SEG, 07/11/2016 - 07:57
ATUALIZADO EM 07/11/2016 - 08:35
Carta aos delegados da PF que dormiram em aula
por Armando Rodrigues Coelho Neto
Por falta de termo mais apropriado, digo que revisitei há pouco tempo um “manual” da então Divisão de Repressão ao Crime Organizado e de Inquéritos Especiais da Polícia Federal. Na prática, um preceituário auxiliar para o combate a delitos de sua competência. O manual tem como preâmbulo o ideário da Doutrina Truman, alusão Harry Truman, um presidente dos Estados Unidos da América que insuflou a paranoia anticomunista mundo afora. Um ideário que veio para ficar dentro da PF, onde, até hoje, muitos temem exércitos cubanos.
Entre obviedades e recomendações úteis, lá consta que as organizações criminosas têm em seu organograma até instituições de caridade, fundações sem fins lucrativos, agências de turismo, escritórios jurídicos, etc, tudo meras vitrines das tais organizações. Na prática, seriam ou são operadoras de negócios ilícitos para lavagem de dinheiro, derivado, entre outros, da corrupção. Na construção desse arquétipo nele está escrito: “Quanto mais gente importante envolvida, menos chances de ser punido”. Aliás, mote lembrado pela Associação dos Delegados da PF, em palestra recente no Rio de Janeiro.
Tráfico de influência e de drogas, fachada legal, crimes econômicos e transnacionais, terrorismo, tudo isso entre títulos e subtítulos, coisa e tal formam o leque de enfoques daquela peça. Em que pese antigo, o manual revela que os pilares de sustentação de nossa esquálida democracia, hoje esbulhada pelo golpe, há tempos eram bem conhecidos. Curiosamente, os autores da peça ressalvam a precariedade do ordenamento jurídico, algo, aliás, só parcialmente superado “no governo mais corrupto da história”.
Devido às múltiplas faces do crime organizado de um país para outro, os estudiosos se depararam com conflitos acadêmico-doutrinários, firulas entre definições e conceitos. Dando sentido prático, convencionou-se internacionalmente listar onze características para qualificar o crime organizado. Assim, estando presentes pelo menos seis daquelas onze, estaria caracterizado, em tese, o crime organizado - nada a ver com as balelas divulgadas por TV Globo, Folha, Veja e toda a engrenagem do coronelismo eletrônico ou impresso.
Por ser enfadonho, pincei grosseiramente a mais curiosa. O crime organizado tem “o poder de influências sobre os meios políticos, da comunicação social, da administração pública, das autoridades judiciais ou da atividade econômica...”. Em sendo documento antigo, o tópico merece a atenção do leitor. Afinal, não consta que nos doze anos do governo defenestrado pelo golpe (Fora Temer), o PT tenha tido todo esse poder influência, seja na mídia ou nas aparelhadas instituições: RF/PF/MPF/JF, onde predominou o “Fora PT e leve Dilma e Lula juntos”. Nesse sentido, se há crime organizado, o controle é de outra quadrilha e não me perguntem qual.
Noutra curiosidade, o manual diz que a Comissão para a Prevenção do Crime para a Justiça Penal (criada pela ONU), reunida em1992, apontou como fatores de favorecimento à “corrupção planetária”, nada menos que as privatizações. “As ondas de privatizações oferecem boas ocasiões de corrupção”. Sobre esse tópico, sugere-se ao leitor pesquisar que partido tentou mudar o nome da Petrobras para Petrobrax para facilitar a venda, privatizou a Vale do Rio Doce e já está leiloando o Pre-Sal.
Em mais uma pérola do manual consta que “firmas americanas perderam a título de suborno internacional aproximadamente US$ 11 bilhões em contratos internacionais” (dados até 1994/relatório de 1996). Motivo: a legislação americana pune a prática de suborno de autoridades. Proibidos de subornar, perderam negócios naquele montante, fato que nos reporta a citação nossa nesse GGN de que, até 1999 (era FHC), a Alemanha permitia que o suborno pago em países como o Brasil fosse deduzido do imposto de renda de suas empresas (OCDE).
O delegado federal que não dormiu na sala de aula teria o dever de saber que velhas, candentes e impunes questões de então (hoje seletivamente atuais) eram tão conhecidas quanto os casos Banestado e Operação Macuco, trabalhos que levaram a PF à insuspeita conta de nome “Serra”. Ah, o doleiro era Yousseff, alguns inquéritos foram conduzidos por Sérgio Moro e o coronelismo midiático era exercido pelas mesmas onze famílias...
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo
Jornal GGN
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