23 de junho de 2015
Conflito de versões entre Yousseff e Paulo Roberto Costa questiona credibilidade da delação premiada, base da Lava Jato
A acareação entre o doleiro Alberto Yousseff e o ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa terminou num conflito inconciliável de versões, levando a uma conclusão óbvia: um dos dois está mentindo.
Ocorreu aquela situação na qual, com o perdão do vocabulário, mas apenas em respeito às palavras originais de um procurador que alertou para o risco que uma acareação representar. Lembrou o que costuma acontecer quando se mexe em “bosta seca….” Você pode imaginar, certo?
É razoável perguntar o que acontece daqui para a frente.
Foi a partir da delação premiada dos dois que o Ministério Público construiu a denuncia da Lava Jato, emparedou Lula, esvaziou o governo Dilma e criou um ambiente de terror nos meios políticos e na economia.
A base da delação premiada reside na confiança absoluta do delator que, obviamente, não pode mentir. Também não pode fantasiar fatos, nem permitir-se um exercício que os psicanalistas chamam de fabulação. A simples delação premiada de Alberto Yousseff já era colocada em dúvida antes disso. Está provado que ele mentiu em outra investigação, sobre o Banestado. Por esse motivo, o juiz aposentado Gilson Dipp, um dos maiores especialistas no assunto já questionou seu depoimento, em parecer enviado ao Supremo.
Sabemos agora que Costa e Yousseff não lembram dos mesmos fatos quando falam de uma possível entrega de R$ 2 milhões para a campanha de Dilma, num pagamento que teria Antonio Palocci como intermediários. Sabemos também que enxergaram coisas diferentes quando se referem a um pagamento para Roseana Sarney.
Do que mais não irão lembrar-se daqui para a frente? Do que mais irão esquecer?
Vamos contratar psicólogos a quem se atribui o poder de reavivar a memória de crianças traumatizadas?
Embora a delação premiada seja aceita em várias partes do mundo, o método empregado nas investigação da Lava Jato não é garantia de um esforço para se obter a verdade. Numa forma óbvia de coerção, os acusados enfrentaram longos períodos de prisão preventiva antes de serem convencidos a falar.
Por isso, é sempre bom repetir aqui os ensinamentos da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1966, quando estabeleceu regras para garantir que um acusado tivesse o direito de não ser induzido, pela polícia, a confessar um crime. Veja só. Não se falava de delação. A preocupação era impedir impedir que o sujeito seja levado a se auto-acusar. Imagine as cautelas necessárias para impedir que ele acuse outra pessoa — um exercício menos doloroso, vamos combinar, ainda mais quando pode trazer vantagens a quem acusa. Diz que a resolução:
“Concluímos que, sem salvaguardas próprias, o interrogatório sob custódia de pessoas suspeitas ou acusadas de crime contém pressões que operam para minar a vontade individual de resistir para que não seja compelido a falar quando não o faria em outra circunstância. Para combater essas pressões e permitir uma oportunidade ampla do exercício do privilégio contra a autoincriminação, o acusado deve ser adequadamente informado de seus direitos e o exercício desses direitos deve ser completamente honrado.”
Preste atenção o princípio: a delação tem valor quando é voluntária, livre de ” pressões que operam para minar a vontade individual de resistir.”
Quem se der ao trabalho de conhecer uma teoria chamada Dilema do Prisioneiro, irá entender o que digo. A base se encontra na internet mas é possível fazer um resumo. Estudiosos das técnicas de interrogatório compreenderam que é possível manipular membros de uma mesma quadrilha, já aprisionados, jogando uns contra os outros, quebrando a confiança que possa existir entre eles e convencendo todos a falar mais do que gostariam. A experiencia ensina que a teoria funciona.
Mas, como tudo que envolve pontos sensíveis da alma humana, produz depoimentos longos, detalhadas mas que nem de longe são garantia de verdade. Essa é a questão.
Ouvi, há quinze anos, o depoimento reservado de um engenheiro que dizia ter testemunhado o funcionamento de um milionário esquema de superfaturamento de obras e lavagem de dinheiro na gestão de Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo. O assunto virou manchete por meses. Na hora de depor a Justiça, quando suas palavras teriam o poder de inocentar ou condenar, ele voltou atrás, disse que havia se enganado e o caso foi encerrado.
O escândalo de delação premiada contra o governo de José Roberto Arruda, do Distrito Federal, baseava-se na delação premiada de um secretário de Estado. Instruído pelo Ministério Público, ele gravou vídeos que continham diálogos e imagens nas quais entregava-se dinheiro para parlamentares, secretários — e o próprio governador. O problema é que os vídeos eram editados, não era possível verificar quando a gravação havia começado e quando havia terminado — o que alimentava a suspeita de montagem. As provas foram anuladas.
Uma delação é sempre um depoimento complicado. Isso porque ela é motivada pelo interesse de uma pessoa acusada em livrar-se, de qualquer maneira, de uma acusação. A palavra do co-réu é sempre colocada em dúvida, aprende-se nos cursinhos preparatórios de uma faculdade de Direito.
Quando falamos de delação premiada, estamos acrescentando uma complicação a mais: a pessoa negocia cada palavra, cada frase, em troca de um benefício. O acerto é consciente, escancarado. De certa forma, é um negócio.
Uma mentira — ou duas, para ser mais preciso — é tão preocupante que os advogados dos réus anunciam para breve uma reconciliação de versões. Isso quer dizer que teremos, em breve, a versão premiada?
Blog do Paulo Moreira Leite - Brasil 247
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