8 de Janeiro de 2018
Por Ribamar Fonseca
Por Ribamar Fonseca
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Isso é o que estabelece em seu artigo 1º, parágrafo único, a Constituição Federal. E o artigo 102 complementa: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição". Apesar da aparência de legalidade que todos se esforçam em apresentar, com a cumplicidade da mídia, já faz algum tempo que nenhum dos dois dispositivos é respeitado, assim como muitos outros. E o que é mais grave: o desrespeito da Carta Magna, em alguns casos até estupro, tem sido protagonizado pelo próprio Judiciário que, por conta da covardia dos outros dois poderes – o Executivo e o Legislativo – vem exercendo o poder total, inclusive político, chegando a selecionar quem deve concorrer a cargo eletivo, de acordo com os interesses da elite. Constata-se, assim, que, apesar do que determina a Constituição, o povo, o verdadeiro dono do poder, foi marginalizado e o Brasil ficou refém do Judiciário. Isso não existe em nenhuma democracia do mundo.
O Judiciário, na verdade, já vinha se fortalecendo antes mesmo do impeachment da presidenta Dilma Roussef, ocupando os espaços vazios de poder à proporção em que os outros dois poderes se encolhiam, acovardados. Algumas vezes um ministro do Supremo, com uma única canetada, anulou decisões da Câmara Federal, um colegiado com mais de 500 membros. A Suprema Corte invadiu competência legislativa do Congresso ao estabelecer, por exemplo, a prisão do réu após a sua condenação em segunda instância, sem provocar um gemido dos congressistas. E determinou a prisão de parlamentares, entre eles o senador Delcídio do Amaral, atropelando o parágrafo segundo do artigo 53 da Constituição, que reza: "Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável". Até onde se sabe, Delcídio não cometeu nenhum crime inafiançável: ele foi preso sob a acusação de tentativa de obstrução da Justiça. E o Senado se acovardou e ainda cassou-lhe o mandato.
Por não reagir à gradativa intervenção do Judiciário o Congresso ficou tão fraco que um juiz de primeira instância de Brasilia mandou a Policia Federal invadir o Senado, apreender seus equipamentos eletrônicos de defesa contra escutas e ainda prender o chefe da Policia Legislativa. A Câmara Alta foi humilhada e o seu presidente à época, senador Renan Calheiros, se limitou a fazer um protesto que resultou na libertação do seu policial e na devolução do equipamento. Embora tenha extrapolado em suas atribuições e criado uma situação de constrangimento para o STF, ao mandar invadir a sede de outro poder sem autorização superior, o magistrado não sofreu sequer uma advertência. E os abusos de poder foram se sucedendo até que o pessoal da Lava-Jato decidiu legalizá-los, apresentando um projeto de lei com dez medidas anticorrupção que previa, entre outras coisas, a extinção do habeas corpus e a oficialização da tortura. A proposta, apresentada com a ampla cobertura da mídia, era tão absurda que foi modificada pela Câmara dos Deputados e os seus autores classificados pelo ministro Gilmar Mendes de "cretinos".
O Senado só reagiu mais energicamente contra a interferência do Judiciário quando o Supremo afastou o senador Aécio Neves do exercício do mandato e o confinou à sua casa, uma espécie de prisão domiciliar, e terminou por absolvê-lo, apesar de flagrado pedindo propina ao empresário Joesley Batista e da prisão em flagrante do seu primo Fred, carregando para ele uma mala com dinheiro da JBS. Com a cobertura do Senado, Aécio mantém-se em liberdade e ainda fazendo conchavos com Temer, enquanto Delcidio ficou sem mandato, mesmo sem mala de dinheiro e sem pedir propina. A reação daquela Casa, no entanto, que colocou um pequeno freio nos avanços do STF, não mudou muito o panorama. O Judiciário continua dando as cartas e tanto isso é verdade que no dia 24 deste mês deverá, através do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, tomar a decisão destinada a impedir o maior líder popular deste país de concorrer às próximas eleições presidenciais.
O governador Flavio Dino, do Maranhão, que foi aprovado em primeiro lugar no mesmo concurso do juiz Sergio Moro e chegou a ocupar a presidência da Ajufe (Associação dos Juizes Federais), criticou a disposição do TRF-4 de condenar Lula, afirmando que leu e releu a sentença "sobre o tal triplex do Guarujá" e encontrou uma "argumentação jurídica precária e dissociada da prova dos autos", não acreditando que os três desembargadores federais confirmem a sentença "apenas por questões políticas ou por pressão". A voz credenciada de Dino engrossa o coro dos juristas que condenaram a sentença de Moro e que o TRF-4, cujo presidente a considerou "irretocável", pretende confirmar. O fato é que mesmo sem nenhum voto que lhes dê autoridade para decidir sobre questões políticas de vital importância para o país, os homens de toga se atribuíram o poder de decidir quem deve e quem não deve concorrer à Presidência da República, ignorando solenemente a vontade de milhões de brasileiros. O Brasil, no entanto, não pode mais continuar refém do Judiciário.
Brasil 247
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