23 de Dezembro de 2015
Por Paulo Moreira Leite
Ao divulgar um parecer favorável à aprovação –com ressalvas – das contas da presidente Dilma Rousseff referentes a 2014, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) prestou um serviço ao país. A decisão, que será discutida e votada pelo Congresso até março, merece aplauso pela serenidade e lucidez.
O relatório foi recebido com afetação e surpresa exagerada pela oposição, o que se compreende pelo risco de quem se vê diante do risco de perder um atalho possível para tentar o impeachment da presidente. Gurgacz justificou a decisão com argumentos técnicos, e não políticos. O senador está certo.
O ponto político da decisão diz respeito a seriedade devida a todo debate de interesse público. Ao defender a aprovação das contas de Dilma, Gurgacz deixou um desafio a oposição. Para seguir na discussão e tentar manter acusações feitas sob encomenda para deixar a presidente na defensiva, os adversários devem apresentar argumentos consistentes e fatos reais. Pode-se apostar que terão dificuldades para isso.
Nas últimas semanas, as tentativas mais barulhentas para criminalizar Dilma a partir de falhas nas contas públicas deixaram de ser consideradas com seriedade. Não se fala mais de programas sociais que seriam sustentados por métodos irregulares de causavam prejuízos ao Tesouro. Está demonstrado que, pelo contrário, a conta suprimento mantida pelo Tesouro na Caixa Econômica, instituição repassadora de recursos, gerou saldo positivo para os contribuintes, que ultrapassou R$ 100 milhões em 2014.
A denúncia de irregularidades envolvendo empréstimos do BNDES a empresas privadas não se tornou uma questão criminal, como se pretendia, para se revelar como aquilo que sempre foi – uma disputa de caráter acadêmico e político sobre o papel de um banco público como indutor do desenvolvimento. Se o governo tem dívidas com o BNDES, a recíproca também é verdadeira –numa escala aproximadamente 20 vezes maior.
Mesmo reportagens de caráter investigativo sobre os bastidores do Tesouro, em 2014, podem ajudar na compreensão do caráter politizado de muitas decisões tomadas pela equipe econômica. Envolvem medidas difíceis e opções complicadas. Mas em nenhum caso se apontou qualquer episódio que possa ser classificado como fato criminoso. Todas podem ser explicadas a partir de um ponto de vista político e até ideológico. Pode-se concordar ou discordar – mas estamos no universo do debate econômico, legitimado pelo voto popular, com venturas e desventuras, erros e acertos que fazem parte das decisões de governo.
Sobraram, então, os decretos não numerados, categoria prevista pela administração federal desde 1991, em uso por todos os governantes desde então. Como já lembrei aqui neste espaço, a leitura do site do Palácio do Planalto (http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/decretos-nao-numerados1#content) mostra que os decretos não apenas são perfeitamente legais, mas tem uso frequente na administração:
"Editados pelo Presidente da República, possuem objeto concreto, específico e sem caráter normativo. Os temas mais comuns são a abertura de créditos, a declaração de utilidade pública para fins de desapropriação, a concessão de serviços públicos e a criação de grupos de trabalho."
Se você clicar em 1993, governo Itamar Franco, irá encontrar mais de 100 decretos não numerados apenas no dia 30 de dezembro. Num único dia. Normal. Se clicar em 1997, Fernando Henrique, irá encontrar 18 decretos não numerados em 13 de dezembro. Se for para o 15 de maio de 2007, irá encontrar cinco decretos no governo Luiz Inácio Lula da Silva. E assim por diante, até chegar a 2015, com Dilma. (Só nos primeiros três meses do ano, a presidente assinou 40 decretos não-numerados, documento que costuma ser examinados previamente por uma dezena de subalternos antes de chegar ao gabinete presidencial).
O debate sobre as contas públicas pode e deve ser um exercício útil para elevar o grau de transparência da administração e permitir, ao cidadão comum, aceitar ou questionar, com conhecimento dos fatos, as decisões tomadas pelas autoridades.
No Brasil de 2015, no entanto, o debate tem servido apenas a uma atitude perversa, com a finalidade exclusiva de encontrar um atalho para permitir uma ação de impeachment contra Dilma Rousseff.
Quem tem alguma dúvida sobre os métodos aplicados para apurar, debater e divulgar o tema, basta perguntar pelas origens do relatório que se pretendia usar para condenar o governo Dilma.
Estamos falando de uma parceria política e moral entre Eduardo Cunha, presidente da Câmara de Deputados, e Augusto Nardes, relator das contas do governo no TCU. Cunha é Eduardo Cunha, certo? Quanto a Nardes, basta recordar que ele é investigado na Operação Zelotes, pela acusação de embolsar R$2,6 milhões para aliviar uma multa salgadíssima da RBS com a Receita Federal.
Na verdade, o mais espantoso, de todo este caso, é perceber que o trabalho produzido sob o comando desse dupla tenha sido capaz de causar tanto ruído e impressão. Só pessoas pouco sérias poderiam levar um serviço desse a sério, vamos combinar.
Antes de permitir que saíssem por aí acusando pessoas sem prova, deveriam ser obrigados a se defender para recuperar um mínimo de credibilidade, certo?
Brasil 24/7
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