Postado em 23 out 2014
Aécio
Da ilha de concreto que separa a rua Amazonas em duas, na praça Sete de Setembro, em Belo Horizonte, um carro de som gritava um batidão eleitoral pró-Aécio quando centenas de militantes petistas e professores da rede pública, sacudindo bandeiras de Dilma Rousseff, se aproximaram e tomaram o obelisco, do lado oposto. Sob os olhares apreensivos de uma dezena de policiais armados com cassetetes, começou uma batalha musical. “Olê, Olê, Olê, Olá, Dilmá, Dilmá”
O clima ficou tenso e acabou em bate-boca. Cada grupo reivindicava o direito pelo marco histórico belo-horizontino. Até que, em menor número, os do azul-amarelo tucano, contratados para hastear a bandeira do candidato Aécio Neves a 30 reais ao dia (ou 900 reais ao mês), tiraram o carro de campo. A praça Sete era dos petistas.
A cena ocorrida na última quarta, 15 de outubro, foi simbólica. Os professores haviam marcado o ato de apoio à Rousseff para o Dia do Professor, com o lema “Pela educação, Aécio não”. Por causa dos bons índices de Minas Gerais em algumas das avaliações federais, a educação se tornou nessas eleições uma das maiores vitrines de Neves, que considera a área seu “legado” para o Estado. Mas os professores queriam mostrar o que está por trás das estatísticas.
Ao lado de militantes do PT, ostentavam nos gritos o orgulho renascido no último 5 de outubro. Primeiro, pelo partido ter conseguido expulsar ainda no primeiro turno os tucanos do Governo do Estado, comandado por eles por 12 anos. Segundo, pelos mineiros terem rejeitado Aécio Neves, o aclamado governador de outras épocas, dentro da própria casa dele.
“A primeira vitória já conseguimos no primeiro turno. Agora temos um compromisso político com a população deste país. Temos que evitar essa política de desmantelamento do Estado de Direito”, afirmava ao microfone uma professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que teve 438 professores signatários de um manifesto de apoio à candidata. O texto se somou a outro, lançado anteriormente pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Estado (SindUTE), que questionava: “O que Aécio fez em Minas serve para o Brasil?”
Neves, que venceu por duas vezes a eleição para o Governo do Estado em primeiro turno (em 2002 com 58% dos votos e em 2006 com 77%), amargara agora, candidato à presidência, um resultado mais acanhado (40%, diante dos 43% de sua rival). A derrota, ainda que apertada, deu a Minas o patamar de bola da vez. E a gestão Aécio Neves passou a ser questionada em âmbito nacional: o que teria levado o político a perder no próprio Estado?
Para alguns, a resposta é simples. As vitórias de Neves para o Governo haviam sido contra candidatos sem muita expressão no campo político mineiro. O PT, desde o primeira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, já vencia em Minas Gerais no âmbito federal. Essa teria sido, portanto, a primeira prova do neto de Tancredo no Estado contra um candidato de peso. E ele não passou.
Para outros, no entanto, a desconstrução de Aécio começou a ser desenhada três anos antes dessas eleições, justamente no campo que ele mais se orgulha: a educação. Em 8 de junho de 2011, os cerca de 8.000 professores da rede Estadual realizaram a maior greve da história de Minas. Ficaram paralisados por 112 dias, em protesto ao “salário humilhante” que recebiam, conta Beatriz Cerqueira, coordenadora-geral do SindUTE.
Na época, uma reportagem da Folha de S.Paulo fez um ranking de salários de professores entre os Estados, com base em um levantamento feito com as próprias secretarias estaduais de Educação. Minas era quem pagava o pior: 616 reais – quase metade dos 1.187 reais do piso nacional, uma lei aprovada em 2008.
Os professores já haviam feito greves para denunciar o não cumprimento do piso. Uma, em 2008, durou 30 dias. Outra, em 2010, 47 dias. Mas na de 2011, quando o governador já era o tucano Antonio Anastasia, apadrinhado por Neves e eleito no ano anterior ainda em primeiro turno, aguentaram tanto tempo porque conseguiram o apoio financeiro, presencial e político de outras categorias, da capital e do interior.
Os trabalhadores temiam que uma vitória do Governo contra a educação poderia ter reflexos em toda as categorias. A greve acabou com o reconhecimento de que o piso deveria ser pago. Mas o que o Governo fez, segundo o sindicato, foi unir o vencimento às gratificações, o que não deveria ser contato para o cálculo do piso, afirma a categoria. Atualmente, um professor de nível médio de escolaridade recebe para a jornada de 24 horas semanais da rede 1.237 reais para nível médio, afirma Beatriz. Neste ano, o valor nacional foi fixado em 1.697 reais para os que trabalham até 40 horas. A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) fez um levantamento em todos os Estados neste ano e Minas está, novamente, na lista dos que não cumprem o piso. “Nunca se pagou o piso aqui”, diz Beatriz. O Governo nega.
Com o movimento dos professores fortalecido e os trabalhadores unidos, outros sindicatos passaram a expor para a população os problemas do Estado. “Nós fomos às ruas para mostrar o que acontece dentro dos hospitais públicos, colocamos telões com vídeos de imagens de dentro do hospital”, conta Renato Barros, diretor do Sindi-Saúde de MG. O sindicato dos eletricitários organizou um plebiscito popular para consultar a população sobre o valor da tarifa de energia elétrica, considerado por eles abusivo, com a adesão de 600.000 pessoas. E quando as manifestações de junho de 2013 chegaram, a esquerda estava unida e liderou os atos.
“Na época que eles [tucanos] passaram no Governo, era greve, greve, greve…Aécio judiou muito dos professores, os pronto-socorros são lotados”, conta o taxista José Pinto, 59, que vota em Rousseff. “Os professores são muito fortes”, taxava outro, que vota em Neves, para explicar a derrota em primeiro turno de seu candidato no Estado.
Com o tempo, as decisões do Governo de Neves começavam a se mostrar menos promissoras. O “choque de gestão” implementado por ele ao assumir o posto pela primeira vez, em 2003, que consistia em diminuir custos (basicamente enxugando cargos e secretarias) e na adoção de metas de bonificação por resultado, já funcionava pouco no Governo do sucessor Anastasia. Nem com as novas taxas criadas no choque de Aécio (de incêndio, fiscalização judiciária e mudança de tributação sobre doações e heranças), Minas conseguiu achar boas fontes de receita. Tornou-se o segundo Estado mais endividado da federação, com 183% das receitas comprometidas em 2013, de acordo com um levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo. No ano passado, apenas 7% da receita total do Estado pode ser desembolsada em obras e investimentos.
Os efeitos foram sentidos em áreas sensíveis, como a saúde e a educação. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, o Estado não aplicou o mínimo exigido pela Constituição nas duas áreas (12% do Orçamento na saúde e 25% na educação). Entre 2003 e 2011, foram 7,7 bilhões a menos na saúde e entre 2003 e 2013, 8,3 bilhões a menos na educação. Entre 2000 e 2010, o Estado caiu uma posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) geral e no que mede especificamente a educação (IDH-Educação). Apesar de Minas ter sido considerado o Estado com o melhor resultado no Ideb de 2013 no ensino fundamental, a situação na rede estadual piorou no médio.
A violência, grande preocupação de Neves nessa campanha presidencial, também aumentou. Segundo dados do Datasus, sistema de estatísticas do Ministério da Saúde, o número de homicídios cresceu 52% entre 2002 e 2012 (de 2.993 para 4.558), na contramão do que ocorreu no resto do Sudeste, região rica a qual Minas pertence, onde houve uma queda de 37% no mesmo período (de 27.423 para 10.268). No Brasil, o aumento foi de 13%.
Para completar, neste ano os jornais nacionais começaram a mostrar ações que manchavam a reputação do ex-governador. Entre elas, a de que ele destinou dinheiro público para a construção de um aeroporto dentro de uma propriedade que pertencia a um tio-avô dele, no município de Cláudio. Em 2007, também houve a reforma de um outro aeroporto no município mineiro de Montezuma, onde a família de Neves, então governador, tem propriedades.
Os fatos têm sido usados à exaustão pela campanha de Dilma Rousseff. E nas salas de sindicatos e políticos de oposição aos tucanos em Belo Horizonte o furor é grande para alimentar a campanha da rival de Neves com dados do Governo. Eles querem que a queda do tucano saia de dentro de sua própria casa.
Da ilha de concreto que separa a rua Amazonas em duas, na praça Sete de Setembro, em Belo Horizonte, um carro de som gritava um batidão eleitoral pró-Aécio quando centenas de militantes petistas e professores da rede pública, sacudindo bandeiras de Dilma Rousseff, se aproximaram e tomaram o obelisco, do lado oposto. Sob os olhares apreensivos de uma dezena de policiais armados com cassetetes, começou uma batalha musical. “Olê, Olê, Olê, Olá, Dilmá, Dilmá”
O clima ficou tenso e acabou em bate-boca. Cada grupo reivindicava o direito pelo marco histórico belo-horizontino. Até que, em menor número, os do azul-amarelo tucano, contratados para hastear a bandeira do candidato Aécio Neves a 30 reais ao dia (ou 900 reais ao mês), tiraram o carro de campo. A praça Sete era dos petistas.
A cena ocorrida na última quarta, 15 de outubro, foi simbólica. Os professores haviam marcado o ato de apoio à Rousseff para o Dia do Professor, com o lema “Pela educação, Aécio não”. Por causa dos bons índices de Minas Gerais em algumas das avaliações federais, a educação se tornou nessas eleições uma das maiores vitrines de Neves, que considera a área seu “legado” para o Estado. Mas os professores queriam mostrar o que está por trás das estatísticas.
Ao lado de militantes do PT, ostentavam nos gritos o orgulho renascido no último 5 de outubro. Primeiro, pelo partido ter conseguido expulsar ainda no primeiro turno os tucanos do Governo do Estado, comandado por eles por 12 anos. Segundo, pelos mineiros terem rejeitado Aécio Neves, o aclamado governador de outras épocas, dentro da própria casa dele.
“A primeira vitória já conseguimos no primeiro turno. Agora temos um compromisso político com a população deste país. Temos que evitar essa política de desmantelamento do Estado de Direito”, afirmava ao microfone uma professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que teve 438 professores signatários de um manifesto de apoio à candidata. O texto se somou a outro, lançado anteriormente pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Estado (SindUTE), que questionava: “O que Aécio fez em Minas serve para o Brasil?”
Neves, que venceu por duas vezes a eleição para o Governo do Estado em primeiro turno (em 2002 com 58% dos votos e em 2006 com 77%), amargara agora, candidato à presidência, um resultado mais acanhado (40%, diante dos 43% de sua rival). A derrota, ainda que apertada, deu a Minas o patamar de bola da vez. E a gestão Aécio Neves passou a ser questionada em âmbito nacional: o que teria levado o político a perder no próprio Estado?
Para alguns, a resposta é simples. As vitórias de Neves para o Governo haviam sido contra candidatos sem muita expressão no campo político mineiro. O PT, desde o primeira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, já vencia em Minas Gerais no âmbito federal. Essa teria sido, portanto, a primeira prova do neto de Tancredo no Estado contra um candidato de peso. E ele não passou.
Para outros, no entanto, a desconstrução de Aécio começou a ser desenhada três anos antes dessas eleições, justamente no campo que ele mais se orgulha: a educação. Em 8 de junho de 2011, os cerca de 8.000 professores da rede Estadual realizaram a maior greve da história de Minas. Ficaram paralisados por 112 dias, em protesto ao “salário humilhante” que recebiam, conta Beatriz Cerqueira, coordenadora-geral do SindUTE.
Na época, uma reportagem da Folha de S.Paulo fez um ranking de salários de professores entre os Estados, com base em um levantamento feito com as próprias secretarias estaduais de Educação. Minas era quem pagava o pior: 616 reais – quase metade dos 1.187 reais do piso nacional, uma lei aprovada em 2008.
Os professores já haviam feito greves para denunciar o não cumprimento do piso. Uma, em 2008, durou 30 dias. Outra, em 2010, 47 dias. Mas na de 2011, quando o governador já era o tucano Antonio Anastasia, apadrinhado por Neves e eleito no ano anterior ainda em primeiro turno, aguentaram tanto tempo porque conseguiram o apoio financeiro, presencial e político de outras categorias, da capital e do interior.
Os trabalhadores temiam que uma vitória do Governo contra a educação poderia ter reflexos em toda as categorias. A greve acabou com o reconhecimento de que o piso deveria ser pago. Mas o que o Governo fez, segundo o sindicato, foi unir o vencimento às gratificações, o que não deveria ser contato para o cálculo do piso, afirma a categoria. Atualmente, um professor de nível médio de escolaridade recebe para a jornada de 24 horas semanais da rede 1.237 reais para nível médio, afirma Beatriz. Neste ano, o valor nacional foi fixado em 1.697 reais para os que trabalham até 40 horas. A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) fez um levantamento em todos os Estados neste ano e Minas está, novamente, na lista dos que não cumprem o piso. “Nunca se pagou o piso aqui”, diz Beatriz. O Governo nega.
Com o movimento dos professores fortalecido e os trabalhadores unidos, outros sindicatos passaram a expor para a população os problemas do Estado. “Nós fomos às ruas para mostrar o que acontece dentro dos hospitais públicos, colocamos telões com vídeos de imagens de dentro do hospital”, conta Renato Barros, diretor do Sindi-Saúde de MG. O sindicato dos eletricitários organizou um plebiscito popular para consultar a população sobre o valor da tarifa de energia elétrica, considerado por eles abusivo, com a adesão de 600.000 pessoas. E quando as manifestações de junho de 2013 chegaram, a esquerda estava unida e liderou os atos.
“Na época que eles [tucanos] passaram no Governo, era greve, greve, greve…Aécio judiou muito dos professores, os pronto-socorros são lotados”, conta o taxista José Pinto, 59, que vota em Rousseff. “Os professores são muito fortes”, taxava outro, que vota em Neves, para explicar a derrota em primeiro turno de seu candidato no Estado.
Com o tempo, as decisões do Governo de Neves começavam a se mostrar menos promissoras. O “choque de gestão” implementado por ele ao assumir o posto pela primeira vez, em 2003, que consistia em diminuir custos (basicamente enxugando cargos e secretarias) e na adoção de metas de bonificação por resultado, já funcionava pouco no Governo do sucessor Anastasia. Nem com as novas taxas criadas no choque de Aécio (de incêndio, fiscalização judiciária e mudança de tributação sobre doações e heranças), Minas conseguiu achar boas fontes de receita. Tornou-se o segundo Estado mais endividado da federação, com 183% das receitas comprometidas em 2013, de acordo com um levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo. No ano passado, apenas 7% da receita total do Estado pode ser desembolsada em obras e investimentos.
Os efeitos foram sentidos em áreas sensíveis, como a saúde e a educação. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, o Estado não aplicou o mínimo exigido pela Constituição nas duas áreas (12% do Orçamento na saúde e 25% na educação). Entre 2003 e 2011, foram 7,7 bilhões a menos na saúde e entre 2003 e 2013, 8,3 bilhões a menos na educação. Entre 2000 e 2010, o Estado caiu uma posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) geral e no que mede especificamente a educação (IDH-Educação). Apesar de Minas ter sido considerado o Estado com o melhor resultado no Ideb de 2013 no ensino fundamental, a situação na rede estadual piorou no médio.
A violência, grande preocupação de Neves nessa campanha presidencial, também aumentou. Segundo dados do Datasus, sistema de estatísticas do Ministério da Saúde, o número de homicídios cresceu 52% entre 2002 e 2012 (de 2.993 para 4.558), na contramão do que ocorreu no resto do Sudeste, região rica a qual Minas pertence, onde houve uma queda de 37% no mesmo período (de 27.423 para 10.268). No Brasil, o aumento foi de 13%.
Para completar, neste ano os jornais nacionais começaram a mostrar ações que manchavam a reputação do ex-governador. Entre elas, a de que ele destinou dinheiro público para a construção de um aeroporto dentro de uma propriedade que pertencia a um tio-avô dele, no município de Cláudio. Em 2007, também houve a reforma de um outro aeroporto no município mineiro de Montezuma, onde a família de Neves, então governador, tem propriedades.
Os fatos têm sido usados à exaustão pela campanha de Dilma Rousseff. E nas salas de sindicatos e políticos de oposição aos tucanos em Belo Horizonte o furor é grande para alimentar a campanha da rival de Neves com dados do Governo. Eles querem que a queda do tucano saia de dentro de sua própria casa.
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Diário do Centro do Mundo
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