6 de Dezembro de 2016
Tereza Cruvinel
"A democracia brasileira não merecia este fim". O ainda presidente do Senado, Renan Calheiros, fez o lamento referindo-se a seu próprio afastamento do cargo, por decisão monocrática de um ministro do STF. Ele está certo, os construtores e herdeiros da democracia também lamentam mas Renan não pode reclamar: ajudou a cavar a primeira ferida funda na democracia ao apoiar o afastamento de uma presidente eleita sem crime de responsabilidade demonstrado, para viabilizar a posse de seu correligionário Michel Temer e a instauração de um programa de governo oposto ao que foi referendado pelas urnas de 2014.
Renan foi dos últimos aliados peemedebistas de Dilma a embarcar no golpe, certamente o fez em busca de proteção mas cumpriu nele um papel importante como presidente do Senado. Se o STF lavou as mãos, quando poderia ter impedido o crime de lesa-democracia, Renan tornou-se um dos sustentáculos do governo ilegítimo. Por isso, não pode reclamar.
Afora Dilma, outro plantador do golpe contra ela, Eduardo Cunha, também sofreu os efeitos da hipertrofia do poder Judiciário, fruto direto da demonização da classe política e da mística da Lava Jato. O STF hesitou muito em afastá-lo da presidência da Câmara, sabendo que com isso cruzaria a linha perigosa do equilíbrio entre os poderes. Quando o fez, ninguém reclamou porque Eduardo Cunha já esgotara a paciência de todos com suas manobras para evitar que o processo de sua cassação avançasse no Conselho de Ética.
Exemplo contrário ao de todos que, movidos pela ambição, compactuaram com o progressivo açoite da democracia e de suas regras, está sendo dado pelo vice-presidente do Senado, Jorge Viana. Ao contrário de Temer, que aderiu sem pestanejar às propostas golpistas contra sua companheira de chapa para herdar sua cadeira, Viana não externou ansiedade para suceder a Renan, não conspirou e vem mantendo comportamento bem litúrgico. Assinou, com os demais membros da Mesa, o comunicado ao STF sobre a decisão de só aceitar o afastamento de Renan após o julgamento da liminar do ministro Marco Aurélio pelo plenário do STF, nesta quarta-feira. Uma versão inicial, de tom mais confrontador, e logo, adubadora da crise, ele não quis assinar, o que levou ao ajuste do texto por todos subscrito. Sua conduta neste momento crítico, colocando o interesse institucional acima de qualquer ambição pessoal e partidária, reforça a percepção positiva sobre a contribuição que ele poderá dar no curto prazo em que presidirá o Senado.
Viana é um político equilibrado, que servirá à ética da responsabilidade no exercício do cargo. Não será, porém, vassalo de uma agenda que os brasileiros não chancelaram nas urnas, e que está sendo imposta como decorrência de um golpe. Hoje não se votou a PEC 55 e não há data marcada para que ela volte à pauta.
Renan poderá repetir seu lamento amanhã, pois é altamente provável que o plenário confirmará a liminar de Marco Aurélio, numa sessão que promete trovoada, depois que o ministro Gilmar Mendes defendeu o impeachment de seu colega. Os ministros sabem que o processo que o tornou réu, na semana passada, só foi levado a julgamento, depois de nove anos, porque o tribunal queria dar uma demonstração de que não protege políticos. Não faria diferença condenar Renan agora ou em fevereiro, quando já não fosse presidente do Senado. Mas o STF quis, como disse ontem a ministra Carmem Lucia, "responder às demandas" da rua. Hoje ela disse que as ruas não pautam o STF mas agora a mensagem contrária já se estabeleceu. O STF está num ativismo político inédito desde a restauração democrática, e este ativismo tornou-se um dos ingredientes mais nefastos da crise, juntamente com os desmandos da Lava Jato. Renan lamentará novamente amanhã pelos descaminhos da democracia que ele ajudou a construir. Mas perdeu a razão lá atrás, quando abandonou Dilma e embarcou no golpe.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário