27 DE JULHO DE 2020
“O país é governado por alguém que tem as características do Anticristo, um espírito inimigo da vida, inimigo de tudo que é bom”, diz o teólogo LEONARDO BOFF, escritor e professor emérito de ética, filosofia da religião e ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em entrevista ao TUTAMÉIA, ele diz não é mais possível tolerar que “em um país como um nosso, que tem uma população tão sofrida, se coloquem ainda mais cruzes sobre ela”.
Boff denuncia o ataque de Bolsonaro às populações indígenas, sua política antipovo e que prejudica as comunidades mais carentes, especialmente durante a pandemia. E afirma que está nascendo uma nova consciência na humanidade, que diz que o mundo e o Brasil, assim como estão, não podem continuar, porque é perverso demais.
Por isso, ele conclama as mulheres e os homens de bem: “Temos de nos indignar, não aceitar o que está aí, mas mais do que tudo temos que ter a coragem de resistir, de ir à rua. Não acreditar nas fake News, criar grupos de reflexão de articulação, sermos solidários para com todas aquelas famílias que perderam seus entres queridos, apoiar os médicos, enfermeiros que sacrificam suas vidas. Ter a coragem de alimentar essa dimensão de luz em nós e a coragem de ir à rua para destituir esse homem, porque esse é a maior pedra que caiu sobre a população brasileira. Temos que transformá-la na base de um novo tipo de Brasil, generoso, cordial, hospitaleiro e que celebra a beleza e a grandeza da vida”.
Na entrevista, o teólogo também comentou a recém divulgada Carta aos Brasileiros assinada por 152 bispos e bispos eméritos do país, como o arcebispo emérito de São Paulo, dom Claudio Hummes, o bispo emérito de Blumenau, dom Angélico Sandalo Bernardino, o bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), dom Edson Taschetto Damian, o arcebispo de Belém (PA), dom Alberto Taveira Corrêa, o bispo prelado emérito do Xingu (PA), dom Erwin Krautler, o bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG), dom Joaquim Giovani Mol, e o arcebispo de Manaus (AM) e ex-secretário-geral da CNBB dom Leonardi Ulrich (leia a íntegra ao final desta reportagem).
“Eles estão assumindo essa tradição profética da igreja em nome daquilo que é específico da tradição de Jesus, em nome da defesa da vida. Eles falam o dialeto religioso, mas é um documento político, que vê a vida na sua totalidade, o bem comum dos seres humanos. Falam em nome disso. A linguagem é dura, e citam o criminoso duas, três vezes: Jair Bolsonaro é um homem antivida”, diz Leonardo Boff ao TUTAMÉIA (clique no vídeo acima para ver a entrevista na íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
O teólogo também comentou a campanha para que as Brigadas de Médicos de Cuba recebam o Prêmio Nobel da Paz: “Elas estão em sessenta países, salvando milhares de vidas. Enquanto estiveram no Brasil, em cinco anos fizeram mais de um milhão e cem mil consultas e atenderam a sessenta milhões de brasileiros. Mas houve um demente, inimigo da vida, que prefere a morte dos doentes do que a sua salvação, que os expulsou daqui. Mas eles estão pelo mundo inteiro, salvando vidas, arriscando as próprias vidas. Mais do que ninguém, as Brigadas de Saúde de Cuba merecem esse prêmio.
A seguir, alguns trechos da entrevista.
O BRASIL NA PANDEMIA
Vivo uma profunda indignação, sagrada indignação. Porque o desprezo, o ódio, o antivida está ganhando centralidade. O país está sem direção nenhuma e é governado por alguém que tem as características do Anticristo. A Escritura, quando fala do inimigo da vida, que usa o nome do Messias para atacar, mentir, enganar seu povo, [diz que] esse é o Anticristo. Mais do que uma pessoa, é um espírito inimigo da vida, inimigo de tudo que é bom. Estamos vivendo neste país uma situação que eu não aceito, me indigno, mas, por outro lado, me sinto impotente porque vejo que as instâncias que deviam e podiam atuar não atuam. São omissas. Se um dia esse presidente for levado ao Tribunal Penal Mundial por crimes contra a humanidade –como deve ser–, esses omissos devem ir junto, porque não defenderam seu povo, não defenderam a vida, entregaram o país à sua própria sorte.
Quero me associar a todos esses que lutam e resistem. Eu faço o que posso, todo escrevo um artigo, faço lives… Na minha idade avançada, não posso fazer mais do que isso, mas não posso tolerar que um país como um nosso, que tem uma população tão sofrida, que sobre ela se coloquem mais e mais cruzes.
Os omissos são duas instâncias: o Parlamento, especialmente Rodrigo Maia, que tem, mais de trinta pedidos de impeachment, e o Supremo Tribunal Federal, porque a Constituição não está aí para defender letra, ela foi feita parta expressar a vida de uma nação, defender o direito e a justiça para a população, e eles não o fazem. São omissos.
A centralidade para eles não é a vida, é um tipo de ordem que beneficia a eles e àqueles estratos das oligarquias que mantiveram o Bolsonaro, continuam o mantendo porque fazem muito dinheiro com as políticas neoliberais e antipovo que ele leva agora.
ATAQUE AOS INDÍGENAS
O maior crime que Bolsonaro fez foi negar aos indígenas água, remédios, insumos, tudo aquilo que podia salvar a vida deles, tudo isso foi negado por Bolsonaro. Ele fez um decreto de condenação aos indígenas. Repete aquilo que em 1808 Dom Juan Sexto fez: um decreto para fazer uma guerra de extermínio contra os krenak do Vale do Rio Doce. Bolsonaro tem essa concepção, de que os índios não são bem gente. Isso está revoltando a humanidade, e creio que deveria revoltar muito mais os legisladores, aqueles que têm poder de atuar, e não estão atuando.
AÇÃO DA IGREJA
Os 152 bispos que subscrevem essa carta, logo no início dizem que falam em nome da CNBB. É um momento em que a igreja não pode calar. Ela tem de sair, como saíram os bispos do centro-oeste, com Dom Pedro Casaldáliga e dom Tomás Balduíno, como o Grito da terra contra o Latifúndio. Eles estão assumindo essa tradição profética da igreja em nome daquilo que é específico da tradição de Jesus, em nome da defesa da vida.
Eles falam o dialeto religioso, mas é um documento político, que vê a vida na sua totalidade, o bem comum dos seres humanos. Falam em nome disso. A linguagem é dura, e citam o criminoso duas, três vezes: Jair Bolsonaro é um homem antivida. E é importante que o digam, e a população brasileira tem de se convencer de que nós estamos sendo vítimas de alguém que não ama o povo, que quer a sua destruição. Em discursos à nata mais reacionária dos Estados Unidos, Bolsonaro disse claramente: “Eu não tenho um projeto de país. Eu vim para desmontar tudo o que foi montado, e remontar o país”. Só que ele levou o país a três séculos atrás, e o remonta sobre as bases mais perversas, da escravidão, do genocídio, do ódio e do desprezo à vida.
VIRADA NA PANDEMIA, RESGATE DA HUMANIDADE
A pandemia tem uma dupla face. Ela é democrática, porque atinge todo mundo, ricos e pobres. Pega o planeta inteiro. Entretanto, ao mesmo tempo ela não é democrática: acentua gravemente as desigualdades porque as principais vítimas são aquelas que estão desguarnecidos, que não podem fazer o isolamento social, que não conseguem viver fora dos grupos, porque são pequenas casas onde vivem aglomerados. Essas são as principais vítimas.
Se imporia haver políticas de Estado para permitir que essas pessoas possam ser salvaguardadas. Um grande exemplo deu o bairro Paraisópolis, em São Paulo. Já que Dória, que quer ser candidato à presidência, um homem medíocre que abandonou a população, esse bairro se organizou em grupos. Criaram isolamento social, áreas arejas em que podem se defender, conseguiram insumos básicos, salvado mil vidas. A sociedade está se autodefendendo. Talvez a única alternativa para nos salvarmos é nós mesmos nos organizarmos.
Nós aqui temos um pequeno centro de defesa dos direitos humanos, que já persiste há quarenta anos, o nosso trabalho principal é recolher cestas básicas na cidade e levá-las às periferias. O mínimo que nós podemos fazer é levar alimento, levar álcool gel, levar os insumos básicos. Somos poucos, mas atendemos a mais de oitenta pessoas que vivem na rua e muitos outros que estão nas favelas e não conseguem sair.
Cada grupo que tem consciência humanitária deves e organizar, fazer alguma coisa pelo outro. Nós temos de resgatar a humanidade mínima, e resgatar a humanidade mínima é ver no outro um irmão, um companheiro com que eu compartilho o pão.
NOBEL DA PAZ
Uma das coisas mais extraordinárias que o socialismo cubano –e vamos insistir: tem de ser socialismo, porque o capitalismo jamais seria capaz disso—criou foram essas Brigadas de Saúde, que estão em sessenta países, que estão salvando milhares de vidas. Enquanto estiveram no Brasil, em cinco anos fizeram mais de um milhão e cem mil consultas e atenderam a sessenta milhões de brasileiros. Mas houve um demente, inimigo da vida, que prefere a morte dos doentes do que a sua salvação, que os expulsou daqui. Mas eles estão pelo mundo inteiro, salvando vidas, arriscando as próprias vidas.
Por isso, Adolfo Peres Esquivel e eu começamos uma campanha mundial para conceder o Prêmio Nobel da Paz a elas, a essas brigadas. Sua atuação é planetária, pega o que é mais importante no planeta, que é a vida, que eles estão salvando. Mais do que ninguém, as Brigadas de Saúde de Cuba merecem esse prêmio.
Já são milhares de pessoas que estão subscrevendo a proposta. Isso nos dá esperança. O papa João Paulo Segundo, depois que se deu conta da perversidade do capitalismo, disse: “Não podemos perder dois valores do socialismo, que são a solidariedade e o internacionalismo”. Ter a perspectiva não nacional, mas internacional: um planeta, uma casa comum, um destino comum, terra e humanidade. Esses dois valores do socialismo têm de ser preservados, e o papa dizia: “São valores da mensagem de Jesus”
Eles são socialistas, estão na linha do reino. Podem não ser católicos, cristãos, gente de igreja, mas estão no caminho de Jesus, que é salvar vidas para que todos tenham vida em abundância. Por isso merecem que os apoiemos, que vocês os apoiem, para que merecidamente ganhem esse Prêmio Nobel da Paz.
O POVO NA RUA
Vivemos hoje no Brasil uma situação singular. É o abandono do povo pelo governo, que não está interessado na vida, mas no negócio. Mais no dinheiro do que na saúde. Mais de um milhão de subscritores enviaram queixa ao tribunal internacional de crimes contra a humanidade, contra esse homem que é inimigo da vida, aquele que vive não do trigo, mas do joio, e espalha joio para tentar afogar o trigo, que é vida. Que seja urgente o julgamento porque há uma dizimação da população brasileira.
Sonho que chegará o momento que o povo saia à rua. Que faça tremer esse país contra esse inimigo que está lá em cima, que não cuida do povo e de sua saúde e que entregou todo mundo à sua própria sorte. Isso não é digno de um povo e nós temos o direito. Repito Emiliano Zapata, o grande revolucionário mexicano: se o governo não faz justiça ao povo, o povo tem o direito de não dar paz a esse governo. Chegará o momento em que esse país vai tremer. E ele não saberá onde se esconder. Porque quando o povo assume o poder no qual ele é o sujeito ele é capaz de fazer valer o primeiro parágrafo da Constituição e dizer: o poder sai de nós e tem que ser exercido em nosso nome e em defesa das nossas vidas.
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Leia a seguir a íntegra do documento assinado por bispos brasileiros e analisada na entrevista com Leonardo Boff.
“CARTA AO POVO DE DEUS”
“Somos bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo.
Evangelizar é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Alegria do Evangelho, 176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus […] (Lc 4,43 e Mt 6,33)” (Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é dom, compromisso e meta.
É neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor.
O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma “tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.
Este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença.
É dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro. Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra. “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020).
Todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo. É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população.
O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais.
O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas.
No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.
Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil. Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas de forma cruel. O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).
Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?
O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o recente “Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil.
Neste tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs. É sobretudo nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).
Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).
O Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós. O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26)
Tutaméia
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