31/10/2014
por Breno Altman
O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), mal esperou o final de sua reunião com o chefe da Casa Civil, Aloisio Mercadante, para anunciar compromisso com a mais importante proposta presidencial.
“Reforma política é um consenso”, disse a jornalistas após encontro com o ministro. “E tem que ter realmente a participação popular.” Suspiros de alívio puderam ser ouvidos entre os que se esmeram por construir pontes no Congresso.
Mas a declaração do parlamentar não passa de uma farsa.
A Proposta de Emenda Constitucional 352/2013, enviada à Comissão de Constituição e Justiça no dia 28 de outubro, reafirma os piores aspectos do sistema político-eleitoral. Trata-se de documento que reforça o poder econômico, limita a participação popular e fragiliza os partidos políticos.
Apesar do PT ter se oposto frontalmente aos termos desta proposta, um parlamentar da legenda foi seu relator. O deputado paulista Cândido Vaccarezza, derrotado nas últimas eleições, é quem se prestou a esse papel.
A tal PEC traz sete medidas fundamentais:
– Introduz o voto facultativo, que deixa de ser obrigação constitucional. Analfabetos, maiores de setenta anos e jovens entre 16 e 18 anos nem sequer precisarão se alistar.
– Acaba com a reeleição para todos os cargos executivos, determinando que seus mandatários somente poderão se recandidatar no período subsequente.
– Unifica o calendário eleitoral, fixando que o povo brasileiro somente irá às urnas a cada quatro anos.
– Mantém o financiamento privado das campanhas, tanto individual quanto empresarial, normatizando que apenas partidos políticos poderão receber doações.
– Adota o formato de circunscrição distrital, reduzindo a base eleitoral para áreas menores, que escolherão de quatro a sete parlamentares para a Câmara dos Deputados. O sistema de voto uninominal é mantido.
– Estabelece cláusula de barreira, a ser válida de forma progressiva, pela qual apenas agremiações com um mínimo de 5% dos votos válidos poderão ter funcionamento parlamentar, acesso ao fundo partidário e direito a horários gratuitos no rádio e na televisão.
– Mantém as coligações proporcionais e a possibilidade de descasamento das alianças nas diversas jurisdições eleitorais, além de reduzir o prazo de filiação partidária obrigatória para seis meses.
Vamos ao resumo da ópera.
O projeto costurado pelo PMDB preserva os pilares do modelo eleitoral herdado da ditadura.
Ao consolidar o financiamento empresarial, salvaguarda a influência do capital sobre a representação política. Além de contaminar o processo democrático, conserva uma das principais causas de corrupção no Estado brasileiro.
A continuidade do voto uninominal intensifica a desidratação das agremiações como expressão de projetos nacionais. Chancela-se a reconfiguração partidária em agências gelatinosas para a alavancagem de indivíduos ou grupos ávidos por espaço institucional.
A introdução do voto distrital, se supostamente barateia campanhas, por outro lado reduz ainda mais a densidade programática das disputas. Financiados por máquinas eleitorais irrigadas de recursos privados, candidatos poderão aprofundar laços clientelistas e almejar um posto legislativo federal pela lógica que orienta competições para vereador.
Aprovada a PEC 352, os partidos serão induzidos a reforçar seu caráter de legendas com pouca identidade, conformadas por interesses corporativos e fisiológicos. A clausula de barreira, nessas condições, serve apenas para impulsionar a monopolização dos partidos-empresa ou obstruir atividades de partidos ideológicos minoritários.
Ao contrário de inventar novos mecanismos para a participação popular – como a criação de referendos revogatórios ou consultas populares impositivas -, a PEC dobra o intervalo para a manifestação das urnas.
O comparecimento facultativo somente piora a situação: estimula a ampliação de ofertas materiais ou de ameaças para atrair votantes, expandindo em nosso território o pior das práticas eleitorais, além de reduzir a base de legitimação do poder público.
Não há como esconder, no núcleo fundamental da proposta, o desejo de despolitizar o país.
São medidas, entre outras, para alargar a influência de correntes centristas, a mais importante delas o PMDB. O ambiente de baixa intensidade programática, afinal, é imprescindível para a existência de blocos que perseguem nacos do eleitorado à sombra da polarização entre os campos conservador e de esquerda.
Esta apresenta-se como opção dominante, ainda que muitas lideranças peemedebistas e dos demais partidos que ocupam espaço ao centro rezem por outra cartilha, eventualmente alinhando-se às forças progressistas ou abrindo-se ao diálogo nessa direção.
O fato é que está emergindo, com ímpeto crescente, uma aliança entre os partidos da direita e o centro oligárquico, mudando o cenário parlamentar dos últimos anos.
A farsa encarnada pela PEC 352 é passo estratégico para esta coalizão antipopular.
Se for aprovada, irá a referendo. Vitoriosa, terá barrado o esforço pela democratização do Estado, principal batalha para que as demais reformas possam ser aceleradas e aprofundadas.
Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.
por Breno Altman
O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), mal esperou o final de sua reunião com o chefe da Casa Civil, Aloisio Mercadante, para anunciar compromisso com a mais importante proposta presidencial.
“Reforma política é um consenso”, disse a jornalistas após encontro com o ministro. “E tem que ter realmente a participação popular.” Suspiros de alívio puderam ser ouvidos entre os que se esmeram por construir pontes no Congresso.
Mas a declaração do parlamentar não passa de uma farsa.
A Proposta de Emenda Constitucional 352/2013, enviada à Comissão de Constituição e Justiça no dia 28 de outubro, reafirma os piores aspectos do sistema político-eleitoral. Trata-se de documento que reforça o poder econômico, limita a participação popular e fragiliza os partidos políticos.
Apesar do PT ter se oposto frontalmente aos termos desta proposta, um parlamentar da legenda foi seu relator. O deputado paulista Cândido Vaccarezza, derrotado nas últimas eleições, é quem se prestou a esse papel.
A tal PEC traz sete medidas fundamentais:
– Introduz o voto facultativo, que deixa de ser obrigação constitucional. Analfabetos, maiores de setenta anos e jovens entre 16 e 18 anos nem sequer precisarão se alistar.
– Acaba com a reeleição para todos os cargos executivos, determinando que seus mandatários somente poderão se recandidatar no período subsequente.
– Unifica o calendário eleitoral, fixando que o povo brasileiro somente irá às urnas a cada quatro anos.
– Mantém o financiamento privado das campanhas, tanto individual quanto empresarial, normatizando que apenas partidos políticos poderão receber doações.
– Adota o formato de circunscrição distrital, reduzindo a base eleitoral para áreas menores, que escolherão de quatro a sete parlamentares para a Câmara dos Deputados. O sistema de voto uninominal é mantido.
– Estabelece cláusula de barreira, a ser válida de forma progressiva, pela qual apenas agremiações com um mínimo de 5% dos votos válidos poderão ter funcionamento parlamentar, acesso ao fundo partidário e direito a horários gratuitos no rádio e na televisão.
– Mantém as coligações proporcionais e a possibilidade de descasamento das alianças nas diversas jurisdições eleitorais, além de reduzir o prazo de filiação partidária obrigatória para seis meses.
Vamos ao resumo da ópera.
O projeto costurado pelo PMDB preserva os pilares do modelo eleitoral herdado da ditadura.
Ao consolidar o financiamento empresarial, salvaguarda a influência do capital sobre a representação política. Além de contaminar o processo democrático, conserva uma das principais causas de corrupção no Estado brasileiro.
A continuidade do voto uninominal intensifica a desidratação das agremiações como expressão de projetos nacionais. Chancela-se a reconfiguração partidária em agências gelatinosas para a alavancagem de indivíduos ou grupos ávidos por espaço institucional.
A introdução do voto distrital, se supostamente barateia campanhas, por outro lado reduz ainda mais a densidade programática das disputas. Financiados por máquinas eleitorais irrigadas de recursos privados, candidatos poderão aprofundar laços clientelistas e almejar um posto legislativo federal pela lógica que orienta competições para vereador.
Aprovada a PEC 352, os partidos serão induzidos a reforçar seu caráter de legendas com pouca identidade, conformadas por interesses corporativos e fisiológicos. A clausula de barreira, nessas condições, serve apenas para impulsionar a monopolização dos partidos-empresa ou obstruir atividades de partidos ideológicos minoritários.
Ao contrário de inventar novos mecanismos para a participação popular – como a criação de referendos revogatórios ou consultas populares impositivas -, a PEC dobra o intervalo para a manifestação das urnas.
O comparecimento facultativo somente piora a situação: estimula a ampliação de ofertas materiais ou de ameaças para atrair votantes, expandindo em nosso território o pior das práticas eleitorais, além de reduzir a base de legitimação do poder público.
Não há como esconder, no núcleo fundamental da proposta, o desejo de despolitizar o país.
São medidas, entre outras, para alargar a influência de correntes centristas, a mais importante delas o PMDB. O ambiente de baixa intensidade programática, afinal, é imprescindível para a existência de blocos que perseguem nacos do eleitorado à sombra da polarização entre os campos conservador e de esquerda.
Esta apresenta-se como opção dominante, ainda que muitas lideranças peemedebistas e dos demais partidos que ocupam espaço ao centro rezem por outra cartilha, eventualmente alinhando-se às forças progressistas ou abrindo-se ao diálogo nessa direção.
O fato é que está emergindo, com ímpeto crescente, uma aliança entre os partidos da direita e o centro oligárquico, mudando o cenário parlamentar dos últimos anos.
A farsa encarnada pela PEC 352 é passo estratégico para esta coalizão antipopular.
Se for aprovada, irá a referendo. Vitoriosa, terá barrado o esforço pela democratização do Estado, principal batalha para que as demais reformas possam ser aceleradas e aprofundadas.
Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.
Brasil 247
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