- 15 de abril de 2017
Ronaldo Cezar Coelho
O homem apontado na delação premiada da Odebrecht como operador de caixa 2 eleitoral do chanceler José Serra foi indiciado em 2004 pela Polícia Federal pelo crime de sonegação fiscal e evasão de divisas.
Segundo manifestação da Procuradoria Geral da República, encaminhada em 2004 ao Supremo Tribunal Federal, a PF descobriu que, entre 1999 e 2002, período em que Serra era ministro da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso, Ronaldo Cézar Coelho enviou para o exterior, via conta CC5, “a vultosa quantia” de R$ 197,9 milhões — o equivalente, hoje, a R$ 500 milhões.
O Ministério Público Federal chegou a Ronaldo Cezar Coelho depois de realizar “diligências junto à Receita Federal, à Controladoria-Geral da União e a autoridades americanas”. É o que informa o breve relatório da então ministra do STF Ellen Gracie, publicado no Diário da Justiça no dia 23 de novembro de 2004, em resposta a um pedido da Procuradoria Geral da República para abrir inquérito contra Ronaldo Cezar Coelho, que era deputado e tinha foro privilegiado.
Na ocasião, Ellen Gracie decidiu que a competência para abrir inquérito contra o deputado federal era da própria Procuradoria Geral da República, e para isso bastava determinar à autoridade policial, o que foi feito, com o deputado federal na condição de indiciado. Ronaldo Cezar Coelho terminou o mandato em 2007, não se candidatou à reeleição e deixou de ter foro privilegiado.
No Diário da Justiça, não há mais registro do inquérito. O indiciamento de Ronaldo Cezar Coelho, jamais noticiado pela imprensa, é revelador de forma como ele movimentava quantias milionárias.
A Conta CC5 (Carta Circular número 5) foi criada em 1969 pelo Banco Central para permitir que estrangeiros em trânsito no Brasil pudessem abrir e movimentar conta corrente. O objetivo era facilitar a vida de estudantes universitários, pesquisadores, professores e empresários estrangeiros que permanecessem no País por um período maior que o dos turistas e menor que o dos que pretendessem ter residência fixa.
Como movimentam dinheiro supostamente de origem estrangeira, os titulares das contas CC5 não pagam imposto no País e podem levar embora o saldo, sem nenhuma taxação. Com o tempo, as contas CC5 passaram a servir para escoamento de dinheiro sujo de toda natureza, com milionários fazendo transferências através de laranjas estrangeiros ou empresas de paraíso fiscal.
A primeira vez que esse tipo de conta apareceu vinculado a um escândalo foi na época da CPI que derrubou Fernando Collor. Seu tesoureiro, PC Farias, usava as contas CC5 para remeter dinheiro ao exterior.
Alguns anos depois, as contas CC5 voltaram a ser notícia, quando se descobriu uma lavanderia no Banestado, numa investigação que desaguou na Vara do juiz Sérgio Moro, em Curitiba, com delações do mesmo Alberto Yousseff.
Não se conhece nesta fase de Sérgio Moro nenhuma condenação de figurões, embora no escândalo do Banestado tenham surgido nomes de políticos e empresários famosos, alguns vinculados ao processo de privatização do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Ronaldo Cezar Coelho foi flagrado fora da alça de mira de Moro, em outra investigação, mas também não teve até agora nenhuma pena por remeter ao exterior cerca de meio bilhão de reais por meio da CC5.
Segundo o inquérito da Polícia Federal essa movimentação não foi declarada em seu Imposto de Renda, embora Ronaldo Cezar Coelho fosse um empresário milionário, um dos donos do Banco Multiplic.
Em 1986, ele era presidente do Multiplic, quando se candidatou a deputado constituinte pelo PMDB e se afastou, temporariamente, das funções executivas do banco. Era sócio do Lloyd’s, banco da Inglaterra que teve forte atuação no Brasil, durante o governo dos militares, e de Antônio José de Almeida Carneiro, conhecido no mercado como Bode, apontado pela Revista Forbes como uma das maiores fortunas do mundo.
Foi por sugestão de Bode que o Multiplic fez constar em ata “voto de reconhecimento e louvor pela valiosa, inestimável e efetiva colaboração dada pelo sr. Ronaldo Cezar Coelho ao desenvolvimento das empresas do Grupo Multiplic, do qual é um dos fundadores, manifestando a sua certeza de que na vida pública terá o mesmo sucesso e as mesmas alegrais conquistadas na condução dos negócios de suas empresas”.
Eleito deputado, se aproximou de Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, conforme registram os jornais da época. Em 1988, acompanhou seus líderes na fundação do PSDB e depois se transformou em presidente do Partido no Rio de Janeiro. Em seu Diário da Presidência, Fernando Henrique faz muitos elogios a Ronaldo Cézar Coelho.
“Almocei com o Ronaldo Cezar Coelho (9 de setembro de 1997). Conversa agradável, em que ele me falou sobre um projeto de ligação entre o Rio e Niterói, por meio de um túnel passando por São Gonçalo. O Ronaldo é cheio de imaginação, de ideias, acha que é preciso criar o Ministério de Desenvolvimento Urbano. Ele até seria um bom ministro, me pareceu”, diz o então presidente da República.
Entrevistei Ronaldo Cezar Coelho algumas vezes por telefone e estive com ele uma vez, no Hotel Copacabana Palace, quando Ronaldo me vazou um documento sobre o plano do Exército para agir no Rio de Janeiro, numa das crises de segurança que houve por lá. Era o governo de Marcelo Alencar, e o plano nunca chegou a ser executado.
Eu trabalhava para a revista Veja e vi em Ronaldo Cezar Coelho uma pessoa de conversa agradável, com o objetivo claro de estreitar seus laços com a imprensa. Ele me contou que era carioca da gema, cresceu numa família de classe média e estudou no Colégio Pedro II. Como estávamos no Copacabana Palace, contou que brincava perto dali na infância e citou o Beco das Garrafas, berço da Bossa Nova.
Na política, não passou de deputado. Entre 2000 e 2002, Ronaldo Cezar Coelho era secretário municipal da Saúde no Rio de Janeiro e José Serra, ministro na mesma área. Obteve de Serra verba para construir oito maternidades e três grandes hospitais. Sua gestão na saúde teve construções de mais e remédios de menos. Ele deixou a Secretaria depois de uma crise que quase o levou para a prisão, por descumprir ordem judicial que o obrigava a entregar remédios para pacientes.
Em 2006, tentou se eleger senador, mas ficou em quarto lugar. Como se vê agora nas memórias de Fernando Henrique, destacava-se mais nos bastidores. Em 2002, quando Serra se candidatou a presidente, seu sócio, Antônio José de Almeida Carneiro, o Bode, doou oficialmente R$ 1,1 milhão (o equivalente hoje a R$ 3,1 milhão) para a campanha. O sócio de Ronaldo Cézar Coelho foi o maior doador pessoa física de José Serra, segundo a contabilidade oficial da campanha.
Em 2010, na segunda tentativa de José Serra de se eleger presidente, o próprio Ronaldo Cezar Coelho colocou dinheiro na campanha. Na verdade, teria sido um adiantamento, ressarcido pela Odebrecht, através de um depósito de R$ 24 milhões (em valores corrigidos pelo IGP-M, cerca de R$ 35 milhões) numa conta da Suíça. Tudo caixa 2. A Odebrecht foi uma das estrelas do governo de Serra em São Paulo, marcado por grandes obras, como a terceira pista da Marginal Tietê e o Rodoanel.
Diário do Centro do Mundo - DCM
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