© Avibras / Divulgação /
Ana Livia Esteves
Empresa-chave do setor de defesa brasileiro pode ser vendida para Alemanha ou Emirados Árabes Unidos, após entrar em recuperação judicial questionada por sindicato. Para o comandante Robinson Farinazzo, perda da Avibras seria tiro no pé e colocaria em risco a soberania brasileira.
Nesta semana, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região acendeu o alerta para a possível venda da empresa de produtos de defesa Avibras para conglomerados estrangeiros.
Empresas como a alemã Rheinmetall e a emiradense Edge Group estão de olho na empresa brasileira, que fabrica sistemas de lançamento de foguetes Astros e o míssil tático de cruzeiro AV-TM 300.
Míssil Antinavio Nacional de Superfície (Mansup) da Marinha do Brasil, fabricado pela Avibras e exposto na LAAD 2019© Sputnik / Thiago de Araújo /
O sistema de foguetes Astros passa por um bom momento em vendas internacionais e já foi testado e operado por cerca de nove países, informou o jornal Hora do Povo. A Avibras obtém cerca de 80% de suas receitas através de exportações, cifra que estava em tendência de alta.
De acordo com o especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, comandante Robinson Farinazzo, a venda de uma empresa estratégica para o setor de defesa a conglomerados internacionais não atende aos interesses do Brasil.
"Pior negócio do mundo. Principalmente se a venda for feita para a Europa, composta de países que reiteradamente questionam a nossa soberania sobre a Amazônia", disse Farinazzo à Sputnik Brasil. "Vamos vender a espingarda que defende o galinheiro para o lobo."
Conforme apurou o portal Relatório Reservado, a Avibras confirmou que "o governo brasileiro acompanha de perto a evolução" das negociações de venda da empresa.
O conglomerado alemão Rheinmetall conta com fábricas em 33 países e lucra alto com o conflito ucraniano. O grupo produz tanques Leopard que serão enviados por Berlim a Kiev e planeja abrir fábrica na Ucrânia, cliente que lhe garantiu aumento de 150% no preço de suas ações desde fevereiro do ano passado.
Soldados ucranianos e poloneses conduzindo um tanque Leopard 2 durante treinamento em uma base militar em Swietoszow, Polônia, 13 de fevereiro de 2023 © AP Photo / Michal Dyjuk
Já a Edge Group, dos Emirados Árabes Unidos, conta com intermediários influentes no cenário político brasileiro, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Em maio de 2022, o filho 0.3 do ex-presidente Bolsonaro esteve reunido com o Edge Group, ao lado do então secretário de assuntos estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, e do então secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, Marcos Degaut.
Para o comandante Farinazzo, a perda da Avibras seria "um tiro no pé", já que o Brasil perderia "capital humano com grande experiência, uma marca e a capacidade de fabricar produtos de defesa importantes".
Exército recebe viaturas Astros versão MK-6 do projeto estratégico do Exército Astros 2020
© ©Marcelo Camargo/Agência Brasil
Além disso, a empresa desenvolve projetos cruciais para o setor de defesa brasileiro, como os mísseis antinavio de superfície Mansup. Segundo o jornal Estado de São Paulo, o Exército brasileiro já investiu mais de R$ 100 milhões no projeto que, caso concluído, será o primeiro deste tipo a contar com tecnologias e componentes 100% nacionais.
"O sistema Astros não deixa a desejar em relação a nenhum similar no planeta. É primeira linha em qualquer lugar do mundo, o que é reconhecido internacionalmente", disse Farinazzo. "É uma arma atualizada, que todo país [...] precisa manter em seu portfólio."
Apesar da qualidade e importância dos produtos fabricados pela Avibras, a empresa enfrenta dificuldades há bastante tempo. Em 2022, a companhia pediu recuperação judicial pela segunda vez, após acumular dívida de R$ 500 milhões e demitir 400 funcionários.
Adestramento conjunto de salto livre operacional (SLOP) entre as Forças Singulares: Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira© Foto / COpEsp
Em nota técnica, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região declarou que a recuperação judicial da empresa é injustificada e que seu valor de mercado só tende a crescer. Para manter os postos de trabalho e a tecnologia desenvolvida pela Avibras no Brasil, o sindicato defende a estatização da empresa.
"Todo o investimento realizado desde 1940 pelo Estado brasileiro no complexo industrial militar corre o risco de ser adquirido por multinacionais [...] levando à transformação de fábricas brasileiras em simples maquiladoras", argumentou o sindicato em nota.
Farinazzo acredita que a estatização não deve ser "demonizada antes de ser estudada", mas lembra que essa situação poderia ter sido evitada, caso o Brasil tivesse uma "política de investimento perene no setor de defesa".
"A indústria de defesa precisa do investimento do Estado, isso é uma característica do setor", apontou Farinazzo. "As pessoas precisam mudar a mentalidade do neoliberalismo de que a indústria de defesa precise dar lucro. Mesmo que opere no vermelho, o governo precisa garantir a manutenção dela."
A Avibras está entre os principais fornecedores de armamentos para as Forças Armadas brasileiras, em particular para os Fuzileiros Navais. No entanto, as compras são consideradas insuficientes, o que levou a empresa a investir nas exportações.
Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se curva diante de uma guarda de honra em sua chegada ao Comando da Marinha do Brasil, em Brasília, 15 de março de 2023 © AP Photo / Eraldo Peres
A falta de política de Estado para investimento em Defesa está associada à ideia ultrapassada de setores da sociedade brasileira, que consideram o país "alinhado aos EUA e parte do bloco ocidental".
"Não é isso: o bloco ocidental é que faz ingerências no sentido de relativizar nossa soberania da Amazônia", alertou Farinazzo. "Ou mudamos a nossa mentalidade, ou o preço a ser pago será altíssimo."
No entanto, a mudança da mentalidade brasileira em relação ao setor de defesa e suas parcerias externas é "talvez o desafio mais difícil a ser superado".
Manifestantes contra a cúpula do G7 em Munique, na Alemanha, usam máscaras do presidente dos EUA, Joe Biden, e do presidente francês, Emmanuel Macron, em 25 de junho de 2022 © Kerstin Joensson
"O Brasil é um país cobiçado. Se não tivermos um arcabouço de defesa, não conseguiremos impor nossos objetivos de segurança nacional, e viveremos para sempre na pobreza, explorados e a reboque das grandes potências", concluiu o comandante.
No dia 23 de março, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região emitiu nota técnica repudiando a possível venda da empresa de defesa Avibras a conglomerados estrangeiros. O sindicato chamou atenção para salários atrasados de funcionários da companhia e defendeu sua estatização.
Sputnik
Nenhum comentário:
Postar um comentário