28/10/2014
por Breno Altman
O terceiro turno já começou. O país reelegeu a presidente Dilma Rousseff e o programa petista, mas as forças derrotadas buscam impor sua agenda.
O instrumento principal, por ora, não são tentativas abertas de desestabilização e sabotagem. O movimento é mais sutil, ainda que possa ser preparatório de manobras mais agressivas. Trata-se de emparedar o governo e obriga-lo a acatar medidas e nomeações ao gosto do bloco político-social batido nas urnas.
A chave conceitual destas operações está na afirmação de que a nação teria saído dividida do processo eleitoral. Vencedora por margem estreita, só restaria à presidente abraçar teses que atendessem os interesses e as posições de seus adversários. Fora desse diapasão, não teria condições e legitimidade para governar.
A chefe de Estado, nesta lógica, teria que aceitar ser refém dos grupos políticos e corporativos que, sem maioria popular, controlam o poder econômico e de informação, além de reter forte influência sobre o Parlamento, a Justiça e outras instituições do Estado.
O preço para a paz seria o predomínio, mesmo que parcial, da plataforma neoconservadora rejeitada pelo voto. Ainda assim, sem quaisquer garantias de que, feitas as concessões, seriam respeitados eventuais acordos.
Vale lembrar que não há uma só linha na norma constitucional que subtraia prerrogativas de um governante que tenha sido eleito por diferença pouco confortável.
Ou alguém acha que, vitorioso Aécio Neves, estaríamos assistindo pressão equivalente, dos mesmos atores antidivisionistas, para nomear um sindicalista para o Ministério da Fazenda ou cortar juros como principal providência de ajuste fiscal?
A questão é puramente funcional. A tese da divisão serve, neste momento, à intenção de encurralar o governo e força-lo a adotar caminho que, atendendo as reivindicações do mercado, provoque o máximo desgaste junto aos eleitores e militantes de esquerda.
A divisão real do país é de outra natureza, que não pode ser confundida com a decisão democrática e soberana que reconduziu Dilma ao comando da República, dando-lhe mandato uno e legítimo.
Mas é fato que o Brasil vive em dualidade de poderes desde a primeira posse de Lula, em 2003. As forças progressistas detêm o governo nacional, mas sem maioria parlamentar, sob fogo cerrado dos monopólios da comunicação e com instituições judiciais usualmente cúmplices de manobras oposicionistas.
Como tal impasse pode ser rompido? Essa talvez seja a principal dúvida de todos os protagonistas.
O campo conservador aparentemente escolheu sua estratégia, com duas variantes.
A primeira está em curso: chantagear a presidente e obriga-la a recuos de peso, desidratando sua liderança política.
A segunda permanece embutida: deflagrar processo de sabotagem e impedimento, a partir de eventuais denúncias de corrupção no caso Petrobrás, com a meta de fazer o governo, o PT e Lula chegarem estropiados a 2018.
A presidente e o petismo, porém, vivem uma encruzilhada.
Durante doze anos, a busca de governabilidade foi encarada quase exclusivamente como uma tarefa institucional, constituindo alianças parlamentares que pudessem aprovar os projetos do Planalto e proteger o governo da desestabilização.
O arrefecimento da disputa política-ideológica era visto como necessário para facilitar estes acordos, reduzindo conflitos e danos. A militância e os movimentos sociais, sempre fundamentais para as batalhas eleitorais, eram recolhidos à posição de reserva estratégica na hora de governar.
O cenário, no entanto, parece ter mudado sensivelmente. O avanço nas reformas encontra resistência conservadora cada vez mais dura e frontal, contaminando amplos setores centristas da base parlamentar. Vão se fechando os espaços para trafegar entre as velhas instituições.
O discurso da vitória de Dilma reflete, de algum modo, a presente situação.
A presidente reeleita falou em diálogo e união, buscando isolar as frações mais radicalizadas da direita e ganhar tempo na reconfiguração de seu governo.
Mas também deu centralidade à proposta de reforma política através de plebiscito popular, sinalizando que é chegado o momento de enfrentar os problemas estruturais.
O presidente do PT, Rui Falcão, foi enfático ao dizer que, sem mobilização popular, não haverá reforma alguma. Não é pouca coisa. Claramente introduz as ruas como elemento imprescindível da governabilidade, o que constitui forte novidade na estratégia petista.
Estamos assistindo, de toda forma, aos primeiros passos de um embate decisivo.
A direita ensaia, com a tese da divisão, um discurso para dobrar e desidratar o governo, antes de esquarteja-lo.
A esquerda, talvez com alguma timidez, acumula forças para enfrentar os entulhos autoritários, encravados no sistema político e no monopólio da mídia, sobre os quais se mantém a dualidade de poderes que freia a aceleração e o aprofundamento das reformas.
Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.
por Breno Altman
O terceiro turno já começou. O país reelegeu a presidente Dilma Rousseff e o programa petista, mas as forças derrotadas buscam impor sua agenda.
O instrumento principal, por ora, não são tentativas abertas de desestabilização e sabotagem. O movimento é mais sutil, ainda que possa ser preparatório de manobras mais agressivas. Trata-se de emparedar o governo e obriga-lo a acatar medidas e nomeações ao gosto do bloco político-social batido nas urnas.
A chave conceitual destas operações está na afirmação de que a nação teria saído dividida do processo eleitoral. Vencedora por margem estreita, só restaria à presidente abraçar teses que atendessem os interesses e as posições de seus adversários. Fora desse diapasão, não teria condições e legitimidade para governar.
A chefe de Estado, nesta lógica, teria que aceitar ser refém dos grupos políticos e corporativos que, sem maioria popular, controlam o poder econômico e de informação, além de reter forte influência sobre o Parlamento, a Justiça e outras instituições do Estado.
O preço para a paz seria o predomínio, mesmo que parcial, da plataforma neoconservadora rejeitada pelo voto. Ainda assim, sem quaisquer garantias de que, feitas as concessões, seriam respeitados eventuais acordos.
Vale lembrar que não há uma só linha na norma constitucional que subtraia prerrogativas de um governante que tenha sido eleito por diferença pouco confortável.
Ou alguém acha que, vitorioso Aécio Neves, estaríamos assistindo pressão equivalente, dos mesmos atores antidivisionistas, para nomear um sindicalista para o Ministério da Fazenda ou cortar juros como principal providência de ajuste fiscal?
A questão é puramente funcional. A tese da divisão serve, neste momento, à intenção de encurralar o governo e força-lo a adotar caminho que, atendendo as reivindicações do mercado, provoque o máximo desgaste junto aos eleitores e militantes de esquerda.
A divisão real do país é de outra natureza, que não pode ser confundida com a decisão democrática e soberana que reconduziu Dilma ao comando da República, dando-lhe mandato uno e legítimo.
Mas é fato que o Brasil vive em dualidade de poderes desde a primeira posse de Lula, em 2003. As forças progressistas detêm o governo nacional, mas sem maioria parlamentar, sob fogo cerrado dos monopólios da comunicação e com instituições judiciais usualmente cúmplices de manobras oposicionistas.
Como tal impasse pode ser rompido? Essa talvez seja a principal dúvida de todos os protagonistas.
O campo conservador aparentemente escolheu sua estratégia, com duas variantes.
A primeira está em curso: chantagear a presidente e obriga-la a recuos de peso, desidratando sua liderança política.
A segunda permanece embutida: deflagrar processo de sabotagem e impedimento, a partir de eventuais denúncias de corrupção no caso Petrobrás, com a meta de fazer o governo, o PT e Lula chegarem estropiados a 2018.
A presidente e o petismo, porém, vivem uma encruzilhada.
Durante doze anos, a busca de governabilidade foi encarada quase exclusivamente como uma tarefa institucional, constituindo alianças parlamentares que pudessem aprovar os projetos do Planalto e proteger o governo da desestabilização.
O arrefecimento da disputa política-ideológica era visto como necessário para facilitar estes acordos, reduzindo conflitos e danos. A militância e os movimentos sociais, sempre fundamentais para as batalhas eleitorais, eram recolhidos à posição de reserva estratégica na hora de governar.
O cenário, no entanto, parece ter mudado sensivelmente. O avanço nas reformas encontra resistência conservadora cada vez mais dura e frontal, contaminando amplos setores centristas da base parlamentar. Vão se fechando os espaços para trafegar entre as velhas instituições.
O discurso da vitória de Dilma reflete, de algum modo, a presente situação.
A presidente reeleita falou em diálogo e união, buscando isolar as frações mais radicalizadas da direita e ganhar tempo na reconfiguração de seu governo.
Mas também deu centralidade à proposta de reforma política através de plebiscito popular, sinalizando que é chegado o momento de enfrentar os problemas estruturais.
O presidente do PT, Rui Falcão, foi enfático ao dizer que, sem mobilização popular, não haverá reforma alguma. Não é pouca coisa. Claramente introduz as ruas como elemento imprescindível da governabilidade, o que constitui forte novidade na estratégia petista.
Estamos assistindo, de toda forma, aos primeiros passos de um embate decisivo.
A direita ensaia, com a tese da divisão, um discurso para dobrar e desidratar o governo, antes de esquarteja-lo.
A esquerda, talvez com alguma timidez, acumula forças para enfrentar os entulhos autoritários, encravados no sistema político e no monopólio da mídia, sobre os quais se mantém a dualidade de poderes que freia a aceleração e o aprofundamento das reformas.
Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.
Brasil 247
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