sábado, 10 de novembro de 2018

Sentença anunciada: Substituta de Moro dá demonstração de que tem pressa para condenar Lula. Por Joaquim de Carvalho


Publicado por Joaquim de Carvalho
- 9 de novembro de 2018


No processo sobre o sítio de Atibaia, os depoimentos tomados esta semana pela juíza Gabriela Hardt, substituto de Sergio Moro, foram favoráveis ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas quem espera que esses depoimentos resultem na absolvição do ex-presidente deve se decepcionar. Gabriela Hardt já deixou entrever o que pensa sobre o caso e, assim como Moro, tem pressa para sentenciar.

Na audiência em que ouviu dois controladores da Odebrecht e um ex-diretor de relações institucionais, Gabriela pediu aos advogados e ao Ministério Público Federal que acelerem os procedimentos finais do processo.

Um dos casos herdados por Gabriela é o da reforma do sítio de Atibaia, que Lula frequentava desde janeiro de 2011, quando deixou a presidência da república.

Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, que era o diretor de relações institucionais, contou como a Odebrecht foi acionada para fazer a reforma, e o seu relato, dado na condição de delator, isenta Lula de responsabilidade.

“No dia 9 de dezembro de 2010, eu fui a Brasília para um evento do PAC. Era um balanço do presidente sobre o PAC, Eu lembro que quem fez a apresentação foi a senhora Miriam Belchior. Estando em Brasília, eu soube que o senhor Emílio estaria com o presidente à tarde. E o senhor Emílio tinha ido com o seu avião. E ele me disse: Alexandrino, se você vai ficar em Brasília, volta comigo de avião. Eu falei: “Ótimo. Muito melhor. Eu ia fica perto do Emílio e a gente ia ficar conversando. De manhã, eu estive no Palácio do Planalto. De tarde, eu disse: vou encontrar com o Emílio e o Emílio vai estar lá com o presidente. E fiz o que fazia regularmente. Procurei o gabinete do chefe de gabinete Gilberto Carvalho, que ia falar com o Emílio. No gabinete, me levaram para a antessala do presidente. E chego lá e está a dona Marisa. Dona Marisa Letícia está lá, na antessala, e, conversando com ela, ela me disse: Alexandrino, estou precisando de um favor da Odebrecht. Eu perguntei: O que é, dona Marisa? E ela disse: estou fazendo uma reforma no sítio e estou tendo dificuldade na reforma. Quem está fazendo a reforma é o grupo do Bumlai, do José Carlos Bumlai, mas eles estão com o cronograma muito atrasado e eu preciso terminar porque estamos no dia 9 de dezembro, o mandato termina no dia 31 e é para ele usufruir do sítio. E aí ela me comentou: É um sítio em Atibaia e eu me admirei com isso. Eu conhecia o presidente e sabia que ele tinha um sítio lá em Riacho Grande, em São Bernardo. E ela me disse: Não, é um outro sítio que se tem. E logo em seguida em soube que era do Fernando Bittar. Nem me falaram Fernando Bittar, me falaram do filho do Jacó Bittar, que é muito amigo do presidente Lula. E ela me fez o pedido. Só que ela me disse o seguinte: Mas… tem uma coisa: se trata de uma surpresa. O presidente não está sabendo disso. Eu falei: Ok. Mas ela me disse: precisa terminar em dezembro.

Alexandrinho teria dito a Marisa: preciso primeiro ter autorização para isso e depois ver o que é possível fazer.

Logo depois, Emílio deixou a audiência com Lula e ambos foram para o aeroporto. O destino era São Paulo. Um dos assuntos tratados foi a reforma do sítio.

“Emílio, você viu que eu estava conversando com a dona Marisa e ela me pediu o favor de terminar uma reforma em um sítio de Atibaia. Só que é surpresa para o ex-presidente e, pelo que soube, é do filho do Jacó Bittar.

E ele me autorizou a fazer.

Ouvido na mesma quarta-feira, também na condição de delator, Emílio Odebrecht deu a mesma versão. E ele não estava presente quando Alexandrino prestou o seu depoimento.

“O que eu fiz foi aprovar (a reforma), quando o Alexandrino me trouxe o assunto a pedido da dona Marisa”, afirmou. A juíza quis detalhes:

— O pedido não foi feito ao senhor, foi feito ao Alexandrino.

Emílio respondeu: “Foi feito ao Alexandrino. Foi quem me trouxe. Dona Marisa fez esse pedido a ele, ele me veio e eu aprovei. Se eu não tivesse aprovado, hoje nós não estaríamos aqui sentados tratando desse assunto”.

Gabriela Hardt pergunta:

— E o senhor aprovou com alguma condicionante?

Emílio explica que quis saber o valor — ficaria entre 400 e 500 mil reais, no orçamento inicial. E pediu apenas que tudo fosse feito de maneira discreta, sem colocação de placas ou uso de uniformes por parte de funcionários. O objetivo era não “constranger ninguém”.

A magistrada quis saber se era uma troca, a retribuição por um favor e deixa, pela primeira vez, transparecer juízo de valor. “Pode não parecer um valor alto para a Odebrecht, mas é um valor considerável.”

Emílio explica, então, o que o motivou a aceitar — ele não disse, mas é certamente o mesmo motivo que o levou a financiar o instituto de Fernando Henrique Cardoso.

“Na época, era uma relação que completava mais de 20 anos — ele se tornou próximo de Lula antes que este se elegesse presidente.

“Os intangíveis que o presidente Lula sempre teve com a minha pessoa, naturalmente com a organização, de eu poder ter a oportunidade de dialogar com ele, de influenciar sobre aquilo que nós achávamos que era importante para o Brasil”, disse.

Intangível é o que não se pode valorar e, sem usar essa expressão, Emílio conta o que representou o governo Lula para a definição de diretrizes da Odebrecht. Não foi um toma lá, dá cá. Era muito mais do que isso. Emílio citou duas situações específicas: a primeira é o planejamento estratégico da empresa no desenvolvimento da indústria petroquímica.

Desde o governo Collor, com as privatizações, a Odebrecht investiu pesado nesse setor e acabou criando uma das maiores empresas petroquímicas do mundo, a Brasken.

Foi um crescimento tão grande que incomodou uma gigante na área, a multinacional Dow Chemical. Segundo Emílio, desde o plano de governo para a eleição em 2002, Lula definiu como estratégico para o país o fortalecimento do setor privado na indústria petroquímica, mas não foi sempre assim no governo.

A Petrobras, fornecedora de nafta, matéria prima da indústria, fez movimentos para reestatizar a petroquímica e Lula, fazendo valer o plano de governo, cobrou dos dirigentes da Petrobras que não fizesse da petroquímica o foco de sua atuação.

Lula queria a Petrobras concentrada na busca de novas áreas para exploração do petróleo e foi essa diretriz que levou ao pré-sal, com a descoberta da maior reserva do século XXI.

Emílio não toca na questão do pré-sal, mas seu relato dá conta de que não pediu favor: apenas a definição se deveria continuar investindo ou se deveria sair do setor. Lula deu o comando, e a Brasken ampliou suas atividades.

Era uma política de governo, coerente com a diretriz geral do que foi o governo Lula: o fortalecimento de empresas nacionais, para conquista de mercados em todo o mundo.

Não foi apenas a Odebrecht que se beneficiou dessa visão estratégica. A JBS também embarcou nessa onda, no mercado de carnes, assim como a Embraer, no setor de aviação, e outras empresas menores.

“Várias autoridades visitavam o Brasil, e ele também ia para alguns países em que nós operávamos. Então, eu sempre pedi a ele: reforça as empresas brasileiras. Se aumentar a imagem das nossas empresas, isso vai facilitar nossos programas nesses países”, contou.

Quem faz uma interpretação vulgar desse tipo de atuação presidencial — imaginando que a reforma de um sítio é o preço que um empresário paga por uma política de governo — desconhece como as grandes nações se desenvolvem.

Na década de 70, por exemplo, quando era governador da Geórgia, Jimmy Carter veio a São Paulo a bordo de um avião da Boeing, empresa com sede em Atlanta, apenas com o objetivo de vender aeronaves ao Brasil. Este é apenas um exemplo, mas existem muitos outros.

Em seu livro de memórias, Fernando Henrique trata Emílio Odebrecht como um interlocutor privilegiado.

“Falei longamente com Emílio Odebrecht sobre a Petrobras. Ele conhece bem. Ele trabalha na petroquímica e tem certa visão do Brasil, não é simplesmente um ganhador de dinheiro”, afirma Fernando Henrique, a respeito de um encontro em março de 1997.

Na sala de audiência de Gabriela Hardt — na condição de delator, nunca é demais lembrar —, Emílio destaca o papel de Lula como presidente.

“É um ativo intangível que não tem preço. Como eu disse a Alexandrino, você me trazer isso, mesmo que eu quisesse negar, eu não tenho como negar, por todos esses ativos intangíveis de mais 20 anos de convívio com o presidente”, explicou.

Gabriela parecia não entender o que ouvia, comportamento que já antecipa a posição que tem sobre o caso do sítio.

Em seguida, a juíza fez uma pergunta que, ao mesmo tempo em que antecipa juízo, desconsidera o que dizia Emílio.

“Pessoalmente ao presidente, esta foi a única retribuição?”

Emílio e Alexandino tinham deixado claro que Lula não havia pedido pela reforma, atitude que descaracteriza qualquer conduta criminosa. Mas a juíza insistia.

Emílio explica:

“Eu diria que, pessoalmente, ele nunca me pediu nada, não me pediu nada”.

Ouve-se uma manifestação de impaciência da juíza:

“Hum-hum, hum-hum”.

“Esse pedido foi feito pela dona Marisa ao Alexandrino, e o Alexandrino me trouxe”.

A magistrada parecia estar num debate:

“E ela tinha essa liberdade de pedir ao senhor uma reforma de um valor considerável, também por conhecimento que tinha dessa relação?”

Emílio tinha acabado de dizer que o pedido foi feito ao Alexandrino. E o que é valor considerável? 500 mil reais para o presidente que teve sob seu controle o orçamento público daquela que, em seu governo se tornou a sexta maior economia do mundo?

Mais tarde, na sua vez de fazer perguntas, o advogado de defesa perguntou a Emílio se a relação com Lula era igual a que teve com outros presidentes.

Emílio conta que teve interlocução com todos os presidentes, exceto com Itamar Franco, mas destacou que o diálogo era mais fluente com três: Lula, Fernando Henrique Cardoso e o general Ernesto Geisel.

Por que eram corruptos?

Não, Emílio quis dizer que as conversas tinham maior profundidade, porque eram “diferenciados”.

Como quem busca as palavras precisas, acrescenta:

“As escolhas estavam muito acima dos interesses individuais. Isso predominava nesses três”, disse, para em seguida acrescentar que conheceu Lula através de Mário Covas, muito tempo antes do ex-sindicalista se tornar presidente, e a primeira lição que teve com ele foi a realidade do movimento sindical, conhecimento necessário para enfrentar questões desse tipo no âmbito de sua empresa.

Marcelo Odebrecht, também ouvido separadamente pela juíza, confirmou o relato factual do pai no que diz respeito à reforma do sítio: o pedido foi feito por dona Marisa a Alexandrino, que o transmitiu a Emílio.

Marcelo é, dentre os três, o que mais tempo passou na prisão (Emílio não foi preso) e, indo além do relato, fez interpretações que poderiam, em tese, comprometer Lula. “Tenho para mim que ele sabia do pedido da reforma”.

É a opinião dele, sem valor jurídico, mas importante para entender no que se transformou a Lava Jato: pessoas destroçadas por prisões preventivas prolongadas se empenham para entregar a autoridades o que elas querem ouvir.

Marcelo, ao contrário do pai, se tornou uma triste figura.

Nada do que disseram os três, no entanto, servirá para mudar o destino de Lula: condenado sem provas no processo do triplex, deve amargar mais duas condenações pela caneta de Gabriela Hardt.

A juíza já mandou colocar sobre sua mesa (metaforicamente) o processo sobre o terreno do instituto Lula e o aluguel do apartamento vizinho ao do ex-presidente em São Bernardo. Chamou para conclusão e deve sentenciar.

No que diz respeito ao processo do sítio de Atibaia, pediu aos advogados que, no dia do depoimento de Lula, marcado para 14 de novembro, próxima quarta-feira, os advogados já apresentem as demandas finais do processo.

É um indicativo de que tem pressa e, no limite, pode ser interpretado até como uma violação do amplo direito de defesa. Nada que Moro não tenha feito antes.

Gabriela tem muito perto dela opinião definitiva sobre Lula

Assim como Moro. No caso deste, é a esposa, Rosângela, que nunca deixou de fazer militância antipetista na internet.

Já em relação a Gabriela é o pai, engenheiro químico que e que trabalhou na Petrobras. Ele é ativo na rede social nos ataques à administração de Lula.

“A quadrilha do Lula instalada na Petrobras não roubou só bilhões. Roubou o futuro da empresa”, escreveu ele, em uma publicação no Facebook.

A substituta de Moro também teve um artigo publicado em uma organização norte-americana ligada à presidência dos Estados Unidos, o Wilson Center.

Desde 2006, esse think thanks tem um departamento voltado para temas brasileiros, o Institute Brazil, dirigido pelo jornalista Paulo Sotero, ex-correspondente do Estadão.

O Wilson Center tem outros tentáculos e foi acusado de estimular a tentativa de golpe contra o governo de Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, conforme narrado Miguel do Rosário, em O Cafezinho.

No Wilson Center, já fizeram palestras, além de Sergio Moro, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, e entre patrocinadores dessas atividades estão grandes petroleiras.

No artigo, publicado em 2017, Gabriela elogiou Moro e escreveu:

“É óbvio que, ao lutar contra forças poderosas, você deve esperar que eles usem todos os meios à sua disposição para manter o poder que conquistaram. No entanto, continuo a acompanhar de perto o trabalho duro de pessoas bem intencionadas e bem preparadas que enfrentaram novas batalhas nos últimos três anos e meio. Por tudo isto, espero e confio que esta crise apresentada pela divulgação das investigações da Lava Jato sirva como uma verdadeira janela de oportunidades para que possamos ter um país mais forte e honesto.”

Esse trabalho de pessoas bem intencionadas resultou na prisão de Lula, num processo que teve uma condenação sem provas, e, com isso, na pavimentação do caminho que levou o Brasil a Jair Bolsonaro.

Uma semana depois de sua eleição, facilitada pela exclusão de Lula do processo eleitoral, o Wilson Center realizou uma conferência sobre corrupção na América Latina.

O nome de Gabriela estava entre os participantes. De volta ao Brasil, com Moro deixando a magistratura para trabalhar com Bolsonaro, ela assumiu a condução de dois outros processos que envolvem Lula.

No roteiro previsível da Lava Jato, uma nova condenação de Lula não apenas servirá para manter Lula mais tempo afastado da vida pública quanto ajudará na construção de um “álibi”para Moro.

Afinal, se Lula for condenado por Gabriela Hardt, os defensores de Moro poderão dizer que ele não foi o único a condenar o ex-presidente e, com isso, se tentar afastar o discurso da parcialidade do ainda juiz, quase ministro de Bolsoaro.

Para os analfabetos políticos, cola. Para os demais, não.

Há indicações de que o que move Moro é a mesma invisível que afaga Gabriela. O que fará justiça ao ex-presidente é a história, não esses setores do Poder Judiciário que não escondem o que pensam de Lula e o projeto que tornou o país um dos mais respeitados do mundo nos seus doze anos de normalidade institucional.

No que depender de juízes como Moro e Gabriela, a promessa de Bolsonaro se cumprirá.

“Lula vai apodrecer na cadeia”, disse o presidente eleito, futuro chefe de Moro.

.x.x.x.

O DCM publicou o documentário “Crônica de uma sentença anunciada — como Lula foi tirado das eleições”, com entrevistas minhas. Recomendo que vejam. Logo estará desatualizado, pois serão duas as sentenças anunciadas.
Diário do Centro do Mundo - DCM

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