POR FERNANDO BRITO · 24/10/2016
O interesse imediato pode ser, nas “sábias” palavras de Romero Jucá, estancar a Lava Jato, agora que ela já cumpriu seu papel de derrubar o governo e desarticular a esquerda.
Mas entrevista – talvez seja melhor chama-la de “destampatório” – de Gilmar Mendes à Folha de hoje tem o mérito de colocar a nu o movimento corporativo e o arreganho de poder – não que Gilmar seja contra eles, desde que sejam privilégios das altas esferas – que marca a Justiça brasileira.
Alguns trechos, para que o leitor avalie a gravidade do que ele diz, a começar sobre o projeto de lei que caracteriza o abuso de autoridade, que é o “grande demônio” aos olhos de Sérgio Moro, das associações de magistrados e do MP:
Parece que eles (os juízes e promotores) imaginam que devam ter licença para cometer abusos! O projeto é de 2009 e não trata exclusivamente de juízes e de procuradores, mas sim de todas as autoridades: delegados, membros de CPIs, deputados. (…)temos que partir de uma premissa clara: a definição de Estado de Direito é a de que não há soberanos. Juízes e promotores não são diferentes de todas as outras autoridades e devem responder pelos seus atos.E a verdade é que nós temos um histórico de abusos que vai de A a Z, do guarda de trânsito ao promotor, de prisões abusivas, de vazamento de informações sigilosas, para falar apenas das coisas correntes.
Diz Gilmar que os juízes se serviram da Lava jato para agir como uma corporação, na esteira do estrelato atingido pelo juiz de Curitiba:
Isso se tornou estratégia de grupos corporativos fortes para ter apoio da população.É uma esperteza midiática. Não tem nada a ver com a realidade. Os juízes todos estão agora engajados no combate à corrupção? São 18 mil Sergios Moros? Sabe? No fundo estão aproveitando-se oportunisticamente da Lava Jato.
Mendes diz que a qualidade dos servições jurisdicionais não entra em pauta, mas apenas a remuneração dos juízes. E que os demais poderes, os executivos (governadores) e os legislativos têm medo do Judiciário:
O Judiciário brasileiro é um macrocéfalo com pernas de pau. É o mais caro do mundo. E muito mal estruturado. Há uma distorção completa.E nenhuma disposição para participar do sacrifício pedido a todos. É uma loucura que tem método. Chegou-se ao caos porque se escolheu esse caminho. E isto em razão do quê? De governos débeis, às vezes com base ética frágil, que se curvam às imposições.
Com medo do Judiciário?
Com medo do Judiciário. Diante da sugestão de que levasse para a Assembleia Legislativa os cortes necessários e a divisão por todos os partícipes, Dornelles ( Francisco, governador interino do RJ) me disse: “Dificilmente a Assembleia aprovaria porque está submetida a constrangimentos impostos pelo MP e pelo Judiciário, decorrentes da Lei da Ficha Limpa”. No final da entrevista, arremata: ” Os parlamentares temem criticar juízes porque amanhã estarão submetidos a um deles.
Os órgão de controle externo do Judiciário, diz Gilmar, viraram referendadores destes abusos e ele chega a usar a frase atribuída ao ex-ministro do Supremo Sepúlveda Pertence, que teria dito em relação à autonomia do MP que se criara um monstro:
Órgãos que poderiam cumprir função racionalizadora, como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), acabaram cooptados. O último ato da gestão passada do CNJ foi estender o recesso de 20/12 a 6/1, da Justiça Federal, que deveria ter sido extinto, para a Justiça Estadual. O CNJ se transformou, em certas gestões, num instrumento de corporação. Quando há alteração de vencimentos na esfera federal, cada legislador estadual teria que deliberar sobre os vencimentos na esfera estadual. O CNJ decidiu que isso seria automático, violando a autonomia dos Estados. Em suma, criamos um monstro.
O destampatório reserva o último pontapé para a “menina dos olhos” do MP e de Moro, o “pacotão” de medidas soi disant contra a corrupção, insinuando que as assinaturas poderiam ser recolhidas até pelo “sindicato dos camelôs”:
Deixa eu dizer logo: a Lava Jato tem sido um grande instrumento de combate à corrupção. Ela colocou as entranhas do sistema político e econômico-financeiro à mostra, tornando imperativas uma série de reformas.Agora, daí a dizer que nós temos que canonizar todas as práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa distância.(…)Medidas propostas como iniciativa popular não têm que ser necessariamente aprovadas pelo Congresso.
O senhor acha que as 2,2 milhões de pessoas que assinaram a proposta das dez medidas leram e entenderam cada uma delas?
Claro que não. E vocês em São Paulo já nos ensinaram que não é tão difícil obter uma massa de assinaturas, desde que se conte com um sindicato competente como o dos camelôs.
Quando pessoas de certa credibilidade [como os procuradores] colocam a pergunta “Você é a favor ou contra o combate à corrupção?”, é claro que muitos firmarão o documento.
Não é preciso ser adivinho para saber que virão as mais violentas reações das associações de juízes e do Ministério Público, provavelmente até de seus dirigentes institucionais.
A hipertrofia do Judiciário brasileiro encontro nos transbordamentos de Gilmar Mendes a única reação possível, diante do comportamento covarde de quem a ela deveria ter posto os freios institucionais.
A Justiça brasileira é tudo, menos que se a chamava antigamente: o poder sereníssimo.
Tijolaço
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