30 de Abril de 2017
Paulo Moreira Leite
A nova ascensão de Lula nas intenções de voto para 2018 é o melhor termômetro do sistema político brasileiro.
Lula subiu depois da liberação das delações da Odebrecht, a começar pelo risonho patriarca da maior empreiteira do país, fazendo insinuações de todo tipo, inclusive citando um nefasto general da ditadura para falar sobre seu caráter. Lula também atravessou a delação premiada de Leo Batista, o executivo da OAS que, como um aluno em exame de segunda época, refez o primeiro depoimento para tentar diminuir a própria pena, produzindo afirmações sob medida para atingir Lula. Nada.
Enquanto Lula subiu, seus adversários tradicionais desabaram. Contemporâneos em tantas disputas nos últimos 20 anos, estão caindo fora. Aécio, que foi adversário de Dilma em 2014, já teve mais de 20 pontos no Data Folha. Agora tem menos de 10, mesmo patamar de Geraldo Alckmin, que nunca chegou a 20 nas pesquisas e até enfrentou Lula em 2006. Quanto a José Serra, adversário de Lula em 2002, de Dilma em 2010, sequer se considerou a hipótese de incluir seu nome entre os concorrentes, o que diz muita coisa sobre as profecias que rondam seu futuro.
Vamos lembrar o essencial: nenhum dos maiores caciques tucanos até aqui enfrentou um Sérgio Moro para divulgar diálogos ilegais, como ocorreu na conversa entre Lula e Dilma em abril de 2016; as conversas privadas da mulher, da amante, da namorada, o que for, de qualquer um deles, nunca foi gravada e distribuída aos jornais; nenhum foi acordado em casa para uma condução coercitiva; nenhum foi impedido de assumir um cargo público -- ministério ou equivalente -- por uma liminar de um juiz do STF; nem teve direito a um editorial onde a maior empresa de comunicação do país se manifesta contra sua candidatura em 2018 depois de promover um ataque de 18 horas consecutivas nos tele-jornais da casa.
Mesmo assim, todos viraram fumaça. Foram esmigalhados por denuncias que só se tornaram notícia -- às vezes manchete -- a muito custo, quando não era possível esconder fatos graves que há muito mereciam atenção e cuidado, em particular de uma imprensa que fez das acusações de corrupção contra Lula e o PT o principal alimento de sua cobertura política.
A liquidação do comando tucano mostra a fraqueza congênita do PSDB, partido que já foi a grande esperança dos círculos conservadores do país após o colapso do malufismo e do PMDB. Vencidos pelas urnas, em quatro eleições consecutivas, seus caciques se revelam como políticos sem luz própria para enfrentar sequer três meses de notícias desagradáveis -- que jamais chegaram ao canibalismo que atinge Lula, há mais de 30 anos. O desmoronamento triplo mostra o caráter artificial da legenda, plástico, de mentirinha, sem vida independente, incapaz de se defender por méritos próprios -- apenas com a proteção dos amigos na mídia, no aparelho judiciário e nos grandes negócios.
A natureza especulativa dessas anti-candidaturas, lançadas como barreira para enfrentar Lula de qualquer maneira, se reflete nos pré-lançamentos ensaiados por esses dias. De João Dória a Bolsonaro, passando por Marina, o que se pretende não é discutir ideias nem projetos -- mas experimentar quem teria melhores condições de enfrentar Lula. Essa é a prioridade, a linha divisória.
A liderança de Lula, numa situação de perseguição implacável na qual nada mais lhe resta além da memória do povo, mostra uma verdade importante de ser afirmada após o golpe parlamentar contra Dilma. Sua força política reside em sua história, no saldo dos governos do PT que, apesar de erros e muitas limitações, deixaram um perfil único de luta contra a miséria e contra a desigualdade, pelo crescimento.
Qualquer calouro de Ciência Política sabe o valor de políticos feitos desse material -- a aprovação do povo -- e sua importância na preservação do regime democrático. Políticos de fantasia, dependentes, obras de marketing, são uma porta aberta para pressões indevidas e perniciosas, que podem ser destruídos por meia dúzia de manchetes. Já lideranças de raiz verdadeira tem um contato direto com o povo. São a principal referência da soberania do povo, clausula número 1 da Constituição.
O Data Folha vem em boa hora. Não se trata de procurar astrólogos para tentar adivinhar como estará o eleitor em 2018, cenário da pesquisa, quando devem concorrer novos nomes e novos rostos para velhíssimas ideias, saídos da linha de montagem da fábrica de candidatos que faz parte do arsenal de domínio político dos interesses que governam o país há cinco séculos.
A questão é reconhecer o principal: mais do que nunca Lula tornou-se uma peça-chave da preservação da democracia brasileira. É preciso entender as tentativas de afastá-lo da vida política como um esforço para consolidar uma ditadura, num processo idêntico ao que se fez em junho de 1964, quando a ditadura cassou Juscelino Kubitscheck para impedir que pudesse disputar a eleição de 1965, na qual era o favorito disparado. Não havia provas contra JK. Havia um discurso que o chamava de corrupto.
Nem há provas contra Lula. Há uma narrativa em construção.
O saldo da perseguição a JK foi vergonhoso e trágico, nós sabemos. Logo depois de sua cassação a eleição direta para presidente foi abandonada. Só 24 anos depois os brasileiros puderam voltar a urna presidencial.
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário