Postado em 21 Apr 2016
por : Marcos Sacramento
Entre os enigmas que fazem do Brasil um país desaconselhável para principiantes estão os negros que defendem os privilégios da elite branca.
A mais nova estrela dessa turma, capitaneada por Fernando Holiday, do MBL, é a deputada Tia Eron, do PRB da Bahia, partido ligado à Igreja Universal.
Eron ganhou fama após ingressar no Conselho de Ética da Câmara dos deputados, onde corre o processo de cassação do mandato de Eduardo Cunha.
Ela ocupa a vaga deixada por Fausto Pinato (PP/SP), que renunciou, e pode ser um voto favorável ao deputado acusado de corrupção e lavagem de dinheiro.
“É um presidente que fez essa Casa produzir como nunca, que limpou as gavetas de projetos que estavam parados, tem minha admiração e meu respeito. Mas na questão do processo, como julgadora, preciso fazer a análise, fazer a observação de tudo”, diz ela sobre o gangster que ajudou a colocar na presidência da Câmara.
Dias depois entrar na comissão, a deputada votou pelo impeachment da presidente Dilma, ocasião em que fez um discurso meritocrático ao estilo Holiday.
“Senhor presidentes, senhoras e senhores deputados, povo brasileiro, muito honrada nesta noite, porque eu sou a voz da mulher negra e da mulher nordestina, que não quer mais a migalha do governo federal, porque tem dignidade para trabalhar e para vencer”, gritou antes de votar “sim, sim, sim”.
Ela não explica quais migalhas são essas. Poderiam ser cotas raciais, mas em seu blog consta que ela comemorou a implantação de cotas nos concursos do judiciário e nos tempos de vereadora em Salvador deu entrada em dois projetos indicativos de reserva de vagas para negros em concursos públicos.
Apesar disso, votou pela injusto impedimento da chefe de um governo que em três anos inseriu 150 mil estudantes negros em universidades.
O que pode explicar a lealdade a um tipo como Cunha é a necessidade de seguir as ordens do partido e assim garantir o mandato. Embora mulher e negra, umas das 10 deputadas que se declaram pretas ou pardas, Eron não parece ser uma defensora ferrenha das minorias.
Nas postagens que faz nas redes sociais, há muitas referências ao presidente do partido, o advogado Marcos Pereira, e quase nada a assuntos pertinentes à comunidade negra, como o elevado percentual de pessoas desse grupo racial entre as vítimas de homicídio.
Em um post no seu blog oficial, em que aborda o voto feminino, ela sequer mencionou o nome de Antonieta de Barros, primeira mulher negra eleita deputada no país e uma das principais referências do movimento negro brasileiro.
Embora tenha projetos no campo racial, como o projeto de 1749/2015, que tipifica o crime de injúria racial, Tia Eron seguiu a orientação do partido e votou a favor da redução da maioridade penal, mesmo que a medida aumente o encarceramento de jovens negros.
As alianças com tipos conservadores como ACM Neto e Eduardo Cunha e a forma asséptica com que aborda o problema do racismo deixam a impressão de que Tia Eron é a típica negra que por má fé ou auto-ódio renega as origens para aproveitar as vantagens de se inserir em um ambiente de maioria branca.
Uma informação sutil disponível no site do partido corrobora com esta hipótese. Nesta página, a deputada se apresenta como Eron Vasconcelos Carvalho, formada em Administração de Empresas e Direito.
No site Câmara, contudo, a biografia aparece um pouco diferente: ela se apresenta com o humilde nome de Eronildes Vasconcelos Carvalho e informa ter curso superior incompleto.
Mas ela pode maquiar o nome, turbinar o currículo acadêmico e só abordar de leve a problemática racial que continuará sendo uma mulher negra.
Por mais que pareça inserida entre a maioria masculina e branca do Congresso, sempre vai surgir um lembrete do que a sociedade machista e racista pensa das negras, como o de um certo Luiz Carlos Nogueira ao elogiar a postura da deputada na votação do impeachment.
“Você é negra, porém bonita e inteligente. Votou como verdadeira patriota, pelo impeachment da Dilma”.
O trabalho parlamentar de Tia Eron ajudaria a tornar comentários como este cada vez mais raros, se ela não estivesse de conluio com conservadorismo que há séculos detém o poder.
Sobre o Autor
Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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