por Luis Nassif — publicado 15/06/2015 09h59, última modificação 15/06/2015 10h00
Um país tomado por perda de confiança nas notícias e nas políticas públicas
Dois aspectos da atualidade brasileira mereceriam, no futuro, uma análise mais acurada de historiadores ou cientistas sociais.
Um, o curto circuito que tomou conta do sistema de informações do país com a deturpação reiterada de notícias e versões. O segundo, o processo de engessamento gradativo que toma conta da administração pública quando o presidente não consegue delinear um projeto de governo.
Todos os órgãos de controle se sentem no direito de tirar sua casquinha, independentemente da legitimidade ou não dos pleitos, seja a Câmara, o Ministério Público ou o Tribunal de Contas da União.
Cria-se um pandemônio em que os temas relevantes são nublados pelos factoides, as críticas necessárias soterradas por uma avalanche de factoides sem justificativa.
É o que aconteceu com a acusação do TCU de que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) praticou “pedaladas” fiscais com o Bolsa Família.
Por “pedaladas fiscais” entende-se efetuar operações de crédito que promoveriam endividamento, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O MDS tem um contrato de prestação de serviço com a Caixa Econômica Federal (CEF), do mesmíssimo molde de políticas anteriores de transferência de renda, como a Bolsa Escola.
Os pagamentos estão disponíveis a partir do 10º dia antes do final do mês. Nem todos sacam no primeiro dia. A média é de 70%. O MDS, então, deposita 70% do valor total, ou R$ 2,2 bilhões, e o restante nos dias seguintes.
Como é um fluxo irregular, há dias em que a conta fica com o saldo positivo, e dias em que fica com saldo negativo. Nos dias de saldo positivo, a CEF remunera o saldo pagando ao Tesouro. Nos dias de saldo negativo, cobra juros, que são quitados em seguida.
No ano passado, a remuneração dos valores depositados rendeu R$ 20 milhões para a União. Entre 2012 e 2014, R$ 75,8 milhões.
Em 2013 e 2014 o número de dias em que a conta ficou negativa foi muito inferior aos dias em que ficou positiva – portanto recebendo juros que revertiam para o Tesouro.
Em 2014 foram 185 dias com saldo positivo contra 56 com saldo negativo; em 2013, 232 a 11.
Em 2014, a União recebeu R$ 32,6 milhões de juros da CEF e pagou R$ 12,5 milhões. Ou seja, teve um saldo positivo de R$ 20 milhões. Nos últimos três anos, foram R$ 89,5 milhões recebidos contra R$ 13,6 milhões pagos.
Mais: não se criou um endividamento sequer, que é sempre o alvo da LRF.
Esse tipo de contrato vigora desde 2001, firmado com órgãos dos mais variados, da Casa Civil, ao Ministério da Educação, da Saúde ao Desenvolvimento Agrário, Previdência. E baseia-se em um contrato inicial firmado em 2001 entre a CEF e a Secretaria de Estado e Assistência Social, vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social.
Em outros anos, o TCU auditou todas as cláusulas do contrato e aprovou. O que mudou então? Mudou o entendimento, a jurisprudência? Esse veto resultou em alguma orientação nova, alguma sugestão de aprimoramento?
Nada. Apenas faz parte dessa atoarda infernal que tomou conta do país por conta da perda de confiança nas notícias e da falta de confiança nas políticas públicas.
Carta Capital
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