terça-feira, 22 de maio de 2018

Stédile: “as massas voltarão, e com mais força”


POR FERNANDO BRITO · 21/05/2018


João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadore Sem Terra, em entrevista a Renato Dias, no Diário da Manhã, de Goiás:

Primeiro, a deposição, sem crime de responsabilidade, de Dilma Rousseff. Segundo, as reformas ultraliberais. Terceiro, a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva. Três atos, interligados, de um golpe único?

João Pedro Stédile – Claro. Não precisamos ser paranóicos para apreender que tudo isso estava planejado. Em um script. É assim que funciona a lógica dos interesses dos capitalistas e das empresas transnacionais – leia-se império dos Estados Unidos no Brasil. Tudo começou por causa da crise econômica de 2008 e que veio com força ao Brasil, a partir de 2013. Quando há crise, cessa o crescimento, os lucros, o excedente de bens. Nesse contexto, a burguesia precisa ter o controle absoluto do Estado, para aplicar medidas que a protejam da crise e joguem todo peso da recuperação sobre a classe trabalhadora. É a história do capitalismo e se reflete aqui no Brasil também.
Veja que em fevereiro de 2017, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, escreveu um longo artigo no Valor e comparou a situação do Brasil, ao Titanic, que estava afundando e sem comando, sem direção. Ele só se esqueceu de seguir a descrição e dizer que nessas circunstâncias a primeira classe se apodera dos botes e se salva, e a segunda e terceira classes se afogam. Ainda eles tiveram o escárnio de botar a orquestra a iludir os que não teriam botes. É o papel da Rede Globo. Iludir. Os botes para burguesia se salvar são o controle dos poderes Judiciário, do Congresso Nacional e com o golpe do Executivo.

1954, 1956, 1959, 1961, 1964, 1985, 2016 e 2018, na História do Brasil República, possuem um fio de continuidade?

João Pedro Stédile – A situação atual tem uma similaridade mais apropriada com o que foram as crises de 1930, da década de 60 e a dos anos 80. Três períodos em que houve uma grave crise econômica no país. Sempre que há crise econômica, se acirra a disputa da luta de classes. Como consequência, a crise social. Os mais pobres pagam a conta, e uma crise politica, no sentido de que é necessário se criar uma nova maioria, uma nova hegemonia, que apresente um projeto de país. O capitalismo não representa mais progresso e solução para as maiorias. A saída da crise dependerá de um novo projeto, de uma nova hegemonia.

É possível Luiz Inácio Lula da Silva sair da cadeia?

João Pedro Stédile – Primeiro, Lula não cometeu nenhum crime. Não trocou nenhum favor de empresas. Com favorecimentos do seu governo. Não há absolutamente nada. Receber recursos de empresas para o Instituto Lula não é crime. O Instituto Fernando Henrique Cardoso vive com contribuições das mesmas empresas. A armação da Lava Jato com a fantasia do tríplex caiu por terra com a ocupação do MTST, que demonstrou a vergonha que é o apto. O juiz de Direito Sérgio Moro colocou na sentença uma nota fiscal de um elevador, que não existe. E fica por isso mesmo. A perseguição ao Lula é para impedi-lo de ser candidato, porque ele é o único representante da classe trabalhadora, com chances de ganhar da burguesia. Então, para a burguesia consolidar seu golpe e manter o poder por mais quatro anos, para ela poder sair da crise, ela precisa tirar o Lula do páreo, que significa tirar a classe trabalhadora, as maiorias do jogo eleitoral. A eleição sem Lula é uma fraude. Que não devemos obedecer.

Mesmo Lula preso, o PT registrará sua candidatura.Existe um Plano B para a Presidência da República?

João Pedro Stédile – Falar em Plano B é oportunismo eleitoral. Um suposto Plano B seria, na prática, condenálo e aceitar que o julgamento teria sido justo. Lula é inocente.

O fascismo assombra como um espectro o Brasil?

João Pedro Stédile – Uma onda reacionária e conservadora nas classes dominantes brasileiras vigorou em toda historia. Leia: Jessé de Souza A elite do atraso. O autor diagnostica a raiz desse pensamento, com 400 anos de escravidão. Casa Grande e Senzala. Aqui, no Brasil, temos ideias fascistas defendidas abertamente pela internet, mas não há um movimento fascista clássico. Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado podem representar uma parcela da elite reacionária.

Qual o futuro de Michel Temer após deixar o Palácio do Planalto?

João Pedro Stédile – Só o diabo sabe! Até as pedras conhecem os esquemas de corrupção que foram praticados antes e durante o golpe. Não somente em favor do PMDB. O seu patrimônio é incompatível com o salário de promotor, de professor ou deputado, funções que exerceu.Em São Paulo, o MST ocupou, em forma de protesto, uma fazenda de 1.200 hectares, que está no nome de um coronel da reserva, apenas um laranja.

O processo de Reforma Agrária no Brasil está parado?

João Pedro Stédile – A reforma agrária esta parada. Ela só se viabiliza com um projeto de desenvolvimento nacional do país. Como não há projeto para a agricultura brasileira, o que prevalece é o modelo do capital, o agronegócio, para a agricultura obter o máximo de lucro privado e espoliar a natureza. Não produzem alimentos. Não geram emprego. Não desenvolvem os municípios. Basta olhar a situação social dos municípios de Goiás. Em que o agronegócio tomou conta com a cana, o milho e a soja. O que ficou para o povo goiano? Nada, ou melhor, a migração, as favelas e o desemprego. O agronegócio quer apenas lucro. A maior parte do lucro produzido pela soja, cana, milho vai para o capital financeiro, e para as empresas que controlam o mercado mundial. Os fazendeiros ficam com apenas 13% da renda agrícola do agronegócio.

O que apontam os números da violência no campo?

João Pedro Stédile – Sempre que há uma crise, que a burguesia tem hegemonia total no poder, com o Judiciário, a mídia, o Congresso Nacional e o Executivo, a violência contra os trabalhadores aumenta. A vida dos trabalhadores que resistem, não vale nada para eles. Usam pistoleiros, Polícia Militar. Eles sabem que estarão impunes. A violência é maior nas regiões de fronteira agrícola. O capital disputa as terras públicas, os recursos da natureza e a mineração. Saímos de um padrão anual de 30 assassinatos, para mais de 70 por ano, depowis do golpe, segundo os levantamentos da CPT.

Não há, hoje, uma apatia dos movimentos sociais urbanos e rurais?

João Pedro Stédile – Sim. Há uma apatia geral do povo brasileiro. Mas, o povo, agora, percebeu que o golpe foi contra ele e ele está pagando com desemprego, trabalho precarizado, perda de direitos, de moradia, aumento do gás, para aumentar o lucro dos acionistas da Petrobras. Com reflexo nos movimentos populares Apenas mediações do povo. A história, porém, demonstra que isso é passageiro. O movimento de massas se move, às vezes com refluxo, adormecido, mas volta e com mais força. Eles que nos aguardem


Tijolaço

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