Mauro Santayana
Nos meses fervilhantes de 1963, que antecederam o golpe militar, eu subia, com os professores de direito e homens públicos Edgard da Matta Machado e Alberto Deodato, a Rua da Bahia, eixo político e social de Belo Horizonte. Deodato, sergipano, que vivia em Minas desde moço, era advogado de latifundiários, assumia a sua posição de direita e convivia, com amabilidade, com pessoas de esquerda, como éramos Edgard e eu. De repente, ele, bem humorado, parou e comentou que contrariava a lógica e a física: como caminhava entre nós dois, estava entre a esquerda e a esquerda.
A Espanha, nas eleições de domingo, está entre a direita e a direita. Por mais o PSOE busque recuperar o discurso, seus porta-vozes de hoje estão afônicos: os sonhos de Pablo Iglesias, o fundador do socialismo espanhol, foram varridos pela timidez de Zapatero e seu grupo. Mas a Espanha não é um caso isolado. A esquerda está nas ruas, com os indignados do mundo inteiro, mas sem líderes, sem projetos e sem programas. Mesmo que os indignados espanhóis quisessem, não teriam em quem votar. Em seu desconsolo, tanto faz sufragar Rubacalba quanto Rajoy. Por isso mesmo espera-se a vitória do conservador, por ser uma alternativa ao que já se conhece.
O bipartidarismo de fato, que muitos admiram e querem, fecha o passo a terceiras idéias e novas personalidades. Desde a eleição de Felipe González que os socialistas buscam o acomodamento na Espanha. Naquele momento, a tática da moderação era necessária. É de se recordar que, nos debates no Parlamento, para a aprovação do nome do então jovem advogado andaluz como chefe de governo, em outubro de 1982, o chefe de fila da direita, Manuel Fraga Iribarne, comentou que Felipe aparecia na arena como un toro afeitado, ou seja, um touro com os chifres serrados, com discurso apaziguador. Mas Fraga advertiu que fora um touro de chifres aparados que matara o famoso toureiro Manolete em 1947, em Liñares.
Felipe foi um bom governante, na garantia das liberdades públicas, mas se manteve tímido na frente econômica, sem avançar sobre os Acordos de Moncloa, negociados pelo seu predecessor Adolfo Suarez. Os endinheirados, que vinham de Franco, mesmo que hajam cedido um pouco, continuaram governando de fato o país, mediante os bancos e as grandes corporações.
Essa falta de ousadia e outros equívocos levaram a direita a tomar o poder, em 1996, com Aznar, saudoso do franquismo e vassalo fiel de Washington. Ele ficou famoso pelo seu atrevimento ao tratar a América Espanhola como nos séculos 16 e 17, quando no auge do Império colonial.
Como é sabido, Aznar chegou a telefonar para o presidente argentino Eduardo Zuhalde, ordenando-lhe, com grosseria, que acatasse as exigências do FMI.
Zapatero começou com algumas esperanças, ao reduzir a submissão a Washington, ao retirar o grosso de suas tropas do Iraque, mas, pouco a pouco, foi aceitando as pressões, internas e externas, associando-se aos banqueiros e às corporações empresariais.
Desviando recursos recebidos da União Européia, financiou a compra de empresas estatais e privatizadas na América Latina – incluído o Brasil – em continuação à política neoliberal da direita. Com isso, ao não usar os recursos no próprio país, contribuiu para a grave crise econômica atual. A um sucedâneo da direita, que era o seu governo, os eleitores indecisos preferem o original, e votam agora em Rajoy. O mesmo fenômeno pode ocorrer na Europa, nos poucos países em que governos de centro e centro esquerda detêm o poder.
Mas muitos dos desiludidos dos partidos tradicionais, que agravaram a situação de desemprego, vão mais à direita e procuram os partidos racistas como alternativa. Há, assim, a rearticulação dos nazistas e fascistas, com seu ódio contra os estrangeiros, como ocorreu há dias na grande manifestação da ultra-direita em Varsóvia. O massacre da Noruega é uma séria advertência que os governantes estão desprezando.
Há, no entanto, duas possibilidades de que o centro-esquerda ganhe os pleitos futuros: a França, desanimada de Sarkozy e de seus crimes na Líbia; e a Alemanha de Angela Merkel, cuja política, ainda que bem sucedida em termos econômicos, dá sinais de fadiga.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
Carta Maior
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