Postado em 03 Oct 2016
por : Kiko Nogueira
Trajano
O jornalista José Trajano foi demitido da ESPN depois de 21 anos de casa na semana passada.
Um dos comentaristas esportivos mais conhecidos do país, âncora do “Linha de Passe”, ele tem como marca registrada adjacente a militância política.
Brizolista, Trajano se manifestou em diversas ocasiões contra a escalada da direita, especialmente depois do golpe.
Gravou vídeos chamando para manifestações, falando o que precisava ser dito, e chegou a discursar num caminhão no Largo da Batata, em São Paulo.
Sua dispensa aconteceu após uma participação num ato de apoio a Fernando Haddad na Casa de Portugal. A direção do canal alega que foi por contenção de custos, mas você precisa ser um inocente para não juntar os pontinhos.
“O macartismo está no ar”, disse ele ao DCM do Rio de Janeiro, onde está descansando (ele é um orgulhos filho da Tijuca). Seu depoimento:
Eles dizem que não foi retaliação política, mas não é possível que não tenha sido isso também. Falaram em contenção de despesas.
Quando deixei a direção da ESPN, cinco anos atrás, eu ganhava pela CLT e um plus como comentarista. Fizeram um novo contrato, que incluía a função de “consultor”. Passei a receber por participação nas atrações.
Toda semana, dois programas. Se fosse para fazer economia, podia fazer só o da segunda. No início, ganhava 3 500 reais por participação, mais 4 500 reais no Linha de Passe [onde era titular].
Nos últimos anos, me chamaram umas três vezes por causa de coisas como vídeos que gravei conclamando as pessoas a ir a manifestações. O diretor, German Von Hartenstein, me falava que “isso é chato para nós etc”.
Antes da Olimpíada, me deram um papel para assinar, segundo o qual que os “talents” da ESPN não devem se envolver em questões políticas etc. Diretrizes da matriz nos EUA.
Eles me diziam, nesses encontros, que eu era a cara da ESPN etc. Bom, então mandaram embora a cara da ESPN. Não assinei o documento. Nem sei mais onde está.
Acabou a Olimpíada e eu fui pra Portugal. Eu podia tirar férias, de acordo com o contrato. Voltei numa segunda feira e já fui fazer o programa. Estava de jet lag.
Me chamaram na quinta. Esse período é complicado na empresa. O ano fiscal é o americano, que vai até 31 de setembro. Por isso tem muita demissão nessa época.
O German começou de maneira amistosa. “Viu a lanchonete nova?”, perguntou. Depois de um tempo, soltou: “Tenho uma notícia ruim pra você. Estamos em contenção de despesas e temos de dispensar você. Nossa advogada já está ali e nós vamos pagar a multa”.
Basicamente, foi assim.
Me impressionou muito a solidariedade. No Facebook, pelo WhatsApp, na imprensa… Não sei o que vou fazer, mas agora não tem mais ninguém pra me encher o saco.
Depois de 21 anos no mesmo lugar, eu fui pego de surpresa. A relação com a ESPN era diferente da que eu tinha em outros lugares porque que sou criador do canal. É forte.
Fica claro que eles não gostavam do que eu fazia. Incomodava, inclusive, a direção nos Estados Unidos. Soube disso internamente. Mandaram um vídeo meu para lá.
A briga com o Gentili também foi decisiva [Trajano criticou a presença do ex-comediante no “Bate-Bola Debate’’, referindo-se a ele como “um personagem engraçadinho que se posta como se fosse um sujeito que faz apologia do estupro, em nome do humor”].
A direção tomou como uma coisa desagradável. Minha saída foi a soma disso tudo. Eu era monitorado. Numa dessas reuniões com o German, ele comentou o discurso que fiz no caminhão durante um protesto no Largo da Batata.
“Você falou da união das esquerdas”, ele me disse. Foi mais um pontinho na minha ficha. Dois dias antes da minha demissão, fui à Casa de Portugal num ato em solidariedade a Haddad. Tinha foto minha do lado do Lula. Na manhã seguinte marcaram a conversa com o German.
O episódio do Sidney Rezende não tem a ver com o meu, mas são perseguições diferentes [Sidney foi dispensado da GloboNews em novembro de 2015 após chamar a atenção para a “demonização” do governo Dilma].
Cada caso é um caso, mas todos têm ligação entre si. Eu não me arrependo. Lembro do Niemeyer num Roda Viva, quando ele fez 80 anos. Numa certa altura, ele falou: “No Brasil, só o paredón pode resolver”. Quando cobraram dele essa declaração, ele devolveu que já tinha 80 e podia falar o que quisessem porque iam chamá-lo de gagá.
Eu faço 70 esse mês. A ESPN me deu esse presente. O Juca citou o Darcy Ribeiro, meu mestre, num artigo. O Darcy se orgulhava de suas derrotas.
O macartismo está no ar, em situações diferentes.
Sobre o Autor
Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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