"Os que acham que a morte de Fidel vai acelerar o fim do sistema socialista em Cuba vão se frustrar mais uma vez. O falecimento do comandante era um cenário inevitável para o qual os governantes cubanos se prepararam muito bem, com os detalhes planejados tanto para esse primeiro momento quanto para os seguintes. Até agora, tudo aconteceu como foi previsto e nada indica que haverá surpresas pela frente", diz o jornalista Hélio Doyle, que foi a Havana acompanhar a comoção em torno da morte de Fidel Castro
6 DE DEZEMBRO DE 2016
Por Hélio Doyle, de Havana
O luto oficial pela morte de Fidel Castro terminou no domingo e Cuba volta à rotina. Foram nove dias de intensa mobilização da população: filas imensas durante dois dias e duas noites para as homenagens na Plaza de la Revolución, em Havana; as pessoas nas ruas e rodovias para ver passar a "caravana da liberdade" que percorreu o país com suas cinzas; dois atos, em Havana e Santiago de Cuba, que reuniram multidões gritando "Yo soy Fidel" – ou seja, cada cubano assume o lugar do "comandante", que "não morreu, multiplicou-se".
Os meios estatais de comunicação deram tempo e espaço integral a Fidel nos nove dias e ainda continuam se dedicando a exaltá-lo, com relatos detalhados das homenagens, depoimentos, entrevistas e documentários. A todo momento, na TV e no rádio, é executada a música que se tornou a trilha da emoção dos cubanos: Cabalgando con Fidel, de Raúl Torres. Em
um hotel de Bayamo, os hóspedes estrangeiros se surpreenderam com a emoção de garçons e garçonetes que interromperam momentaneamente o trabalho e se postaram à frente do televisor.
Os que acham que a morte de Fidel vai acelerar o fim do sistema socialista em Cuba vão se frustrar mais uma vez. O falecimento do comandante era um cenário inevitável para o qual os governantes cubanos se prepararam muito bem, com os detalhes planejados tanto para esse primeiro momento quanto para os seguintes. Até agora, tudo aconteceu como foi previsto e nada indica que haverá surpresas pela frente.
Parece que balança, mas não cai
Nos primeiros anos da década dos 1990 muitos cubanos residentes nos Estados Unidos contrataram advogados para recuperar judicialmente suas propriedades que haviam sido expropriadas pelo governo revolucionário. Acreditavam que o fim do sistema socialista estava próximo e se preparavam para os novos tempos. Como se dizia na época, já haviam feito as malas para a volta gloriosa a Cuba.
Tudo parecia, naqueles anos, levar à queda do governo encabeçado por Fidel Castro. A União Soviética havia acabado e os países em sua órbita viam seus governos serem derrubados e passavam a adotar a economia de mercado. Cuba enfrentava a maior crise econômica de sua História, aumentava a pressão dos Estados Unidos, com novas leis para reforçar o bloqueio econômico em vigor desde 1962, e vários atos terroristas ocorriam em Havana.
Na época falava-se até, sem fundamento algum, que Fidel e seu irmão Raúl estavam negociando asilo na Espanha -- o pai deles era galego -- para evitar a prisão e os processos judiciais que sofreriam. Como o regime não caiu e conseguiu superar a crise econômica sem os esperados abalos políticos e sem
perder sua sustentação interna,começou a ser difundida a ideia de que a queda só viria com a morte de Fidel. Sem ele, o regime fatalmente entraria em desagregação, diziam opositores e analistas.
Logo Posada Carriles, um oposicionista cubano culpado de vários atos terroristas contra Cuba e que vive nos Estados Unidos, planejou um atentado para matar Fidel em uma conferência iberoamericana no Panamá, mas a ação foi frustrada -- como falharam antes mais de 600 outras. As expectativas dos que se opõem ao governo cubano aumentaram quando o comandante adoeceu e teve de se afastar de seus cargos: presidente do Conselho de Estado e de Ministros e primeiro-secretário do Partido Comunista de Cuba.
Tiveram, porém, de esperar 10 anos até a morte de Fidel, aos 90 anos. Enquanto Cuba vivia nove dias de luto, encerrado no domingo logo após o sepultamento das cinzas que percorreram o país de Havana a Santiago, os oposicionistas comemoravam ruidosamente nos Estados Unidos e veladamente em Cuba. Confiam na desagregação do regime sem a presença de Fidel.
As esperanças dos que aguardam o fim do regime socialista em Cuba estão também em Donald Trump, que assumirá a presidência dos Estados Unidos em janeiro. Tudo indica que Trump não dará sequência à política de abertura que começou a ser executada por Barack Obama e certamente o novo Congresso dominado pelos republicanos não acabará com o bloqueio econômico.
Olhem as ruas
O regime cubano está muito bem estruturado e conta com forte apoio da maioria da população. Se não tivesse, já teria sido derrubado e nenhum
governo sem respaldo popular promove nove dias de mobilização, levando deliberadamente o povo às ruas. A morte de Fidel, com quem há enorme identificação dos cubanos, inflamou o sentimento de unidade em torno do projeto socialista, ainda que haja consciência, entre governantes e governados, da necessidade de reformas e mudanças que levem em consideração que o mundo nesta década não é o mesmo do século passado. Ou o socialismo se adapta ou não sobrevive.
Caberá a Raúl Castro, nos próximos dois anos, comandar o incremento dessas reformas, especialmente no campo econômico. Cuba hoje está longe do que foi na crise econômica dos 1990, batizada de "período especial em tempos de paz", mas as carências são muitas e a população se impacienta com a demora em solucionar ou minimizar alguns problemas. O apoio ao governo não inibe críticas.
Enganam-se, porém, os que veem nisso um caldo de cultura para transformações radicais, que possam levar à derrubada de Raúl Castro e do socialismo. Um jornalista perguntou a Ramón Labaniño, um dos cinco cubanos presos por espionagem nos Estados Unidos e libertados nas negociações que levaram à aproximação dos dois países, o que irá acontecer agora. "Olhem as ruas", respondeu Labaniño.
Granma
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