Postado em 19 Apr 2016
por : Paulo Nogueira
“Sim, sim, sim”: no dia seguinte, o marido foi preso por roubalheira
Uma coisa que não estava absolutamente nos planos dos golpistas acabou se tornando a mais letal propaganda contra o golpe: a sessão da Câmara que aprovou o impeachment.
Nada poderia ser mais revelador sobre o espírito do golpe.
Deputados e deputados, nos escassos segundos em que estiveram à frente de microfones, compuseram um teatro do absurdo, da vergonha, da indecência.
Parecia uma festa no hospício, comandada por um psicopata.
Até a imprensa internacional está, nestes dias, fazendo piada dos motivos invocados na Câmara para o sim.
Pela família quadrangular, pela minha mãe Lucimar, pela minha neta, por remotas cidades Brasil afora, por Deus, por Deus, por Deus.
Isso sem contar Bolsonaro, que votou por um torturador de quem se diz que chegou a colocar ratos em vaginas de presas políticas.
Só faltou quem dissesse: “Por Eduardo Cunha! Por mim!”
Registre-se ainda o espetáculo de uma deputada que gritou aos pulos “sim, sim, sim” e citou como exemplo seu marido, prefeito de Montes Claros, preso no dia seguinte por desviar dinheiro de hospitais públicos.
Nas redes sociais, este voto saltitante viralizou.
Foi o mais acabado retrato não só da Câmara que temos, comprada pelo dinheiro das grandes empresas via financiamento de campanhas, mas do golpe em si.
É inevitável que este espetáculo dantesco tenha efeitos imediatos na opinião pública, que já se dividira antes mesmo que os bufões declarassem seus votos ridículos abraçados a bandeiras do Brasil usadas da maneira mais baixa possível.
A grande sentença do intelectual inglês Samuel Johnson foi provada exaustivas vezes no plenário-picadeiro: “O patriotismo é o refúgio do canalha.”
Não.
Não é possível que o Brasil esteja à mercê de um grupo daquela espécie. Nas redes sociais, muitos apoiadores do impeachment confessaram seu choque ao ver quem defendia a causa deles – e como.
O desconforto dos que esperavam o sim acabaria sendo ampliado logo depois pelas informações que começaram a circular segundo as quais, fortalecido, Eduardo Cunha seria anistiado da roubalheira que promoveu.
Mesmo antipetistas convictos não contavam com essa: vestir a camisa da seleção, sair às ruas em nome do combate à corrupção, bater panelas – para depois ver como grande vencedor do movimento o maior corrupto da história da República. Não poderia haver final mais infame.
A sessão da Câmara haverá de ser um fator importante, talvez decisivo, nos próximos passos do processo de impeachment.
A mobilização pela democracia crescerá. Já está desfeita a falácia propagada pelas empresas de jornalismo de que o impeachment é uma unanimidade nacional.
Não é. É, sim, uma unanimidade entre os donos da mídia, que enxergam aí uma chance de meter a mão no dinheiro público.
Temer, caso o golpe se realize, vai imediatamente satisfazer a sede de dinheiro público da Globo, da Abril, da Folha.
Isso ficou claro numa mensagem do presidente da Abril aos funcionários da casa por causa da sessão infame da Câmara. Nossa vida vai melhorar, bradou ele. Numa tradução livre e fiel, ele estava dizendo: “Os anúncios do governo vão voltar.”
Às 23 horas de domingo, quando o voto que deu a vitória ao impeachment foi anunciado, a sensação geral era que a história do golpe terminara.
Hoje, vistas em detalhe as cenas da sessão, está evidente que não.
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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