fim dos gastos vinculados do orçamento.
Em bom português, significa o seguinte.
Não há limites para os juros da dívida pública. O Banco Central sempre o manterá muito acima das taxas internacionais. Com juros altos, economia em baixa, aumentará a relação dívida pública/PIB, obrigando o corte a efetuar cortes – que serão nas despesas vinculadas (educação, saúde, segurança).
Além disso, são conhecidos os efeitos de juros elevados sobre os investimentos e a recuperação econômica.
Efeito da política monetária sobre os investimentos
Demanda pública
Derruba o nível de atividade, a receita fiscal e exige cortes de gastos para atender aos serviços da dívida.
Demanda privada
Encarece o crédito e reduz a atividade econômica.
Custo de oportunidade
Com TIR mais elevada, encarece os investimentos públicos, pela necessidade de retorno maior.
Financiamento
Encarece os financiamentos e, por consequência, o custo dos investimentos de longo prazo.
Segurança jurídica
Aumenta a insegurança fiscal, com o aumento da dívida nominal como proporção do PIB
Segurança política
Aumenta a instabilidade política
Câmbio
Aprecia o câmbio, reduzindo a competitividade interna e encarecendo os investimentos em infraestrutura.
É uma fórmula recessiva, concentradora de renda, que prolongará a recessão, implementada por um governo sem legitimidade, sustentado por um partido populista, o PMDB.
Passa?
Esse é apenas um dos nós que aguarda um eventual governo Temer.
Jornal GGN
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