domingo, 2 de dezembro de 2018

EM ENTREVISTA INÉDITA, DIRCEU FALA DA RESISTÊNCIA À DITADURA À BOLSONARO

Uma das personagens mais emblemáticas da resistência ao regime militar, José Dirceu é 'escaneado' pelo jornalista Renato Dias, que relata passagens inéditas da vida do militante, ativista e escritor. Dirceu fala sobre a ameaça Bolsonaro, o Comando de Caça aos Comunistas, o sequestro do embaixador americano e muitas outras célebres passagens de sua extensa biografia

2 DE DEZEMBRO DE 2018 

Por Renato Dias, especial para o 247 - Uma das personagens mais emblemáticas da resistência ao regime militar, José Dirceu é 'escaneado' pelo jornalista Renato Dias, que relata passagens inéditas da vida do militante, ativista e escritor. Dirceu fala sobre a ameaça Bolsonaro, o Comando de Caça aos Comunistas, o sequestro do embaixador americano e muitas outras célebres passagens de sua extensa biografia. 

Nome completo: José Dirceu de Oliveira e Silva. Codinome à época da ditadura civil e militar – Daniel. Um ‘nom de guerre’. Nascido em Passa Quatro, Minas Gerais, de formação católica apostólica romana, que alega não ter lhe influenciado, mudou-se para São Paulo, ingressou no curso de Direito, engajou-se no movimento estudantil, virou presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, a UEE-SP, liderou as revoltas de 1968, no Brasil. Em nome das utopias, parou atrás das grades. Cinquenta anos depois, tenta provar a sua inocência. Sob os tempos sombrios. Da escalada conservadora. Autoritária, que assombra o Brasil. Um País de dimensão continental. Sob o capitão reformado do Exército Brasileiro, Jair Messias Bolsonaro.


– A falta de liberdade é uma tragédia humana. É a maior ameaça.

Membro da dissidência estudantil, um racha à esquerda do PCB, o Partido Comunista Brasileiro, a legenda da foice e do martelo, fundada em 25 de março de 1922 e aceita em 1924 na Terceira Internacional Comunista, a central mundial da revolução, fundada por Vladimir Ilich Ulianov, Lenin, e por Lev Davidovich Bronstein, Leon Trotski, o Komintern, o líder estudantil protestou contra a morte de Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março de 1968. Mais: sem perder a ternura, participou da Batalha da Maria Antônia, em 2 de outubro do ano que não terminou. Como aponta Zuenir Ventura. Em tempo: carregou a camisa manchada de sangue de José Guimarães. Secundarista morto no confronto. No Mackenzie, São Paulo [SP].

– O Comando de Caça aos Comunistas, o CCC, comandado por Raul Careca, agente do Deops – SP, Departamento Estadual de Ordem Política e Social, promoveu a execução.


Nunca houve um inquérito policial e militar para apurar as circunstâncias da morte de José Guimarães, revela. Como prêmio, a reitora Esther Figueiredo ganhou o cargo de ministra da Educação. Anos & anos depois, Zé Dirceu analisa que a queda do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes, realizado em Ibiúna, São Paulo, próximo à cidade de Sorocaba, em 12 de outubro de 1968, que provocou a prisão de 920 estudantes universitários de todo o Brasil, de múltiplas organizações políticas, de matrizes ideológicas diferenciadas, teria ocorrido devido à escolha de um local inadequado, péssimo, o número excessivo de pessoas e ao monitoramento da repressão política e militar. Problema: os dirigentes acabaram fichados.

– O mais provável é que eu deveria ser eleito para a presidência da UNE. Fui preso.

Uma estranha derrota

A derrota em 1964, com a deposição do nacional-estatista João Belchior Marques Goulart, gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, em 31 de março, primeiro e 2 de abril, seria a síntese da luta de classes, pontua. As elites do Brasil não abrem mão da renda que acumulam e do controle dos fundos públicos. A histórica desigualdade econômica, social e cultural se manteve, sublinha. Uma noite que durou 21 anos, resumem Flávio Tavares e Camilo Tavares. A burguesia brasileira não suporta a democracia, fuzila. Um Estado Democrático de Direito, atira. Tanto que rasgam as constituições, dispara. Preso em Ibiúna, o charmoso revolucionário ficou detido até 7 de setembro. Do ano de 1969.

– A captura do embaixador dos Estados Unidos, no Brasil, Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, por um comando revolucionário da ALN e do MR-8, caiu como raio no céu.


Ideia formulada por Franklin Martins, que a apresentou à Dissidência da Guanabara, proposta que obteve a anuência de Daniel Aarão Reis Filho, Vera Silvia Magalhães, chegou até o comandante Toledo, Joaquim Câmara Ferreira, da Ação Libertadora Nacional. O coordenador da operação militar foi Virgílio Gomes da Silva. As exigências dos revolucionários foram a divulgação de um manifesto, redigido por Franklin Martins, não por Fernando Gabeira, e a libertação de 15 presos políticos. Integravam a lista, ecumênica, Vladimir Palmeira, Gregório Bezerra, velho comunista participante da insurreição de 1935, João Leonardo da Silva Rocha, Maria Augusta Carneiro, Flávio Tavares, jornalista, assim como José Dirceu de Oliveira e Silva.

– Quem me comunicou da captura de Charles Burke Elbrick, embaixador dos EUA no Brasil, no Rio de Janeiro, foi um soldado que estava preso próximo à minha cela.

Captura de Charles Burke

O membro da Dissidência Comunista de São Paulo confidencia que sempre havia tentado fugir do calabouço. Nunca teve chance. A comida era uma lavagem, reclama. Éramos submetidos a uma pancadaria, desabafa. No Deops [SP], por exemplo, algemado, passei por um corredor polonês, recorda-se. Embarcamos para o México, frisa. Depois, viajei a Havana, Cuba, relata. Zé Dirceu submeteu-se a um treinamento, um curso de guerrilha. Com táticas de guerrilha, coluna, marchas, emboscada, armas, aprender a operar armas, bazucas, morteiros, mexer com rádio, fotografia, fugir da repressão e defesa pessoal, informa. Um treinamento básico do Exército, registra. Com críticas à Ação Libertadora Nacional, fundada por Carlos Marighella, aproxima-se da dissidência da ALN, da organização, e reúne-se com os fundadores do Molipo

– O Molipo – Movimento de Libertação Popular – foi criado em 1970 e 1971, em Havana, Cuba.


Os cérebros da nova organização revolucionária, que sonhavam em fazer no Brasil como em Cuba, em 1959, quando os homens e mulheres de Fidel Castro, Ernesto Guevara de La Serna, Che Guevara, médico argentino que seria morto nas selvas bolivianas ao tentar exportar a revolução para a América Latina e tentar criar um, dois, três, mil Vietnans, em 9 de outubro de 1967, Camilo Cinfuego e Raúl Castro, Os principais integrantes do Molipo eram Antônio Benetazzo, Carlos Eduardo Pires Fleury, José Roberto Arantes, Lauriberto Reyes, afirma. O Molipo acabou repetindo os erros e o militarismo da ALN, com concentração nos centros urbanos. Não havia mais condições para a deflagração de uma guerrilha rural no Brasil, anota.

Guerrilhas no Brasil

– Na verdade, nunca houve guerrilha no Brasil. Nem Caparaó, muito menos Vale do Ribeira e mesmo a do Araguaia [Que acabou liquidada após três operações das Forças Armadas, de 1972 a 1974]. A guerrilha exige apoio de massas urbanas e rurais. O que não existia à época.

O ex-militante clandestino da Dissidência Comunista e do Molipo ‘Daniel’ não chega a admitir que a luta armada teria sido um erro estratégico. Zé Dirceu garante que o diagnóstico sobre o golpe de 1964, o Ato Institucional Número 5, que completou 50 anos em 13 de dezembro de 2018, em relação às suas políticas macroeconômicas e à natureza do Estado e do seu aparato repressivo, estavam corretas. “Tratava-se de uma contrarrevolução”, define-a. “As consequências adotadas por parte da esquerda brasileira é que foram erradas”, observa ele. Marcelo Godoy, jornalista e escritor, autor de ‘A Casa da Vovó’, conta que havia um cachorro, um infiltrado no Molipo, o responsável por sucessivas quedas. De revolucionários marxistas.

– Que havia, havia, sim. Não consegui, porém, identificá-lo.


Documentos obtidos com exclusividade por este repórter no extinto Serviço Nacional de Investigações [SNI], o monstro criado da repressão política e de informação por Golbery do Couto e Silva, hoje sob a guarda do Arquivo Nacional, em Brasília, a capital da República, mostram que a prisão do médico, treinado em Cuba, Boanerges de Souza Massa, em Pindorama, teriam provocado uma sequências de quedas e mortes no Molipo. Rui Carlos Vieira Berbert, em 2 de janeiro de 1972, em Natividade, Goiás, hoje Estado do Tocantins. Jeová de Assis Gomes, em Guaraí, à época Goiás, em 9 de janeiro de 1972. Saiu em O Estado de S. Paulo. Arno Preiss, em 15 de fevereiro de 1972, em Paraíso do Norte, Goiás naqueles anos.

– As informações existem, sim. Nunca, porém, conseguimos comprová-las.

Execuções a sangue frio

Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, treinados em Cuba, membros do Molipo, foram executados, a sangue frio, na madrugada de 17 de maio de 1973, na Fazenda Rio Doce, de propriedade de Sebastião Cabral, em Rio Verde, próximo à Jataí, no Estado de Goiás. Após delações de Gabriel Prado Mendes e Irineu Luís de Morais. Os seus corpos foram enterrados na propriedade rural no mesmo dia e sequestrados em 31 de julho de 1980. João Leonardo Rocha morreu na Bahia, frisa. Ele pode tanto ter sido uma vítima da repressão política da ditadura civil e militar quanto dos ‘grileiros de terras’ que atuavam na região baiana, acredita. Ana de Cerqueira César Corbisier viveu clandestinamente em Salvador e sobreviveu, pontua.

– Optei por morar em Cruzeiro do Oeste. Desde 1974. Quando retornei de Cuba. Era um local seguro. Contava com base de apoio na região. Jamais sofri perigo de queda.

Como vivia no Brasil, Zé Dirceu monitorou a distensão lenta, segura e gradual [1974-1979], a retomada das lutas estudantis [1976-1977], quando novos personagens entraram em cena, os operários do ABCD de São Paulo, assim como o surgimento do Movimento Pró-PT, liderado por um metalúrgico Luiz Inácio da Silva. Com a Anistia, assumiu a sua verdadeira identidade. O seu primeiro mandato foi de deputado estadual constituinte por São Paulo, 1986. Já em 1990 vira deputado federal. Do alto clero do Congresso Nacional. O eterno ‘enragé’ confirma que o PT acertou ao apoiar o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, que depois acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Entramos depois da entrevista de Pedro Collor, diz.

– As mudanças de táticas e do programa do PT em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 foram corretas, sim. Tanto que obtivemos quatro vitórias consecutivas nas eleições presidenciais.

Ascensão do PT

O PT não errou ao criticar o Plano real, crê. O problema do Real era o câmbio fixo, o ajuste ele­vou a dívida pública, o endividamento em dólar, a volta da inflação, reduziu o PIB, o Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas pelo País, agravou a crise econômica e social, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, metralha. O ex-presidente nacional do PT e deputado federal em 1998 e 2002 é o responsável por orientar o PT a rever a sua política de alianças eleitorais. Mais: a levar Luiz Inácio Lula da Silva a subir a rampa do Palácio do Planalto em primeiro de janeiro de 2003. Ele assumiu o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, e acabou alvo tanto de Carlinhos Cachoeira e de um surto psicótico de Roberto Jefferson

– A ‘Teoria de Domínio do Fato’ foi aplicada antes do meu julgamento. Fui condenado sem provas.


Reeleita em outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos válidos, a presidente da República, Dilma Rousseff, sofreu um impeachment, sem crime de responsabilidade, conta. Um golpe parlamentar, ataca. Pós-2018, Zé Dirceu avalia que a chegada ao poder de Jair Bolsonaro não se trata somente de uma vitória eleitoral. Haverá uma regressão econômica, social, política e cultural, prevê. Com um programa ultraliberal – fundado nas ideias dos ‘Chicago Boys’, com Paulo Guedes –, uma mistura de Estado & Religião, base social, com militância organizada, explica. Jair Bolsonaro é sim um falso moralista, vocifera. Mesmo assim, eles já enfrentam di­vergências internas, com a Escola Sem Partido, Reforma da Previdência e por cargos, aponta. A so­berania e a democracia estão em risco e querem criminalizar os movimentos sociais, urba­nos e rurais, denuncia o enfant terrible. Há uma preocupação no mundo todo com o Brasil, diz.

Autocrítica?



– A proposta de o PT fazer uma autocrítica é descabida. O PT assumiu os seus erros. Mudou. Não ficou parado no tempo. Resistiu aos incessantes ataques vis dos conglomerados de comunicação – monopólios de mídia –, do Ministério Público, do Judiciário e das direitas. A Luiz I nácio Lula da Silva e a Dilma Rousseff. Ele precisa rever a sua política de obtenção de recursos e a sua relação com as empresas. 

Entrevista explosiva – José Dirceu de Oliveira e Silva

____Testemunho para a História da América Latina___

‘A falta de liberdade é uma tragédia humana. Na prisão, o tempo parece eterno’

Codinome à época da ditadura civil e militar – Daniel. Um ‘nom de guerre’. Nascido em Passa Quatro, Estado de Minas Gerais

Em tempo: carregou a camisa manchada de sangue de José Guimarães, secundarista morto em confronto, na Maria Antônia

Captura do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, pela ALN e MR-8, caiu como raio no céu, diz

PT assumiu seus erros, frisa. Mudou. Não ficou parado no tempo. Resistiu aos ataques dos conglo­merados de mídias, MP, Judiciário e direitas



E X C L U S I V O

Janelas

‘O Molipo – Movimento de Libertação Popular – foi criado em 1970 e 1971, em Havana, Cuba

José Dirceu



‘Nunca houve guerrilha no Brasil. Nem Caparaó, muito menos Vale do Ribeira e mesmo a do Araguaia

José Dirceu



‘Optei por morar em Cruzeiro do Oeste. Desde 1974, quando retornei de Cuba. Era um local seguro. Contava com base de apoio na região

José Dirceu



‘A Teoria de Domínio do Fato foi aplicada antes do meu julgamento. Fui condenado sem provas

José Dirceu



‘A chegada ao poder de Jair Bolsonaro não se trata somente de uma vitória eleitoral. Haverá uma regressão econômica, social, política e cultural

José Dirceu



‘Com um programa ultraliberal – fundado nas ideias dos ‘Chicago Boys’, com Paulo Guedes –uma mistura de Estado & Religião, base social, com militância organizada

José Dirceu



Renato Dias

Da Editoria de Política e Justiça



Nome completo: José Dirceu de Oliveira e Silva. Codinome à época da ditadura civil e militar – Daniel. Um ‘nom de guerre’. Nascido em Passa Quatro, Minas Gerais, de formação católica apostólica romana, que alega não ter lhe influenciado, mudou-se para São Paulo, ingressou no curso de Direito, engajou-se no movimento estudantil, virou presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, a UEE-SP, liderou as revoltas de 1968, no Brasil. Em nome das utopias, parou atrás das grades. Cinquenta anos depois, tenta provar a sua inocência. Sob os tempos sombrios. Da escalada conservadora. Autoritária, que assombra o Brasil. Um País de dimensão continental. Sob o capitão reformado do Exército Brasileiro, Jair Messias Bolsonaro.

– A falta de liberdade é uma tragédia humana. É a maior ameaça.


Membro da dissidência estudantil, um racha à esquerda do PCB, o Partido Comunista Brasileiro, a legenda da foice e do martelo, fundada em 25 de março de 1922 e aceita em 1924 na Terceira Internacional Comunista, a central mundial da revolução, fundada por Vladimir Ilich Ulianov, Lenin, e por Lev Davidovich Bronstein, Leon Trotski, o Komintern, o líder estudantil protestou contra a morte de Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março de 1968. Mais: sem perder a ternura, participou da Batalha da Maria Antônia, em 2 de outubro do ano que não terminou. Como aponta Zuenir Ventura. Em tempo: carregou a camisa manchada de sangue de José Guimarães. Secundarista morto no confronto. No Mackenzie, São Paulo [SP].

– O Comando de Caça aos Comunistas, o CCC, comandado por Raul Careca, agente do Deops – SP, Departamento Estadual de Ordem Política e Social, promoveu a execução.

Nunca houve um inquérito policial e militar para apurar as circunstâncias da morte de José Guimarães, revela. Como prêmio, a reitora Esther Figueiredo ganhou o cargo de ministra da Educação. Anos & anos depois, Zé Dirceu analisa que a queda do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes, realizado em Ibiúna, São Paulo, próximo à cidade de Sorocaba, em 12 de outubro de 1968, que provocou a prisão de 920 estudantes universitários de todo o Brasil, de múltiplas organizações políticas, de matrizes ideológicas diferenciadas, teria ocorrido devido à escolha de um local inadequado, péssimo, o número excessivo de pessoas e ao monitoramento da repressão política e militar. Problema: os dirigentes acabaram fichados.

– O mais provável é que eu deveria ser eleito para a presidência da UNE. Fui preso.

Uma estranha derrota

A derrota em 1964, com a deposição do nacional-estatista João Belchior Marques Goulart, gaúcho de São Borja, ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, ‘O Pai dos Pobres’, em 31 de março, primeiro e 2 de abril, seria a síntese da luta de classes, pontua. As elites do Brasil não abrem mão da renda que acumulam e do controle dos fundos públicos. A histórica desigualdade econômica, social e cultural se manteve, sublinha. Uma noite que durou 21 anos, resumem Flávio Tavares e Camilo Tavares. A burguesia brasileira não suporta a democracia, fuzila. Um Estado Democrático de Direito, atira. Tanto que rasgam as constituições, dispara. Preso em Ibiúna, o charmoso revolucionário ficou detido até 7 de setembro. Do ano de 1969.

– A captura do embaixador dos Estados Unidos, no Brasil, Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, por um comando revolucionário da ALN e do MR-8, caiu como raio no céu.

Ideia formulada por Franklin Martins, que a apresentou à Dissidência da Guanabara, proposta que obteve a anuência de Daniel Aarão Reis Filho, Vera Silvia Magalhães, chegou até o comandante Toledo, Joaquim Câmara Ferreira, da Ação Libertadora Nacional. O coordenador da operação militar foi Virgílio Gomes da Silva. As exigências dos revolucionários foram a divulgação de um manifesto, redigido por Franklin Martins, não por Fernando Gabeira, e a libertação de 15 presos políticos. Integravam a lista, ecumênica, Vladimir Palmeira, Gregório Bezerra, velho comunista participante da insurreição de 1935, João Leonardo da Silva Rocha, Maria Augusta Carneiro, Flávio Tavares, jornalista, assim como José Dirceu de Oliveira e Silva.

– Quem me comunicou da captura de Charles Burke Elbrick, embaixador dos EUA no Brasil, no Rio de Janeiro, foi um soldado que estava preso próximo à minha cela.

Captura de Charles Burke

O membro da Dissidência Comunista de São Paulo confidencia que sempre havia tentado fugir do calabouço. Nunca teve chance. A comida era uma lavagem, reclama. Éramos submetidos a uma pancadaria, desabafa. No Deops [SP], por exemplo, algemado, passei por um corredor polonês, recorda-se. Embarcamos para o México, frisa. Depois, viajei a Havana, Cuba, relata. Zé Dirceu submeteu-se a um treinamento, um curso de guerrilha. Com táticas de guerrilha, coluna, marchas, emboscada, armas, aprender a operar armas, bazucas, morteiros, mexer com rádio, fotografia, fugir da repressão e defesa pessoal, informa. Um treinamento básico do Exército, registra. Com críticas à Ação Libertadora Nacional, fundada por Carlos Marighella, aproxima-se da dissidência da ALN, da organização, e reúne-se com os fundadores do Molipo

– O Molipo – Movimento de Libertação Popular – foi criado em 1970 e 1971, em Havana, Cuba.

Os cérebros da nova organização revolucionária, que sonhavam em fazer no Brasil como em Cuba, em 1959, quando os homens e mulheres de Fidel Castro, Ernesto Guevara de La Serna, Che Guevara, médico argentino que seria morto nas selvas bolivianas ao tentar exportar a revolução para a América Latina e tentar criar um, dois, três, mil Vietnans, em 9 de outubro de 1967, Camilo Cinfuego e Raúl Castro, Os principais integrantes do Molipo eram Antônio Benetazzo, Carlos Eduardo Pires Fleury, José Roberto Arantes, Lauriberto Reyes, afirma. O Molipo acabou repetindo os erros e o militarismo da ALN, com concentração nos centros urbanos. Não havia mais condições para a deflagração de uma guerrilha rural no Brasil, anota.

Guerrilhas no Brasil

– Na verdade, nunca houve guerrilha no Brasil. Nem Caparaó, muito menos Vale do Ribeira e mesmo a do Araguaia [Que acabou liquidada após três operações das Forças Armadas, de 1972 a 1974]. A guerrilha exige apoio de massas urbanas e rurais. O que não existia à época.

O ex-militante clandestino da Dissidência Comunista e do Molipo ‘Daniel’ não chega a admitir que a luta armada teria sido um erro estratégico. Zé Dirceu garante que o diagnóstico sobre o golpe de 1964, o Ato Institucional Número 5, que completou 50 anos em 13 de dezembro de 2018, em relação às suas políticas macroeconômicas e à natureza do Estado e do seu aparato repressivo, estavam corretas. “Tratava-se de uma contrarrevolução”, define-a. “As consequências adotadas por parte da esquerda brasileira é que foram erradas”, observa ele. Marcelo Godoy, jornalista e escritor, autor de ‘A Casa da Vovó’, conta que havia um cachorro, um infiltrado no Molipo, o responsável por sucessivas quedas. De revolucionários marxistas.

– Que havia, havia, sim. Não consegui, porém, identificá-lo.

Documentos obtidos com exclusividade por este repórter no extinto Serviço Nacional de Investigações [SNI], o monstro criado da repressão política e de informação por Golbery do Couto e Silva, hoje sob a guarda do Arquivo Nacional, em Brasília, a capital da República, mostram que a prisão do médico, treinado em Cuba, Boanerges de Souza Massa, em Pindorama, teriam provocado uma sequências de quedas e mortes no Molipo. Rui Carlos Vieira Berbert, em 2 de janeiro de 1972, em Natividade, Goiás, hoje Estado do Tocantins. Jeová de Assis Gomes, em Guaraí, à época Goiás, em 9 de janeiro de 1972. Saiu em O Estado de S. Paulo. Arno Preiss, em 15 de fevereiro de 1972, em Paraíso do Norte, Goiás naqueles anos.

– As informações existem, sim. Nunca, porém, conseguimos comprová-las.

Execuções a sangue frio

Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, treinados em Cuba, membros do Molipo, foram executados, a sangue frio, na madrugada de 17 de maio de 1973, na Fazenda Rio Doce, de propriedade de Sebastião Cabral, em Rio Verde, próximo à Jataí, no Estado de Goiás. Após delações de Gabriel Prado Mendes e Irineu Luís de Morais. Os seus corpos foram enterrados na propriedade rural no mesmo dia e sequestrados em 31 de julho de 1980. João Leonardo Rocha morreu na Bahia, frisa. Ele pode tanto ter sido uma vítima da repressão política da ditadura civil e militar quanto dos ‘grileiros de terras’ que atuavam na região baiana, acredita. Ana de Cerqueira César Corbisier viveu clandestinamente em Salvador e sobreviveu, pontua.

– Optei por morar em Cruzeiro do Oeste. Desde 1974. Quando retornei de Cuba. Era um local seguro. Contava com base de apoio na região. Jamais sofri perigo de queda.

Como vivia no Brasil, Zé Dirceu monitorou a distensão lenta, segura e gradual [1974-1979], a retomada das lutas estudantis [1976-1977], quando novos personagens entraram em cena, os operários do ABCD de São Paulo, assim como o surgimento do Movimento Pró-PT, liderado por um metalúrgico Luiz Inácio da Silva. Com a Anistia, assumiu a sua verdadeira identidade. O seu primeiro mandato foi de deputado estadual constituinte por São Paulo, 1986. Já em 1990 vira deputado federal. Do alto clero do Congresso Nacional. O eterno ‘enragé’ confirma que o PT acertou ao apoiar o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, que depois acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Entramos depois da entrevista de Pedro Collor, diz.

– As mudanças de táticas e do programa do PT em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 foram corretas, sim. Tanto que obtivemos quatro vitórias consecutivas nas eleições presidenciais.

Ascensão do PT

O PT não errou ao criticar o Plano real, crê. O problema do Real era o câmbio fixo, o ajuste ele­vou a dívida pública, o endividamento em dólar, a volta da inflação, reduziu o PIB, o Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas pelo País, agravou a crise econômica e social, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, metralha. O ex-presidente nacional do PT e deputado federal em 1998 e 2002 é o responsável por orientar o PT a rever a sua política de alianças eleitorais. Mais: a levar Luiz Inácio Lula da Silva a subir a rampa do Palácio do Planalto em primeiro de janeiro de 2003. Ele assumiu o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, e acabou alvo tanto de Carlinhos Cachoeira e de um surto psicótico de Roberto Jefferson

– A ‘Teoria de Domínio do Fato’ foi aplicada antes do meu julgamento. Fui condenado sem provas.

Reeleita em outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos válidos, a presidente da República, Dilma Rousseff, sofreu um impeachment, sem crime de responsabilidade, conta. Um golpe parlamentar, ataca. Pós-2018, Zé Dirceu avalia que a chegada ao poder de Jair Bolsonaro não se trata somente de uma vitória eleitoral. Haverá uma regressão econômica, social, política e cultural, prevê. Com um programa ultraliberal – fundado nas ideias dos ‘Chicago Boys’, com Paulo Guedes –, uma mistura de Estado & Religião, base social, com militância organizada, explica. Jair Bolsonaro é sim um falso moralista, vocifera. Mesmo assim, eles já enfrentam di­vergências internas, com a Escola Sem Partido, Reforma da Previdência e por cargos, aponta. A so­berania e a democracia estão em risco e querem criminalizar os movimentos sociais, urba­nos e rurais, denuncia o enfant terrible. Há uma preocupação no mundo todo com o Brasil, diz.

Autocrítica?

– A proposta de o PT fazer uma autocrítica é descabida. O PT assumiu os seus erros. Mudou. Não ficou parado no tempo. Resistiu aos incessantes ataques vis dos conglomerados de comunicação – monopólios de mídia –, do Ministério Público, do Judiciário e das direitas. A Luiz I nácio Lula da Silva e a Dilma Rousseff. Ele precisa rever a sua política de obtenção de recursos e a sua relação com as empresas.







Saiba mais

Cronologia

A História do Brasil



1964

Golpe de Estado





1968

Revoltas estudantis



1974

Cruzeiro do Oeste



1979

Anistia no Brasil



1980

Nasce o PT



1989

PT versus Collor



2002

Lula eleito



2006

Lula reeleito



2010

Dilma é eleita



2014

Dilma reeleita



2018

Bolsonaro vence



2019

Tempo de resistência



Brasil 247


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