quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Stiglitz diz que BC brasileiro estrangula a economia

QUA, 20/01/2016 - 18:41


Jornal GGN - Para Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, a política monetária aplicada pelo Banco Central no Brasil estrangula a economia, e ela deveria se contrapor aos efeitos da queda do preço das commodities. Ele também acha que o BC deveria considerar os efeitos da Operação Lava Jato, reconhecendo que este é um período em que haverá restrição de gastos com contração da construção civil.

Stiglitz também diz que a ideia de aumentar os juros para conter a inflação é uma teoria desacreditada, e que é preciso saber qual é a fonte da inflação. "Não é bom ter inflação em disparada, mas também não é bom matar a economia. E eu acho que eles (o BC brasileiro) perderam esse equilíbrio", afirma. Leia mais abaixo:

Do Estadão


Às vésperas da reunião do Copom, em que se acredita que o Banco Central pode subir mais uma vez os juros, Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, disse em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, que o BC brasileiro estrangula a economia. Para ele, a política monetária do Brasil deveria se contrapor aos efeitos depressivos da queda do preço das exportações e da Operação Lava Jato. Sobre o quadro mundial, o economista avalia que a economia terá desempenho em 2016 igual ou pior ao de 2015. O Nobel também considera o aumento da desigualdade como outro fator que reduz a demanda global. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.

Como o sr. vê os atuais problemas do Brasil?

A característica distintiva do Brasil é que a política monetária estrangula a economia. Vocês têm uma das mais altas taxas de juros no mundo. Se o Brasil reagisse à queda no preço das exportações com medidas contracíclicas, o País talvez pudesse ter evitado a intensidade da atual crise. Outra questão é que, sempre que ocorrem escândalos de corrupção da magnitude do que acontece agora no Brasil, a economia é jogada para baixo. Isso cria uma espécie de paralisia. O sistema legal no Brasil está colocando muita gente na prisão. Não estou dizendo que não deveriam fazer isso, mas a política monetária deveria reconhecer que este é um período em que haverá restrição de gastos, particularmente no setor público, em que as pessoas serão mais cautelosas em tomar decisões, em que a construção civil vai se contrair.

Mas a inflação está muito mais elevada que o teto de tolerância do sistema de metas.

O modelo que diz que, se a inflação está alta, você sobe os juros é uma teoria que foi desacreditada. É preciso saber qual é a fonte da inflação. Se for excesso de demanda, aí você sobe juros, porque tem de moderar a demanda. Mas se for um impulso dos custos, você tem de ser cuidadoso. Nesse caso, a forma pela qual a alta dos juros reduz a inflação é matando a economia. Se você conseguir desemprego o suficiente, os salários são deprimidos, e você segura a inflação. Mas isso é matar a economia. Não é bom ter inflação em disparada, mas também não é bom matar a economia. E eu acho que eles (o BC brasileiro) perderam esse equilíbrio.

No Brasil, muita gente acha que a culpa é da política fiscal, e não do Banco Central.

Quando a economia se desacelera, as receitas tributárias caem e ocorrem déficits. Se a economia for estimulada, a receita sobe. Dessa forma, a política monetária pode ajudar a política fiscal.

Então o problema no Brasil é a política monetária?

Na verdade, vocês têm dois problemas: o colapso do preço das exportações e o escândalo de corrupção. O que eu disse é que a política monetária deveria se contrapor a esses fatores, mas, em vez disso, ela está agravando o problema.

Como o sr. vê a economia global hoje?

Meu diagnóstico não é nada complicado: há falta de demanda agregada global. Mesmo antes da crise, o que sustentava a economia americana era uma bolha artificial. Se não fosse por ela, a economia teria sido fraca.

Por que a demanda global está fraca?

Olhando em volta do mundo, há quatro razões básicas. A primeira é a desigualdade. As pessoas no topo não gastam tanto (como parte da sua renda) quanto as pessoas na base. Então, à medida que a desigualdade cresce, a demanda se enfraquece. Em segundo lugar, há transformações estruturais acontecendo em quase todos os países. Nos EUA, a transição da indústria manufatureira para os serviços. Na China, das exportações para a demanda interna. Mas os mercados são duros em conduzir essas transições. Tem sempre gente que fica para trás, o que contribui para a desigualdade. Os setores que ficam para trás não podem demandar bens. Em terceiro lugar, a zona do euro está uma bagunça, com políticas econômicas que contribuíram para reduzir o crescimento.

O sr. se refere à austeridade?

Sim, até nos EUA temos uma forma moderada de austeridade, pela pressão política dos Republicanos. Nós temos meio milhão de empregos menos no setor público do que tínhamos em 2008, antes da crise, e, se houvesse uma expansão normal da economia, seriam dois milhões mais. Então temos austeridade nos EUA.

E qual seria o quarto fator para a demanda global enfraquecida?

Sempre que há uma perturbação como a queda do preço do petróleo. Todo mundo esperava que o preço mais baixo estimularia a demanda, mas se esqueceram de que se trata de redistribuição. Os vendedores perdem e os compradores ganham. Se os vendedores diminuem seus gastos em exatamente o mesmo volume que os compradores aumentam, não há nenhuma mudança. Mas há assimetrias. Muitas vezes os que perdem têm de contrair o seu gasto, dólar por dólar, e aqueles que ganham economizam, pois não sabem se o ganho é temporário ou de longo prazo. E os desdobramentos podem ser ainda piores em termos de investimento – uma das fontes de crescimento nos EUA e outros países vinha sendo o investimento em hidrocarbonetos (petróleo e gás). E isso foi cortado. Os efeitos são enormes. Da mesma forma, a desaceleração na China provoca a queda do preço do minério de ferro, e os ganhadores não gastam mais tanto quanto os vendedores gastam menos.

Qual a sua previsão para 2016?

É provável que essas tendências que eu descrevi continuem este ano. Se eu fosse otimista, eu chamaria atenção para o fato de que o orçamento americano acabou sendo melhor do que o esperado, mas há muitos fatores negativos. Não vejo nada positivo na Europa. Acho que muita gente esperava a desaceleração na China, mas não o tamanho da turbulência financeira. Tudo isso me diz que 2016 será tão ruim ou pior do que 2015.

O problema da economia global é demanda, para o senhor. Qual seria a terapia?

A terapia econômica é fácil. O problema é a política. Em termos econômicos, precisamos de um aumento dos gastos do governo nos EUA e na Europa. Nos dois casos, os setores públicos podem tomar emprestado a juros muito baixos. E, por outro lado, é preciso investimento em tecnologia, educação, infraestrutura. Isso estimularia a economia. Compraríamos mais do Brasil, o que ajudaria vocês. Na Europa e nos EUA, temos espaço fiscal, vocês têm menos. Mesmo que os EUA estivessem preocupados com o déficit público, podemos elevar impostos. Nossos impostos são muito baixos. Podemos aumentar impostos, conseguir mais igualdade.

E qual o obstáculo para isso?

O problema maior está nos EUA e na Europa, e se resume à política. Na verdade, é um pouco mais complicado. Nos EUA, é apenas a política. Acredito que há um amplo sentimento no Partido Democrata em favor das políticas que acabei de descrever. Na Europa, é complicado por causa da ideologia alemã. Tenho dúvida de que, caso a oposição vencesse, haveria uma mudança. Os alemães reescreveram a história para acreditar que a inflação foi o problema principal (na ascensão do nazismo), mas o que causou Hitler foi o desemprego. E eles se esqueceram disso. Eles esqueceram que o desemprego é a verdadeira causa da instabilidade social. E eles promovem políticas que causam o desemprego. Então a zona do euro tem de ser reformada, e isso é mais difícil, é um problema estrutural.



Jornal GGN

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