segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Os militares e o projeto nacional desenvolvimentista

SAB, 01/08/2015 - 19:30


Por Ion de Andrade

Ou a quem dará a sua entrevista exclusiva o almirante Othon quando sair das masmorras de Curitiba?

A guerra fria produziu uma polarização mundial pela qual a adesão dos países a um dos dois lados em disputa era uma obrigação. Não havia espaço para posições “independentes”, sobretudo naquilo que se convencionou considerar como área de influência das grandes potências. Nessa divisão geopolítica o Brasil e a América Latina eram parte, entre os anos 60 e 80, da metade americana do mundo. Naquela época a aliança política pró-americana que sustentava o governo contava com o protagonismo estratégico dos militares leais ao mundo americano.

Esse consenso, capaz de derrubar governos nos anos 60 e 70, incrivelmente não durou muito. Já no governo Geisel eclodiu uma fratura de natureza nacionalista resultando no rompimento do tratado militar com os EUA. O Brasil foi também o primeiro país do mundo a reconhecer o governo comunista de Angola em 1975 e nessa mesma leva de iniciativas um acordo de cooperação na área de energia nuclear foi firmado com a Alemanha, acordo este que deu origem às usinas nucleares brasileiras. Para além do bem e do mal, o mundo multipolar que conhecemos hoje ia nascendo no interior mesmo da ordem americana.

Reconheçamos que, reinando absolutos, os militares não somente não destruíram a Petrobrás como deixaram uma infraestrutura com desdobramentos atuais importantes no plano da defesa e da alta tecnologia. São exemplos a nossa indústria nuclear e a aeroespacial, pois a Embraer e o programa espacial brasileiro nasceram sob os auspícios da Aeronáutica.

Se esse legado militar pode ser dignamente integrado ao Brasil contemporâneo, o braço civil da aliança que deu suporte a 64 teve evolução bem menos honrosa. Agrupado em torno de algumas famílias bilionárias da mídia, permaneceu inteiramente fiel à velha americanofilia. Esse braço civil pode ser responsabilizado pela condução política de um sem número de áreas, através da Arena e de seus sucedâneos. O seu maior legado foi ter conseguido a proeza inapagável de converter um país rico e fértil como o Brasil numa pátria de famélicos e miseráveis. Sua adesão de fachada à democracia poderia fazer crer aos incautos que jamais apoiou o regime militar. Recentemente algumas emissoras, preocupadas com o distanciamento político que vêm experimentando dos militares, vêm plantando programas de humor e outros onde as lutas dos anos 60/80 vêm à baila. Essas iniciativas, que pela crítica à ditadura, poderiam parecer cheias de espírito democrático, visam, na verdade, através da exploração de um tema doloroso para a nação, impedir ou atrasar a reconciliação nacional necessária ao enfrentamento dos desafios atuais.

O projeto nacional desenvolvimentista do qual tomam parte diversos partidos do campo democrático, inclui também as megaempresas nacionais e o complexo industrial de defesa, um legado tecnológico atualíssimo, estratégico e, sim, originado, em boa parte, do regime militar.

A prisão do Almirante Othon, respeitadíssimo no mundo da ciência, (para evitar que acertasse suas repostas ao juiz Moro com os seus asseclas...), põe em evidência o fato óbvio de que, para além de políticos comprometidos com o projeto nacional desenvolvimentista e megaempresários, temos agora preso um desses personagens que representa o ciclo de desenvolvimento tecnológico gestado, por motivação nacionalista, no contexto do regime militar. Todos supostamente corruptos, incluindo-se entre os presos alguns corruptos de verdade que legitimam às prisões, sem julgamento, inclusive daqueles que serão inocentados.

Ao que parece, além dos doleiros, os que podem ser presos sem julgamento no Brasil de hoje por agentes públicos que viajam regularmente à América para pedir ajuda, são os que se alimentam de algum grau de nacionalismo ou o viabilizam. Qualquer autoridade pública que pense num Brasil grande, autônomo e com voz própria no cenário internacional parece que corre o risco de ser desonrado em praça pública sem julgamento, principalmente se tiver ousado estar à frente, como o almirante Othon, de uma estatal estratégica.

Quantos serão os manifestantes de 16 de agosto que aceitarão o convite das forças políticas que apoiam, sob o manto da luta contra a corrupção, a desmoralização do país e o enfraquecimento do patrimônio econômico do Brasil cujo resultado produz convergência completa com os interesses geoestratégicos dos EUA? Será que terão coragem, com o pai da tecnologia nuclear brasileira engaiolado em Curitiba, de pedir uma intervenção militar contra um governo que, apesar dos problemas, vem tentando, por lealdade ao Brasil, assegurar o desenvolvimento desse legado estratégico?

Penso que o não protagonismo dos militares nessa crise contemporânea se deve também ao fato de que estão enxergando, e muito bem, o que querem os golpistas. Pode ser até que sejam conservadores em sua maioria, mas tudo leva a crer que não aderem ao entreguismo ou o seu legado industrial não existiria. O que pensam os militares realmente da proposta de José Serra de secundarizar o papel da Petrobrás no pré-sal, quando estão construindo submarinos nucleares para defendê-lo? Acham ótima?

A afirmação do Ministro da Defesa Jaques Wagner de que nos segredos nucleares a PF não põe a mão me fez lembrar as escaramuças do Brasil dos anos 30, mas pela primeira vez um representante das Forças Armadas advertiu à Lava Jato para a existência de uma linha vermelha. Cabe imaginar o que ocorreria se a PF tentasse. Encontraria os fuzileiros navais em armas em torno da Eletronuclear ou do estaleiro da marinha a defender o direito sagrado do Brasil à sua autodefesa? Estamos nos anos 30.

O governo atual é parte do projeto nacional desenvolvimentista, os militares o defendem e parece que começaram a pagar por isto e as megaempresas nacionais, detentoras de tecnologia e experiência internacional ataram o seu destino a ele.

Mais do que o poder político, o que está em jogo hoje é o futuro da nação. O Itamaraty, aliás, deveria posicionar-se em defesa da Odebrecht nos países em que as investigações para a sua destruição estão em curso. É preciso avisar a esses governos que atrás daquela empresa está o Brasil, que nós já entendemos o jogo e sabemos retaliar.

O que me atiça a curiosidade hoje é a quem o Almirante Othon vai dar a sua entrevista exclusiva quando for liberado das masmorras de Curitiba.


Jornal GGN

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