sexta-feira, 4 de junho de 2010
Como a mídia ajudou Médici a derrubar João Saldanha em 1970
Técnico da seleção brasileira entre janeiro de 1969 e março do ano seguinte. João Saldanha classificou o país para a Copa de 1970 com seis vitórias em seis jogos e montou o time-base (as famosas “feras do João”) que iria ganhar o tricampeonato no México. Com seis vitórias em seis partidas, o time comandado por Zagallo é considerado, por muitos, a maior seleção da história.
Por Maurício Stycer
Quarenta anos depois, a história desta conquista ainda provoca discussões sérias, todas elas relacionadas aos acontecimentos que levaram à demissão de Saldanha. Quem Derrubou João Saldanha, de Carlos Ferreira Vilarinho (livrosdefutebol.com, 254 págs., R$ 50), chega às livrarias para apimentar este debate. O livro faz uma reconstituição minuciosa da cobertura de jornais, rádios e revistas com o objetivo de mostrar as diferentes forças que se digladiavam em torno da seleção brasileira no período e tenta esclarecer o papel de cada uma delas na ascensão e queda do treinador.
A tese mais aceita até hoje é de que Saldanha foi demitido por uma série de erros que cometeu, a saber: peitou o general Médici, que queria a convocação de Dada Maravilha; ameaçou um de seus críticos, o técnico Yustrich, com um revólver; aceitou trabalhar para as organizações Globo ao mesmo tempo em que dirigia a seleção; e cogitou deixar Pelé no banco, por considerá-lo sem condições de jogo, e ainda disse que o craque era míope.
Vilarinho rejeita esta tese. Para o pesquisador, Saldanha foi demitido porque seria inaceitável para a ditadura militar ter um comunista, crítico do regime, no comando da seleção caso ela fosse campeã mundial. O pesquisador sugere, com a sua pesquisa, que alguns problemas enfrentados pelo técnico teriam sido provocações orquestradas para tirar Saldanha do sério ou teriam ganhado uma dimensão maior do que mereciam com o objetivo, exatamente, de destroná-lo.
Embora não disponha de elementos concretos para justificar as suas suspeitas, Vilarinho apresenta alguns dados que não costumam ser lembrados nas tradicionais reconstituições do período. Um dos alvos do pesquisador é o jornalista Armando Nogueira (1927-2010), então titular de uma coluna no Jornal do Brasil, que em mais de uma ocasião transmitiu “recados” do general Médici a Saldanha, entre os quais um “esclarecimento” do chefe de relações públicas da Presidência, dizendo que Médici “gostaria de ver o Dario, do Atlético, entre os vinte e dois da seleção”.
Vilarinho também não aceita a tese difundida de que Zagallo alterou peças fundamentais do time de Saldanha e mudou o esquema de jogo, de 4-2-4 para 4-3-3, para rumar em direção ao título no México. Em 1968, ainda como jornalista, Saldanha “escalou” o seu time preferido para a Copa: Como goleiro, Felix, Ubirajara ou Picasso. “Tanto faz”, disse. “Uma linha de quatro formada por Carlos Alberto, Brito, Piazza e Rildo. Imediatamente à frente destes quatro, o Gerson. Um pouco mais à frente, formando uma linha de dois homens, o Dirceu Lopes e o Tostão. Mais à frente ainda, outra linha de três com Jairzinho, Pelé e Edu”.
Este “4-1-2-3” e esta escalação são muito semelhantes à formação tática e aos jogadores que venceram o tri no México, com Felix; Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo; Clodoaldo, Gerson, Rivellino; Jairzinho, Tostão e Pelé.
Além de colocar pimenta nesta discussão interminável, Quem Derrubou João Saldanha tem outro mérito. Ao apresentar em detalhes a trepidante cobertura da mídia a respeito dos preparativos para a Copa de 70, nos lembra que seleção brasileira sempre foi um assunto apaixonante, sem unanimidade, capaz de tirar do sério os mais respeitados cronistas e repórteres, além de envolver interesses variados, nem sempre visíveis.
Do Portal Vermelho
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